Natural de Caxias do Sul, na Serra, Dody Sirena é um dos personagens mais importantes da indústria do entretenimento brasileiro. Junto ao parceiro Marcantonio Chies, o "Cicão", montou a DC Set e trouxe nomes para o Brasil como Michael Jackson, Luciano Pavarotti, Van Halen, Guns N’ Roses, U2 e muito mais. Atacou em várias frentes. Por três décadas, foi o empresário de Roberto Carlos. Agora, aos 63 anos, sua trajetória é contada na biografia Dody Sirena – Os Bastidores do Show Business, de Léa Penteado (Editora Matrix, 272 páginas).
Em entrevista a Zero Hora, ele falou sobre sua trajetória, novos projetos e compartilhou visões sobre Porto Alegre.
Como surgiu o projeto da biografia?
Durante muito tempo eu vinha sendo provocado pelas editoras para lançar um livro, mas sempre evitei. Não sentia interesse em autopromoção, sempre tive muita tranquilidade e consciência de como administrar a vaidade. Este ramo é bastante delicado, trabalhamos com celebridades e facilidades em ter acesso à mídia. Na pandemia, a Léa me trouxe a ideia de ela escrever o livro na terceira pessoa, o que me entusiasmou. Ela conseguiu a façanha de entrevistar 65 pessoas, entre profissionais do meio e artistas. Isso me fez acreditar que esse livro poderia inspirar e ajudar muitas pessoas.
O livro menciona os incêndios que você e sua família enfrentaram no passado, um em 1969 e outro em 1977. Na segunda vez, tu soubeste da ocorrência ao voltar de viagem à praia. Diz o trecho que você “passou a noite sentado dentro de uma igreja, querendo entender por que coisas ruins aconteciam com pessoas boas”. O texto ressalta que, nessa inquietação, começou a ser forjado o homem que se tornou. De que maneira essa experiência te moldou?
No meu inconsciente, prometi que jamais deixaria faltar alguma coisa para a minha família. Faria de tudo para dar conforto e tranquilidade. Após o incêndio, a gente não tinha amparo de seguro nem nada. Tivemos que recomeçar do zero. Como não tinha para onde ir, fiquei dois dias circulando pela cidade. Fui acolhido na casa de um amigo. Meus pais moraram por um tempo numa lojinha que não tinha nem chuveiro. Entrava nas igrejas e questionava, mas era um questionamento positivo. Olhava as pessoas caminhando na rua, por que da alegria, por que da tristeza, me impactava. Qual era a razão da vida? A essência do porquê das coisas. Mais tarde eu vim a identificar (essas inquietações) em um livro chamado Quando Coisas Ruins Acontecem com Pessoas Boas (Harold S. Kushner). Essa tragédia recente no Rio Grande do Sul me chocou muito. Guardadas as proporções, no meu íntimo, eu me identifico. É um paralelo que traço, foi o que senti de uma certa forma: sem ter para onde ir, a falta de dinheiro.
Em seguida, você e Cicão começaram a estourar com a Skema Som. O livro cita que vocês trabalhavam com formatos que depois iriam se estabelecer no cenário. Por exemplo, contavam com uma rede de seguidores, que nos dias de hoje seriam considerados "influencers", contratavam locutores de rádios FMs, entre outras iniciativas. O que você mais gosta de lembrar desse período?
Olhando agora para trás, vejo que nós tomávamos decisões inconscientemente conscientes. Por exemplo, mesmo precisando de dinheiro, tínhamos consciência de que uma festa não poderia ser anunciada toda hora. Recebíamos propostas de clubes, mas recusávamos: “Não, só daqui a seis meses”. Tínhamos esse cuidado de marketing para não banalizar. Com a entrada das rádios FMs, passamos a criar festas com os comunicadores, que era um desejo das pessoas saberem quem eram, quem eram as vozes. A grande sensação do Brasil era o show ao vivo com bandas, mas nós começamos com a música mecânica. Tínhamos uma festa chamada Magnavox, que trazia tudo que tinha de tecnologia da época. Era bolha de sabão, fumaça e uma câmera que filmava as pessoas. Tanto que um de nossos anúncios era “venha 'becado' que você poderá ser filmado”. Tudo era novidade, as pessoas ficavam impressionadas. Conseguíamos administrar o marketing, a construção de marca e como despertar o desejo. E assim a gente cresceu.
