O navio encalhado na Itália me lembrou de outra sexta-feira 13, de ano bissexto mo longínquo. Ano de 1976, quando fizemos uma excursão ao Chile e Argentina, de ônibus. Fomos meus pais, meu irmão, um amigo dele e um casal de amigos. A viagem iniciou na noite de uma sexta-feira, treze de fevereiro, de 1976. E de ano Bissexto!
Assim, saímos de Porto Alegre em um ônibus com 40 passageiros. Ao clarear do dia passamos por Uruguaiana e entramos na Argentina. Passamos pelo túnel que passa sob o rio da Prata. Antes de chegarmos a Córdoba, começou a onda de azar. Na hora mais quente do dia, antes do almoço, vi pela janela do ônibus, voar um pedaço de pneu. Era do nosso ônibus! Por causa disso, ficamos horas na estrada até conseguirmos carona em outro ônibus para a cidade mais próxima, e buscar conserto para o pneu.
Após procurarmos em vários restaurantes, um se dignou a nos preparar pojo com papas fritas, às 17 horas da tarde, para 40 pessoas. Isso foi sorte. Em Córdoba ficamos três dias, e até correu bem, se não falarmos nas barricadas dos quartéis e o toque de recolher às 22 horas. O clima político estava tenso. Também era proibido andar mais que duas pessoas juntas. (um mês depois a presidente era deposta).
Em Mendoza, para onde fomos a seguir, na primeira noite enquanto nos arrumávamos para o jantar todos sentiram uma tontura. Era um pequeno terremoto, comum na região, mas que nos assustou bastante. Após três dias de festas, passeios e compras, já que em Mendoza o clima político estava mais calmo, partimos para o Chile.
A viagem foi deslumbrante, paisagens coloridas e maravilhosas da Cordilheira dos Andes se descortinavam para nós o dia todo. Recomendo a viagem via terrestre. Vale à pena pela beleza. Apesar do verão, a temperatura começou a baixar. As neves eternas estavam próximas e foram fotografadas a mil por todos.
Ao chegarmos na fronteira o túnel antigo estava fechado e tivemos que subir a Cordilheira de ônibus. Estávamos a mais de três mil metros de altitude. A estrada era muito íngreme e com curvas fechadas e o nosso ônibus era comprido e com a carroceria baixa, ao contrário das conduções locais.
Numa das curvas, ao manobrar, a traseira do ônibus enterrou no solo, e ao forçar quebrou o cardin. Aí ficamos sabendo que cardin não é uma peça sobressalente, que os motoristas carregam. Estávamos bem no meio da fronteira, no deserto a centenas de quilômetros de Mendoza e de Santiago. Descemos a Cordilheira a pé até Lãs Cuevas, aduana argentina que possuía na ocasião oito habitantes e, portanto sem estrutura para alojar tanta gente.
Muitas pessoas tiveram que ser atendidas no ambulatório, devido ao ar rarefeito naquela altitude. Como minha amiga torceu o pé nas pedras do deserto, fomos as últimas a chegar, às 21 horas, quando estava anoitecendo. Meu pai nos esperava com um sanduíche e um conhaque. Ele guardava para nós, porque o estoque de sanduíches e outros alimentos terminaram e o frio estava aumentando.
Sorte que os preços estavam bons em Mendoza e muitos de nós compramos roupas quentes para usar no inverno gaúcho. Tivemos que antecipar o uso. Passamos a noite sentados em cadeiras de madeira, bancos e até no chão, em uma peça pequena,
Para piorar a situação, às 2 horas da madrugada o motor da luz foi desligado, nos deixando na escuridão total e um argentino "bonzinho" acendeu a lareira queimando o pouco oxigênio que havia na pequena sala onde estávamos amontoados. Não dava para sair, porque além do frio de 7 graus, soltaram cachorros ferozes, que guardavam a aduana à noite. Foi uma noite terrível, pensando como sairíamos dali.
O cardin, só buscando em Mendoza, e o trem só passava lá duas vezes por semana e tinha passado no dia anterior. Sentimos-nos os Perdidos nos Andes. Pouco tempo atrás acontecera o acidente aéreo dos jogadores uruguaios que caíram nos Andes, que até hoje é comentada por documentários e filmes.
Pela manhã nosso amigo tomou a iniciativa de telefonar para Santiago e providenciou táxis para nos levar ao Chile. Seis enormes carros nos levaram a mais de 100 quilômetros por hora, descendo por Los Caracoles, curvas da Cordilheira que descia mil metros em pequeno espaço. Foi uma viagem estressante.
Valeu pela belíssima paisagem, agora mais colorida ainda. Almoçamos no caminho, já no Chile, até que conseguimos chegar à capital chilena pela tarde. Pena que ficamos pouco tempo lá, porque tivemos um dia perdido nos Andes. Finalmente, após 20 dias de viagem, conhecendo Viña del Mar, Valparaíso e Buenos Aires, onde nada de ruim aconteceu, voltamos ao Brasil via Rivera, Uruguai. Hoje, temos o que contar, mas na hora foi uma aventura assustadora.
* Engenheira agrônoma de Taquari
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