Matéria publicada originalmente em 16 de janeiro de 2011
Excêntrico na visão de uns, fascinante aos olhos de muitos. Inteligente e dono de uma memória invejável. O personagem é um apaixonado por literatura francesa, um viajante encantado pela Espanha, um curioso profissional.
É também saudoso dos tempos de professor em uma escola agrícola em Cachoerinha e da pósgraduação que fez na África. Fala francês, italiano, espanhol, latim e, impecavelmente, o português. Recentemente, resolveu estudar o alemão por conta própria.
Ele tem 72 anos, nasceu em Santa Maria e vive em Porto Alegre. Ah, também morou no Senegal, na Espanha, na Itália e na França. É apreciador de óperas - um profundo conhecedor.
Descrito assim em alguma novela ou romance, o autor poderia ser criticado por ter pesado a mão e exagerado no personagem. No Rio Grande do Sul, ele é de verdade e está quase que diariamente na casa dos telespectadores pela TVCOM, onde exibe seu talento nos programas Café TVCOM e Gente.
Talvez exagerado não seja a palavra para definir Tatata Pimentel. Intenso, muito tenso, parece mais adequado. Aqui na coluna, ele foi desafiado a deixar o personagem e ser Roberto Valfredo Bicca Pimentel.
- Vivo num palco - disse.
Mas ele aceitou o convite. Retratado pelo talentoso fotógrafo Eduardo Carneiro, se despiu do seu figurino peculiar e abriu o jogo. O resultado da conversa na sessão de fotos e de uma visita a sua casa você lê nas próximas páginas. Conheça o que Tatata tem a dizer sobre Roberto.
EP - Estou impressionada com sua boa forma física. É fruto de ginástica? Você caminha?
Tatata - Raramente. Quer dizer, caminho. No meu programa, caminho vários quilômetros. Mas saindo na Redenção com o sol na cabeça, nem pensar. Tem que parar, tirar retrato com todo mundo que pede autógrafo. Isso não.
EP - O que as pessoas querem saber de você quando lhe abordam na rua?
Tatata - Dizem: " Te adoro! Não perco teu programa". Ou " Aqueles livros que você falou no Café TVCOM, comprei todos. Te acho maravilhoso". A velharada toda quer casar comigo.
EP - Sério?
Tatata - As de 50, 60, 70, todas querem casar comigo!
EP - Você já foi casado?
Tatata - Nunca, nem com homem, nem com mulher. É que eu não namoro, só transo. Ai, não... ficar dentro de casa com uma pessoa estranha...
EP - Você foi criado pela sua avó carioca?
Tatata - Meu pai é carioca e veio trabalhar na Viação Férrea durante a Guerra e trouxe minha avó e minha tia. Minha mãe era do Alegrete, se formou no magistério e veio lecionar em Santa Maria. Se conheceram e casaram. Minha avó era maravilhosa. Ela assistiu aos últimos momentos da abolição da escravatura na fazenda dela no Paraná. A grande formação, o meu lado internacional, as minhas viagens, tudo veio dela.
EP - Você sempre morou sozinho?
Tatata - Não, morei com minha mãe até ela morrer. Minha mãe morreu bem velha, com 80 e muitíssimos. Hoje mora comigo meu sobrinho neto, que é neto da minha irmã, e tem 26 anos.
EP - Como você se formou intelectualmente?
Tatata - Minhas duas irmãs e eu, nascidos em Santa Maria, moramos lá seis, sete anos, e viemos para Porto Alegre. Sou fruto do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, que fez a minha cabeça a vida inteira. Saí do Júlio direto para a UFRGS, onde fiz Letras neolatinas, Direito e fiz o curso de Artes Dramáticas.
EP - Não acredito!
Tatata - Eu também não acreditava. Hoje vejo que deu tudo certo ( risos). Fui também diretor da Ateliêr Livre, Secretário de Cultura de Porto Alegre.
EP - Comunicação e educação sempre andaram juntas na sua trajetória profissional?
Tatata - Dou aula da mesma maneira que apresento um programa de televisão.
EP - Não é exagero dizer que sua vida é um palco, então?
Tatata - Dizem os meus inimigos, a quem eu agradeço profundamente, que a minha vida é um palco. Tanto que tem gente que me tosa um pouco as asas, senão levanto voo e vou acabar no morro.
EP - Quem está no palco, então, é o personagem que você criou?
Tatata - Não, luto contra o personagem, tenho horror de elogio. Inimigo, se tenho, não conheço, porque eles morrem de medo de mim. Eu destruo inimigo na primeira olhada. Luto para não ser personagem fora da televisão.
EP - Quando o Roberto se tornou o Tatata Pimentel?
Tatata - Um dos objetivos da minha vida era conhecer a Europa e conhecer, principalmente, um país que me fascina até hoje, que todo mundo acha que é França, mas é a Espanha.
EP - A Espanha?
Tatata - Sou fascinado pela Espanha. Entrei para a faculdade porque, naquele tempo, era muito raro ganhar bolsa de estudos. Me inscrevi porque no primeiro ano tinha um convite do Itamaraty para o intercâmbio de estudantes brasileiros para o Senegal na África. Para mim, já era metade do caminhado. Avisei meu pai e fui. Desembarco em Dacar, quando a rainha da Inglaterra saía de lá. Não sei se foi por minha causa ou uma simples coincidência.
