Fenômeno da cultura pop, a adaptação de Tim Burton para o clássico Alice no País das Maravilhas inspirou a reedição de velhos livros, novas publicações, produtos licenciados e até a publicidade alheia. Sua estreia internacional, em março, veio acompanhada de números grandiosos: mais de US$ 200 milhões arrecadados em três dias de exibição - em quantidade reduzida de praças, se comparado a outros blockbusters, como Avatar. O fato de o boca a boca não ter funcionado, fazendo com que a bilheteria do filme só crescesse substancialmente com a estreia em novos países, indica que a expectativa pode ter gerado, no mínimo, alguma dose de frustração.
Alice chega aos cinemas brasileiros em sessões a partir da meia-noite de hoje para amanhã, em cópias dubladas, legendadas, em 3D e no formato convencional. O que o espectador do país terá a oportunidade de conferir é uma produção marcada por contrastes - inventivo em seu imaginário visual, limitado em sua dramaturgia; deslumbrante do ponto de vista plástico, porém, decepcionante como projeto estético, ou artístico.
O visionário Burton, responsável por títulos como Edward Mãos de Tesoura (1990) e A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005), mexeu sensivelmente na história original de Lewis Carroll. Não se inspirou somente em Alice no País das Maravilhas, publicado em 1865, mas também em Alice Através do Espelho, de 1871, que narra uma segunda jornada fantástica da protagonista.
No filme, Alice (Mia Wa­si­kowska) tem 19 anos, e não 10, como no original. É incitada pelo coelho branco (voz de Michael Sheen) a mergulhar nos subterrâneos representativos de seus sonhos quando se vê em crise por não aceitar um casamento arranjado com um jovem lorde da Era Vitoriana. Não é mais a criança cuja presença fez suscitar suspeitas de pedofilia da parte do autor, e sim uma garota que se recusa a seguir certas tradições e reivindica a própria liberdade de escolha na sociedade britânica do século 19 - o que dá um indício de como a coragem e a falta dela andam juntas no filme.
Ela não lembra bem, mas já esteve no underground anteriormente, garantem o Chapeleiro Maluco (John­ny Depp), visto originalmente em País das Maravilhas, e os gêmeos Tweedledee e Tweedledum (Matt Lucas), presentes em Através do Espelho. Além deles, a galeria de personagens que a recebe é formada tanto por figuras concebidas diretamente no computador (Gato Risonho) quanto por gente de verdade, como as rainhas Branca (Anne Hathaway) e Vermelha (Helena Bonham Carter). Neste último caso, no entanto, de aparência completamente retrabalhada no processo de pós-produção, de modo que seus traços misturem características naturais e aspectos surreais.
A cabeça gigante da rainha Vermelha e os olhos esbugalhados do chapeleiro têm funções dramáticas e só fazem a presença de ambos em cena - o melhor de Alice - crescer. Pela sétima vez atuando num filme de Burton, Depp volta a fazer as vezes de alter ego do autor, incorporando novamente de maneira criativa a sensação de desajuste social de seu personagem. Mas a criatividade tem limite: lá pelas tantas Alice se transforma numa justiceira do mundo subterrâneo, espécie de salvadora de um povo oprimido por uma líder má (Vermelha) e ansioso pelo retorno da monarca boa (Branca), e a trama passa a andar por caminhos óbvios - a própria presença das duas, simplificando o universo vislumbrado por Carroll em conceitos rasos como vilã e mocinha, só teria chance de fazer sentido em histórias mais infantis ou menos imaginativas.
A grande batalha final acaba sendo um desfecho adequado diante do achatamento que se viu ao longo de todo o filme, mas muito aquém do que o barulho em torno do projeto fazia prever.
Adaptação do livro Alice no País das Maravilhas, filme encanta pelo visual
Mais de US$ 200 milhões foram arrecadados nos três primeiros dias de exibição nos EUA
Daniel Feix
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