Logo depois da consolidação da Skema Som, você chegou a fechar para trazer o Queen a Porto Alegre, na turnê de 1981, o que acabou não acontecendo. Mesmo assim, foi um movimento bem ousado para um jovem produtor na faixa dos 20 anos. Como foi isso?
Hoje olhando para trás eu fico impressionado. Perto do meu escritório com Cicão, havia uma banca de jornal, que recebia jornais do centro do país. Estávamos trabalhando com as festas no Estado, mas já tinha o olhar para o Brasil, o que estava dando certo ou não. Estava tentando entrar na área de shows. Vi a notícia de que havia a possibilidade de um empresário do Queen incluir o Brasil na turnê. Eu não falava inglês e só tinha experiência com espanhol de viagem para a fronteira. Não tinha certeza se o Jose Rota (empresário argentino da turnê) falava mesmo espanhol. Fiquei ligando para todos os hotéis do Rio tentando achar o empresário, até que uma telefonista confirma que ele está hospedado no Hotel Sheraton. Era diferente na época, hoje é mais difícil alguém passar uma ligação assim. Ele me atendeu e aí foi. Ele devia ter uns 70 anos, e eu com uns 20. Em uma semana ele estava em Porto Alegre. Para a chegada dele à cidade, tivemos que nos preparar. Não tínhamos carro. Como impressionamos o camarada? A gente alugou um Dodge Dart e o levamos ao Plaza São Rafael. Tudo fazendo conta. Não tínhamos dinheiro, imagina contratar o Queen. Hoje entendo: ele já tinha fechado Buenos Aires, estava negociando Rio e São Paulo, os caminhões iam passar por POA, então era uma excelente oportunidade. Acho que ele se impressionou mais com a logística. Conseguimos fechar, o mais difícil. Como íamos pagar, confesso…
Lembro que quando comecei a atuar na área, no início dos anos 1980, escutei de alguns agentes que Buenos Aires era a nossa capital, imagina
DODY SIRENA
Empresário
O que deu errado?
Com essa idade, a gente sonha alto, faz loucuras. Imaginava buscar sócios. Anunciamos a venda de ingressos. Aí o presidente do Inter, José Asmuz, voltou atrás e cancelou tudo. Depois, o Grêmio nem pensar (em aceitar). Naquela época, fazer show em estádio era uma ofensa para os clubes. Ficou meu orgulho de ter feito esse movimento todo. Não sei também se não foi para o meu bem, porque não sei se estava preparado com estrutura. Nunca tinha feito um grande show. Acredito que nada é por acaso.
Poucos tempo depois, você e Cicão consolidaram a DC Set como uma das produtoras mais importantes do Brasil no setor de shows ao vivo. Já naqueles primeiros anos em que vocês trabalharam com atrações internacionais do porte de Van Halen, Rod Stewart, Guns N’ Roses, entre outros. No começo, como era a visão de artistas e empresários sobre o país?
Nenhum artista tinha interesse em circular na América do Sul. Outros que vieram antes, como Alice Cooper, tiveram problemas como os equipamentos não voltaram. Os poucos artistas que vieram antes tiveram uma imagem horrível de produção e tratamento. Era um ceticismo total. Lembro que quando comecei a atuar na área, no início dos anos 1980, escutei de alguns agentes que Buenos Aires era a nossa capital, imagina. Quando trouxemos, em 1983, Sammy Davis Jr. para a festa de 25 anos da RBS. Quando chegou ao Brasil, ele imaginava que aqui seria só selva, então ele trouxe toda a comida enlatada, até água trouxe. Nem sei como isso entrou no Brasil. Eram três shows, Rio, São Paulo e Porto Alegre. Só que em POA ele foi duas noites seguidas à Churrascaria Barranco. Teve uma noite que ele saiu de lá e levou carne para o hotel. Enfim, a imagem do Brasil para os gringos era isso. Claro, o Rock in Rio foi um divisor de águas. Mas nós da DC Set sentimos orgulho por nossa contribuição nos anos 1980. Diria que 90% dos shows internacionais que vinham para a América do Sul eram conosco. Especialmente pegando carona na Mama Concerts (produtora americana), nos beneficiamos com uma boa relação com eles. Nos anos 1980 vieram nomes como Rod Stewart, Metallica e Iron Maiden. Foi uma avalanche. O Brasil passou a ter opções, empresas de estrutura do show business, som luz, e nos tornamos uma realidade com essa sequência de grandes shows.