EP - Quanto tempo durou sua experiência na África?
Tatata - Dois anos. Estudei linguística, que estava chegando da Europa. Depois fiquei um ano na Europa.
EP - Por que você mete medo nas pessoas?
Tatata - Ah, porque sou muito positivo, incisivo e direto. Tenho muito pouca vergonha na cara. Sei exatamente o que faço, o que quero, com quem eu quero, onde eu quero, aonde eu vou.
EP - Uma das críticas de seus supostos inimigos, como você já comentou, é que você seria uma pessoa arrogante. Então, Tatata, pergunto, você é arrogante?
Tatata - Não. É que realmente sei mais do que o nível das pessoas com que eu ando. Sou extremamente inteligente, que é o que me prejudica. Vejo erro de amigos e digo: " Não é isso, menina, tá errado!". E depois, aos 72 anos de idade, acho que já dá para ser arrogante, porque a gente já viveu muito e aprendeu muito.
EP - O que você não fazia antes e faz agora?
Tatata - Ao contrário, o que eu deixei de fazer... Eu fiz tudo: bebida, dancei para fora. Sabe o que é isso?
EP - O que é " dançar para fora"?
Tatata - É uma coisa ótima. No tempo do programa Porto Visão, do Clóvis Duarte, o Fernando Vieira fazia umas discotecas Porto Visão. Era em toda a Grande Porto Alegre, e eu dançava no palco fazendo Sidney Magal, Ney Matogrosso e, principalmente Village People, com as fantasias originais.
EP - Sério?
Tatata - Tenho até hoje " Macho Macho man..." ( cantarolando). E com esse dinheiro de dançar na discoteca passei milhares de invernos em Paris.
EP- Você parece ser uma pessoa de gostos refinados.
Tatata - Médio, não sou de uma família milionária. Sou extremamente curioso. Até hoje fico enlouquecido quando tem um autor da literatura francesa que eu não conheço.
EP - Quem são suas paixões literárias?
Tatata - Sou apaixonado por Clarice Lispector. Leio constantemente literatura francesa. Leio e releio Proust. Releio, eventualmente, Guimarães Rosa. Leio Fernando Pessoa. E, geralmente, grandes obras leio no original.
EP - Você pensa na morte?
Tatata - Constantemente, amor. Tenho 72 anos, moro sozinho, não tenho doenças. Esses dias fiz um check up e um médico me disse: " Se continuares dessa maneira vais chegar aos 100 anos". Não pretendo, mas em todo o caso... A minha preocupação não é a morte, é quem vai herdar a minha biblioteca. Ele é grande, mas é muito mais pelas obras fundamentais do que pelo tamanho. E quem vai querer os três mil discos que tenho pela casa? O que não queria é que os meus livros fosse distribuídos e vendidos pelos sebos. Quero que as minhas coisas sejam usadas.
EP - Você deu uma entrevista para a Revista Press e declarou que não tinha amigos. Não foi um exagero?
Tatata - Não tenho amigos. É difícil te explicar. Meus amigos são psicologicamente, culturalmente e economicamente muito abaixo de mim. Eles foram atraídos por onde eu circulo, pelos jantares que ofereço, e, aí, começou junto com a amizade uma inveja. Tem um amigo meu, que é a única pessoa com quem eu dialogo por telefone, que vem eventualmente aqui e só pede emprestado DVD de ópera para copiar e ver em casa.
EP - Vou insistir... nenhum amigo?
Tatata - Eu comento no Café TVCOM, não confundam amigo, conhecido, namorado, programa, chefa com amizade. Isso são várias categorias.
EP - Você e a Tânia Carvalho são grandes amigos, amigos da vida toda, não?
Tatata - Eu gosto muito da Tânia. Na primeira edição do Jornal do Almoço, eu estava chegando do Cairo, e a Tânia me convidou para contar como era o Egito e as pirâmides. Eu prezo muito a Tânia.
EP - Como foi administrar as convenções sociais em uma época que, para os padrões locais, você era quase um escândalo?
Tatata - A televisão me deu uma segurança muito grande. Sempre gostei de me vestir diferente do que o terno, a gravata e o sapato preto. Isso me traumatizou, porque eu só podia comprar roupas na loja em que o meu pai comprava. Eu tinha 13 anos e tinha que me vestir como um homem de 40.
EP - Hoje o que mais lhe faz feliz?
Tatata - Trabalhar em televisão, acho um barato. Fico transtornado quando não tem o programa de noite.
EP - O que deixa você triste?
Tatata - Eu sou muito solitário e muito sozinho. É uma faca de dois gumes. Há momentos em que quero conversar, falar e não tenho com quem sair. Então transformei minha vida, em vez de transformar isso em neurose. Fico em casa, que é onde tenho tudo o que quero e preciso. Eu pensava muito em futuro, mas, na minha idade, só pensa daqui a 20 anos um débil mental. Não penso em futuro, só penso no dia de amanhã.