Completam-se nesta quarta-feira exatos 50 anos daquela que permanece a maior conquista do cinema nacional: a Palma de Ouro que consagrou O Pagador de Promessas no Festival de Cannes, em 1962.
Por coincidência ou proposital arranjo dos organizadores, também neste 23 de maio será exibida na mais importante mostra competitiva de filmes do mundo uma produção brasileira que tenta repetir o feito: Na Estrada, de Walter Salles.
Diretor de O Pagador de Promessas, Anselmo Duarte (1920 - 2009) morreu reclamando a conquista histórica nunca foi devidamente valorizada no Brasil. Seu principal alvo eram os realizadores que, na mesma época, despontavam com o cinema novo e se alinhavam aos críticos que avaliavam ser O Pagador de Promessas um filme "à moda antiga", que se contrapunha ao ventos da "modernidade" soprados pela nouvelle vague francesa.
A mitologia que envolve O Pagador de Promessas é temperada por exageros, vaidades, injustiças, doses de imaginação e um tanto de preconceito, com destaca em entrevista a ZH Leonardo Villar, protagonista do filme. Segundo o ator, o preconceito se deu pelo fato de Duarte ser um popular galã de chanchada com pouca experiência na direção.
Com prestígio e recursos, o diretor convenceu o autor da peça, o dramaturgo Dias Gomes, a lhe vender os direitos de adaptação. Artista identificado com o pensamento de esquerda, Gomes contava a história de Zé do Burro, homem simples que cumpre um jornada épica arrastando uma cruz - como a de Jesus - com o fim de pagar uma promessa numa igreja de Salvador. Em seu caminho, ele depara com a intolerância de um padre e oportunistas que querem se aproveitar de seu drama.
Além da força do texto original, Anselmo obteve um excelente desempenho tanto de Villar quanto Glória Menezes, que vive Rosa, mulher do protagonista - ambos eram atores consagrados no teatro estreando no cinema -,e moldou O Pagador de Promessas numa excelência técnica pouco comum no cinema nacional época.
Muito da implicância contra O Pagador das Promessas, é creditada ao fato de ele ter batido, em Cannes, filmes de diretores consagrados e queridos da crítica (veja no destaque) e, no Brasil, a disputa interna para representar o Brasil no festival com Os Cafajestes, de Ruy Guerra, um dos filmes embrionários do cinema novo. Disputada essa encarada como definidora dos rumos que o cinema nacional poderia tomar.
Anselmo cutucava os cinemanovistas dizendo que eles, apesar da badalação nos festivais internacionais, nunca igualaram seu feito. Esse folclore em torno de polêmicas e brigas não deve ser levado ao pé da letra. Glauber Rocha, por exemplo, em sua Revisão Critica do Cinema Brasileiro faz tantos elogios quanto reparos ponderados e pontuais ao filme e ao trabalho de Anselmo.
No campo da crítica, sim, posições mais inflamadas marcaram a recepção do filme. No Rio Grande do Sul, Tuio Becker elogiou "o melhor filme filme nacional de todos os tempos (...). Vibrante, transbordante de humanismo e veracidade, realizado com um noção de estética cinematográfica poucas vezes vista e um elenco de méritos excepcionais". Em São Paulo, entre os que não gostaram estava Jean-Claude Bernardet, que em um longo ensaio identificou que ao,contrário do que parece, o filme "faz uma exaltação à igreja", "ficou preso ao estilo teatral", "sofre de academicismo" e mostra "falta de febrilidade, resultando num "filme artesanal bem feito, não chegando a ser expressão de artista".
A conquista da Palma de Ouro teve como complemento consagrador a indicação, em 1963, ao Oscar de filme estrangeiro, no qual o vitorioso foi o longa francês Sempre aos Domingos, de Serge Bourguignon. A quem quiser rever ou conhecer esse clássico, o Canal Brasil, programou uma exibição de O Pagador das Promessas para as 22h desta quarta-feira.
Veja o trailer de O Pagador de Promessas