Em 1993, a vinda de Michael Jackson ao Brasil representou também uma mudança de paradigma para o setor. O livro descreve a megaoperação que vocês lidaram: 60 carretas, 20 caminhões e duas aeronaves Antonov. Mas como foi lidar com Michael? Quais foram as dificuldades?
Profissionalismo absoluto. Os problemas que a gente teve foram de ordem natural. Ele nos pediu para ir a um parque de diversão. Então, fechamos o Playcenter, em São Paulo. Michael também queria ir a uma fábrica de brinquedos, então fechamos a fábrica da Estrela. Só que a região toda ficou sabendo. Na saída, o carro acertou um adolescente…
E Michael foi visitar o jovem no hospital.
Foi uma decisão bem legal dele. A nossa produção nem participou. Michael fez diretamente com sua equipe. Ele queria ir sigilosamente, mas acabou vazando. Só que entre os shows de Argentina e Brasil, começaram a circular as notícias sobre assédio e tudo que ele teve que enfrentar. Lidamos com a imprensa mundial com olhos nele. Ele fez os dois shows no Morumbi e voltou para Los Angeles. Foi uma operação complexa, mas dentro do que a gente havia se programado.
Logo depois desse show do Michael, você começaria seu trabalho com Roberto Carlos. Que tipo de mudança ou contribuição tu avalias ter trazido à carreira dele?
Roberto tem 60 anos de carreira, e eu participei da metade. Essa relação maravilhosa e profissional me permitiu fazer coisas que, acredito, tenha potencializado a carreira dele. Antes mesmo do Roberto, eu fazia questão de entender os bastidores dos artistas: o que dava certo? Qual foi a estratégia? Como foi construído o repertório daquele disco? Com isso, aprendi muito. Então, coloquei em prática. No primeiro ano, interrompi a relação dele com a gravadora. Ele passou a ser dono de seu próprio material. O que hoje é normal, os artistas serem proprietários de seu próprio material, e a gravadora distribui. Naquele período, os artistas eram contratados e ganhavam royalties de 12 a 22%, no máximo, na venda de discos. Vendo como funcionava lá fora, na época fui declarado pela Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD) como inimigo da indústria. Tirei o maior artista do Brasil da relação convencional e montei para ele uma gravadora, Amigo Records. Em vez de Roberto ser contratado, ele contrata uma gravadora para fazer o trabalho. Ele fica com mais de 50%, sendo proprietário de tudo. Hoje o Roberto tem um patrimônio de catálogo de tudo que ele gravou de 1993 até hoje. Os números mostram minha contribuição de certa forma. Quando comecei ele tinha 70 milhões de discos (vendidos). Quando terminamos, tinha 150 milhões. Realizei 1,4 mil shows nesse período. Mais de 12 milhões de pessoas em mais de 30 países. Acredito que me permitiu trabalhar com coisas que poderiam ser um risco para o Roberto. Por exemplo, o navio (cruzeiro com show do cantor).
Que hoje é uma tendência no mainstream brasileiro. Nomes como Wesley Safadão, Alexandre Pires, Ludmilla e Roupa Nova já aderiram ao cruzeiro.
E tu vê que isso é só no Brasil. Nós deixamos um legado, um novo segmento de atividade, que lá no passado era visto como final de carreira para os artistas. Roberto não tinha por que correr riscos. Não era questão de fazer sucesso ou não, mas como as pessoas poderiam interpretar, já que tinha esse estigma que era algo de final de linha. Ele topou. O nosso desafio era passar uma imagem de que Roberto fretou um transatlântico para levar os fãs dele, para viver sob o mesmo teto durante quatro noites. Apenas um exemplo da confiança que conquistamos um do outro.
O livro relata o episódio da história da morte da Lady Laura, mãe do cantor. Você esperou o show ser realizado para depois contá-lo da notícia triste. No fim, ele te agradeceu por não ter falado antes.
