Reportagem publicada originalmente em dezembro de 2011 no caderno Cultura de ZH
Muitas curvas retardaram a marcha da obra de Oscar Niemeyer até o Rio Grande do Sul. Na descida desde a região central do país resultaram edificadas pelo caminho uma cidade e praticamente um bairro em concreto armado, entre tantos prédios avulsos e monumentos com o carimbo da vertente moderna, sinônimo de arquitetura brasileira. Duas frustrações sexagenárias ainda abalam os porto-alegrenses pelo fato de não terem chegado a termo projetos de vulto de Niemeyer esboçados para a Capital. E duas possibilidades animam esses mesmos afeitos por arquitetura por haver outros dois projetos,em uma escala menor do que a do prédio do IPE e a do Centro Amrigs, rubricados por Niemeyer para execução em Porto Alegre. Pelo menos um deles tem chances de virar o endereço real do Memorial Luís Carlos Prestes.
Revistos e atualizados para serem erguidos no entorno do Guaíba,os dois projetos são marcados pelo perfil político do mestre e por envolver o poder público em alguma medida nas obras. Constitui a chance mais concreta de apagarmos a ausência de Niemeyer na Capital esta dupla de memoriais vizinhos: o Caminho da Soberania rasgará o céu com totens de Getúlio Vargas, Leonel Brizola e João Goulart, no contorno do prédio sede sinuoso, e o circular Memorial Luís Carlos Prestes será encimado pelo símbolo vermelho da foice e do martelo a unir os dois contemporâneos de ideais comunistas - Prestes teria 113 anos, e Niemeyer completará 104 anos na quinta-feira.
- Quando comecei este projeto e vi que numa avenida seriam colocados memoriais (...),lembrei que essas figuras representam a luta, agora mais urgente do que naquela época,pela soberania do nosso país,senti que não era o caso de prever prédios diferentes onde muitas vezes a arquitetura conta mais do que a lembrança dos que neles são homenageados - disse Niemeyer sobre o Caminho da Soberania.
Apesar de a meia-lua do memorial trabalhista ter sido projetada antes, também contar com terreno definido e até constar o seu registro em livro junto às criações de Niemeyer de 1999 a 2009, recai sobre o Memorial Luiz Carlos Prestes a esperança de incluir uma criação do arquiteto carioca na região próxima ao Anfiteatro Pôr do Sol.Com a área de 10 mil metros quadrados dividida com a Federação Gaúcha de Futebol - para erguer a sua nova sede, mirando a Copa do Mundo de 2014 -, o projeto do Memorial de Prestes foi compactado para 708 metros quadrados de área construída prevista para os seus 5,4 mil metros quadrados de terreno.
Subirão os dois prédios com recursos da mesma fonte,a instituição desportiva, que executará um projeto diverso com quatro andares. No pavimento circular único projetado por Niemeyer, a volumetria chega a nove metros de altura na foice. Para o arquiteto Hermes Teixeira da Rosa, que acompanha o Memorial a Getúlio Vargas, em São Borja, obra do mestre internacional prestes a ser complementada com um espelho d'água, o início dos trabalhos do Memorial a Luís Carlos Prestes na Capital não passa deste verão. Como responsável técnico também pela execução desse futuro memorial, Hermes acompanhou os trâmites dos 14 projetos complementares para assegurar a execução do primeiro projeto de Niemeyer em Porto Alegre.
Memorial a Getúlio Vargas, em São Borja (Cláudio Gottfried/Especial)
Perguntado por Hermes se viria ao lançamento da pedra fundamental da obra que assinara em julho de 2008, o arquiteto devolveu a indagação:
- Em quanto tempo fica pronta?
- Um ano e meio - disse Hermes, confiante de ver a conclusão até agosto de 2013.
- Então eu vou para a inauguração, para colocar os quadros na parede, porque eu é que sei como tem que ser a ordem das fotos - respondeu o arquiteto, referindo-se à área expositiva.
Com a obra de Niemeyer na Avenida Edvaldo Pereira Paiva,a orla do Guaíba descreverá uma rota de arquitetura internacional, rivalizando o interesse com o pôr do sol de cartão postal. O português Álvaro Siza, que recentemente esteve com Niemeyer no Rio, inaugurou a proposta: está estabelecido mais adiante, em direção à Zona Sul, na alva Fundação Iberê Camargo,e o espanhol Fermín Vázquez aportará na região do Cais do Porto."Oscar Niemeyer, estando felizmente ativo, é há muito uma referência na história da arquitetura universal. Porto Alegre faz bem em contar com uma de suas obras (...) na orla, que é uma das grandes oportunidades de Porto Alegre",diz Vázquez.