Ali eu pensei que ia terminar a relação. Tomei essa decisão consciente, achei que era o certo. Fui contestado pelas poucas pessoas com quem dividi essa notícia, mas mantive. Fui surpreendido com o abraço dele, me elogiando pelo fato de ter tomado essa decisão.
Entendo que o Roberto, de certa forma, ficou incomodado de não me ter mais exclusivamente
DODY SIRENA
Empresário
Como foi o encerramento de sua relação profissional com Roberto? O que motivou esse fim?
A pandemia foi impactante para toda a humanidade. Não foi diferente para o Roberto. Todo aquele cuidado higiênico ele já tinha desde criança, exceto usar máscara. A pandemia potencializou esse controle. Se falava de novo normal, de que não haveria mais shows, tudo seria lives. A DC Set tinha cinco empresas antes da pandemia, hoje tem 28. Crescemos muito na pandemia. Apostamos na avalanche da volta. Nós nos comprometemos com mais de R$ 1 bilhão com concessões públicas pelo Brasil. Durante a pandemia, disputamos e vencemos a concessão pública do Parque Villa-Lobos, em São Paulo. Ganhamos a concessão do zoológico de São Paulo e mais seis parques. Entramos no Cais Embarcadero em Porto Alegre. Também fiz reflexão sobre quais eram meus objetivos. Percebi que a minha contribuição com Roberto, que vinha num ritmo muito acelerado, já não estava mais em sintonia do ritmo que ele queria. Entendo que o Roberto, de certa forma, ficou incomodado de não me ter mais exclusivamente. Somos parceiros, terminamos amigavelmente. Logicamente, sempre há a necessidade de acertos e ajustes financeiros, como em um divórcio. Neste caso, de um empregado e empregador. Teve assuntos que foram discutidos, mas preferi deixar a conversa com pessoal administrativo e jurídico. Ainda está havendo ajustes. Fiz questão de fazer uma auditoria para a gente deixar uma prestação de contas dos meus 30 anos num olhar externo de uma auditoria de tudo.
Agora, no que está focando com a DC Set?
DC Set foi reestruturada. Trouxemos uma turma nova. Nosso CEO é um jovem de 39 anos, Rodrigo Mathias. A previsão é de crescermos ainda mais. Temos 28 operações, atuamos com uma estrutura de holding, com sete verticais, todas voltadas ao entretenimento. Cada operação tem um sócio-gestor. Fomos criando essas verticais, e DC Set ficando como holding, para termos na visão de estrutura societária uma independência de fazer com cada empresa a atividade que você queira. Hoje, estou muito feliz não só por ter dado certo essa reestruturação da empresa, mas também por deixar algo mais na indústria. Tudo que estamos nos propondo hoje estamos contribuindo muito. Entramos no segmento de turismo, estamos levando o Clube Med para Gramado. Compramos uma área de mais de 200 hectares e vamos transformá-la no maior complexo de entretenimento da América do Sul. Teremos a mais conceituada e prestigiada pista de ski outdoor do mundo. Uma tecnologia nova, que hoje só tem uma pista na China.
E você?
Estou programando voltar ao management. Antes da pandemia, fui convidado a assumir a presidência de uma gravadora multinacional. Declinei por conflitos de interesses. Quem me convidou, lá dos EUA, entendeu que sou uma pessoa preparada para o outro lado. Há o lado da gravadora e do management. Acho que poucos no Brasil têm esse know-how para trabalhar nos dois lados. Diante dessa consciência, de me sentir transitando pelas duas áreas, vou anunciar no segundo semestre a minha volta ao management. Será aberta mais uma área dentro da DC Set que vai se dedicar ao management, trabalhando com até quatro artistas, que imagino que daqui um ano possam estar num patamar maior do que estão. Pretendo fazer uma trajetória como foi com o Roberto, que já era grande e acho que consegui potencializar. E também será possível uma relação de comanagement, que é artista que já tem seu empresário e faz uma sociedade conosco. Quero como um desafio pessoal e contribuição para o mercado. Ainda, a partir do ano que vem, pretendo criar uma gravadora.
Por que abrir uma gravadora?
Independente do management, quero dar oportunidade dentro do nosso conhecimento. Com nossa presença no mercado, temos condições de dar muita visibilidade aos novos artistas. Quero ter uma gravadora não para empresariar o artista que vou lançar, mas para sim lançar novos nomes, potencializar aqueles que estão no mercado. Quero trazer uma visão diferente. As gravadoras hoje no Brasil, com raras exceções, têm uma estrutura toda pronta para trabalhar a música e não o artista. A música estoura, o artista cola o nome, mas a música tem um tempo de vida. Na época da mídia física eram três ou quatro meses, com algumas exceções. Hoje o tempo de vida de uma música é de um mês. Pela necessidade de mercado, as gravadoras não trabalham qualidade, mas quantidade. Até porque não tem mais aquele investimento de estúdio, de gravar o disco, de correr o risco, prensar industrial. Hoje qualquer um faz música em casa. São 120 mil músicas por dia que sobem no Spotify no mundo, imagina. Quero me propor a ter uma gravadora que vai trabalhar o artista, seja o novo ou que já está na estrada, de uma maneira diferente. Somado ao trabalho da gravadora, ela vai se ancorar na vitrine que a DC Set proporciona para suas 28 operações. Estou muito otimista com essa nova frente em que vou me envolver diretamente.
Falando sobre o setor de eventos, nos últimos meses, tivemos as turnês da Ivete Sangalo e da Ludmilla canceladas. Ainda, aponta-se para o alto valor de ingressos e o excesso de festivais parecidos entre si, repetindo atrações. Tem se comentado que “a bolha de shows no Brasil estourou”. Tu concordas com essa afirmação?
Pelo contrário, estamos vivendo um momento espetacular. Se for olhar os anos 1980, a inflação chegava a 2.000% por ano. Não tinha venda de ingresso antecipada, não tinha patrocínio. Cartão de crédito e cheque eram ofensas. Lógico que a avalanche de shows faz com que haja um processo seletivo. Isso acontece no mundo inteiro. Mas os bons ficaram. Ivete e Ludmilla são cantoras consagradas. Acredito que ali houve uma sucessão de erros de todos os lados. Não só no Brasil, mas no mundo, os promotores têm um sério problema de vaidade. O promotor de shows precisa ter três habilidades únicas: dimensionar o preço do ingresso, a capacidade do local e a boa divulgação. O resto é por conta dos artistas. O que entendo dos cancelamentos é que uma das três coisas não funcionou. Não adianta eu trazer os Rolling Stones para o Brasil e querer fazer no Gigantinho. A conta não vai fechar, tem que ser no estádio. Não adianta eu querer levar um artista sem expressão, pagar um valor alto, que o Gigantinho não vai cobrir a conta. Agora, há os problemas de economia, como a alta do dólar, mas nunca estivemos em uma situação tão favorável. Muito melhor do que era nos anos 1980 e 90. Hoje tu traz um grande show e vende todos os ingressos em poucas horas. O promotor não põe a mão no bolso para nada. Vende o ingresso, entra o dinheiro, tem toda a proteção do dinheiro em caixa para fazer frente aos seus investimentos. Já existe a cultura de comprar ingresso antecipado. Principalmente, no Brasil, o mercado publicitário entende que há uma visibilidade muito grande neste segmento. O Brasil tem este prestígio e privilégio que muitos lugares no mundo não têm. No país, há 30 milhões de pessoas com poder aquisitivo, que não tem problema em pegar um avião para assistir a um show. É duas vezes a Holanda.
Porto Alegre está perdendo espaço para Curitiba. E também agora para Florianópolis
DODY SIRENA
Empresário
Como Porto Alegre estava posicionada nesse cenário de megashows no Brasil antes da enchente?
Perdendo muito espaço. Independentemente das empresas promotoras, Porto Alegre tem o benefício geográfico de ficar entre Buenos Aires e São Paulo. Qualquer turnê internacional sempre vai programar Argentina e Brasil. POA está perdendo espaço para Curitiba. E também agora para Florianópolis. Apesar de ter dois estádios, há problemas de conflito de calendário futebolístico e datas de show. Lá em Curitiba tem a Pedreira Paulo Leminski, que independe do futebol, e muitos shows vão para lá. Saindo dos estádios, a situação se agrava. Porto Alegre não tem um local de shows (médios). Gigantinho é uma situação delicada. Nós da DC Set estávamos com projetos, havia a negociação com o Gigantinho. Foi até anunciado o acordo, trocou a diretoria e voltou à estaca zero. É uma cidade potencial, de poder aquisitivo, os shows sempre corresponderam. Ao mesmo tempo, por que a iniciativa privada não investe em Porto Alegre na construção de uma arena ou local? Por que o poder público não investe num local, sabendo que os shows geram um grande impacto na economia local? Por que o poder público não se mobiliza como em outras capitais, que têm locais apropriados para shows? Temos o projeto de fazer uma casa de shows para POA muito em breve. Já estava em andamento, daí veio a pandemia, agora vamos retomar nos próximos meses essa viabilidade de fazer isso.
Como seria essa casa de shows?
Em um primeiro momento, seria uma casa com capacidade de três mil pessoas sentadas e oito mil em pé. Mas é algo ainda em planejamento. Mas seria para anunciar muito em breve, estamos bem adiantados com isso. Enquanto temos estudado de como fazer uma Arena.
Uma arena em POA?
O custo do tijolo e cimento é o mesmo em POA e São Paulo. O potencial de POA é limitado, com uma população que provoca a fazer contas de demanda de cada show. São Paulo poderia, por exemplo, ter 10 arenas lá. Por que você vai fazer um investimento em uma cidade com dois milhões de habitantes se pode fazer em um bairro em São Paulo e ter o mesmo potencial? Por isso estamos fazendo contas para que o retorno do investimento seja viável com as premissas de mercado financeiro. Que o retorno do investimento ocorra entre cinco e sete anos. Uma grande arena somente com investimento privado, só se tiver um naming rights, um patrocínio, para poder fechar a conta. Como logística, é mais econômico ir a Ribeirão Preto do que a Porto Alegre, já São Paulo é a base de qualquer investimento, seja de shows nacionais ou internacionais. Campinas tem mais potencial que POA. A capital gaúcha se beneficia na posição geográfica, na passagem (entre Rio-São Paulo e Buenos Aires), caso contrário não estaria no circuito de grandes shows. POA tem dois concorrentes hoje: Florianópolis e Curitiba, que oferecem melhores condições de trabalho, inclusive os impostos.
O que pode ser feito para que seja recuperada a confiança do setor de eventos na capital gaúcha?
Diante desse impacto que se teve com a enchente, acho que o poder público tinha que incluir em seu planejamento como viabilizar locais para que a iniciativa privada invista em POA. Seja numa parceria público-privada, seja no plano de investimentos do Estado. POA não tem muito o que oferecer como atrativo turístico, não temos praia. Devíamos ser uma cidade voltada ao corporativo. Como Porto Alegre não tem um centro de convenções espetacular? Não está nem no radar de investimento. Nós como DC Set somos gaúchos e pretendemos nos próximos meses chegar a uma conclusão. Temos uma vantagem de termos tantas frentes de negócio que nos permite estarmos diariamente em contato com todos os principais anunciantes. Com isso, a gente pode fazer alguma combinação de jogo de interesse. Quer estar em São Paulo, no Villa-Lobos? Quer fazer um grande show? Vamos fazer uma negociação casada. Fazer pacote, pois só Porto Alegre é limitar os interesses e as verbas publicitárias. Quando se olha para o sul do Brasil, você tem um investimento proporcional ao que o mercado proporciona.
Como está a situação do Cais Embarcadero?
DCSet & Tornak mantém a firme disposição de reinvestir na retomada e construção de toda estrutura que foi fortemente danificada e muitas áreas destruídas. Este alto investimento, junto com os também altos investimento dos operadores para reconstruir e reequipar suas cozinhas, decoração, mobília etc., exige prazo para recuperação do valor investido. O governo estadual está de pleno acordo e muito entusiasmado com o sucesso que Embarcadero conquistou junto aos gaúchos, que se tornou referência de turismo, entretenimento e ponto de encontro da cidade. O governador Eduardo Leite junto com os secretários Pedro Capeluppi (Parcerias e Concessões) e Ernani Polo (Desenvolvimento Econômico), apesar de todos os esforços de tentativas isoladas, nos informam que precisam esperar uma solução jurídica da Procuradoria-Geral do Estado do RS. Temos um prazo para esperar, e o governo está vendo como nos garantir prazo mínimo que permita e justifique tamanho investimento.