Outros projetos de Niemeyer para o Estado
MEMORIAL OSWALDO ARANHA - ALEGRETE
No formato de uma pomba da paz em concreto, o projeto de Oscar Niemeyer para o Memorial Oswaldo Aranha, em Alegrete, tem plantas e a maquete, exposta no Museu Oswaldo
Aranha desde janeiro, e, nesta segunda-feira, passará a contar com um quinhão da terra alegretense.A proposta do arquiteto prevê área construída de 872,65 metros quadrados e paisagismo
com espécies originárias dos países que formavam a Organização das Nações Unidas na época em que Oswaldo Aranha a presidiu. Nesta segunda-feira, um determinante passo será dado. Chegará a votação da Câmara de Vereadores a proposta de doação do terreno dentro de área de preservação de 6,8 hectares pela prefeitura do município.A ação é dada como um consenso, conforme o prefeito, Erasmo Guterres da Silva, certeza confirmada pelo presidente da Câmara, Eduardo Aguiar.
O Memorial Oswaldo Aranha terá dois anos para construir a obra, caso contrário, o terreno voltaria para a prefeitura, conforme Silva. No dia 22 de janeiro de 2012, os representantes da instituição coordenada pela família Aranha assinarão a escritura desse terreno, confirma Zênia Aranha, sobrinha de Oswaldo Aranha. Ainda não se sabe a sequência das ações para a construção. Talvez Pedro Aranha Correa do Lago, ligado ao arquiteto Oscar Niemeyer, defina com o seu escritório quem será o responsável técnico pela obra.
IPE - PORTO ALEGRE
O primeiro grande e não executado projeto de Oscar Niemeyer para Porto Alegre é o edifício da sede do Instituto de Previdência do Estado (IPE), para o terreno na esquina da Avenida Borges de Medeiros com a Rua Andrade Neves, no Centro. O edifício teria 16 andares, distribuídos em quatro pavimentos destinados ao IPE, cinco a escritórios privados e sete a apartamentos.
No térreo, galerias, além da entrada principal e do acesso a uma sala de cinema com 2 mil lugares. No topo, um restaurante e terraço panorâmico.
-A exploração pública da cobertura era uma característica inovadora do empreendimento. O uso misto com escritórios e apartamentos mais térreo comercial seguia o modelo dos edifícios Vera Cruz e Sulacap, vizinhos de esquina do IPE. A outra inovação era estilística, pois Porto Alegre não tinha edifícios alinhados com a arquitetura moderna - ressalta o arquiteto Cláudio Calovi Pereira.
O programa ambicioso previa fachadas explorando o tema dos elementos de proteção solar: a fachada principal, dividida em módulos ocupados alternadamente por grelhas de proteção.
CENTRO AMRIGS - PORTO ALEGRE
O Jornal da Amrigs de maio de 1974 estampava na capa a notícia da chegada do projeto de Oscar Niemeyer para os três primeiros prédios do Centro Amrigs: hotel, centro administrativo, restaurante e auditório de dois mil lugares - apenas este com área de 3,824 mil metros quadrados. Niemeyer argumentou em favor de seu plano propondo, na relação do terreno com as áreas fixadas no programa,"(...) uma solução compacta, preservando essa harmonia entre volumes e espaços livres que constitui a própria arquitetura". Ele encerrou seus argumentos a respeito do projeto que teria marcado Porto Alegre ressaltando o "aspecto correto, quase monumental, que o empreendimento justifica". Era o segundo projeto de Niemeyer para a Capital:
- O edifício posteriormente construído no local pouco lembra a escala e as formas do projeto original. Enquanto o projeto do IPE lembra o jovem Niemeyer lidando com escalas menores e com o tecido da cidade, o projeto da Amrigs mostra o arquiteto na escala de Brasília, tratando com programas amplos distribuídos em grandes terrenos - diz Cláudio Calovi Pereira, arquiteto diplomado pela FAU-UniRitter, mestre em arquitetura pelo Propar-UFRGS e doutor em arquitetura pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT).