Uma paixão paraguaia que também conquistou o Rio Grande do Sul. Derivada da cúmbia, a katchaka se tornou o carro-chefe do Corpo e Alma, um dos principais grupos da atualidade no segmento bailão. E tem até um rei gaúcho. Agora, quem sabe, ensaia conquistar o resto do país.
Embora no Brasil tenha se convencionado escrever "katchaka", a grafia mais conhecida no Paraguai é "cachaca" — uma feminização da palavra "cachaco", forma para designar pessoas nascidas em Bogotá. Surgido por volta dos anos 1970, o ritmo tem como origem a cúmbia colombiana e a cúmbia sonidera (de origem mexicana), caracterizado por reiteração rítmica sem variações e por uma linguagem cotidiana.
Presente em bailes nas regiões de Estados que fazem fronteira com o Paraguai, o ritmo se notabilizou no Rio Grande do Sul graças ao cantor e compositor Vanderlei Rodrigo, intitulado "rei da katchaka". Natural de Três Passos (RS), noroeste do Estado, hoje ele vive em Porto União (SC).
Aos 62 anos, Vanderlei conserva um visual à la Elvis Presley — penteado com costeletas e vestindo ternos e coletes coloridos —, que considera ter a voz mais bonita que já ouviu. Entre os anos 1980 e 1990, o cantor passou por diferentes bandas de bailão, incluindo México Show, Nova Era e Terceira Dimensão.
Um dia, em visita ao Paraguai, um fazendeiro perguntou o que ele tinha achado da katchaka. Vanderlei, que ouvia aquele ritmo sempre que passava pelas lojas e achava esquisito, admitiu que não gostava. O amigo retrucou que o brasileiro não havia sido apresentado ao estilo adequadamente.
— Ele me levou ao carro e colocou katchaka para rodar no toca-fitas. Pensei: sabe que o cara tem razão? — recorda. — À noite, fui fazer um show por lá e o DJ colocou katchaka para tocar em um intervalo. E aquele povo cantou tudo, era uma loucura! Me apaixonei. Falei naquela mesma noite: "Nunca mais vou abandonar a katchaka".
Nos anos 1990, Vanderlei chegou a lançar um disco solo interpretando katchaka, com faixas em espanhol e português. Porém, a consolidação com o ritmo foi quando passou a integrar o Corpo e Alma, contabilizando quatro álbuns lançados entre 1997 e 2002.
Construção do reinado
A Corpo e Alma foi criada em Três de Maio, noroeste do Estado, em 1971. Ao longo das décadas, o grupo passaria por diferentes formações e tendências musicais, mas se solidificando no segmento do bailão. Quando Vanderlei entrou na banda, propôs que trabalhassem com a katchaka.
Deu certo. Adaptando e traduzindo sucessos de vertentes da cúmbia, o grupo lançou hits como Aquela dos Olhos Negros, Alô Meu Amor, Katchakeira e Mentirosa, entre outros.
Vanderlei sairia da banda para seguir carreira solo como cantor e compositor — ele assina canções como Bar da Esquina (Banda Passarela) e Mulher Chorona (Teodoro & Sampaio). Mas o músico ficaria associado à katchaka e seria alçado ao trono do estilo no país, segundo conta:
— De tanto gravar katchaka, o povo começou a me chamar assim. A gravadora abraçou: "Vanderlei, você é o rei da katchaka! Você é único". Não me sinto rei de nada, me sinto um cantor brega, mas admiro o carinho dos fãs e como abraçam a gente. É para eles que canto.
E o legado está sendo passado adiante. O filho de Vanderlei, Rodrigo Maná, irá lançar um DVD de katchaka nos próximos meses. Já o veterano deve disponibilizar nas próximas semanas um show ao vivo que gravou com a Orquestra Jazz Sinfônica SIM, em Porto União.
Novo auge
Com mais de 50 anos de história, a Corpo e Alma vive um novo período áureo. Tudo começou com o DVD comemorativo de cinco décadas da banda, de 2022. O registro traz Perigosa e Linda, que estourou no bailões.
Composição de Wilceu Pause, a faixa foi gravada pela primeira vez em 2007, quando ele ainda era membro da Corpo e Alma. A nova versão ganhou projeção nas redes sociais, especialmente no TikTok, fazendo a banda obter um Disco de Platina Duplo pela plataforma de distribuição digital OneRPM ao contabilizar 500 milhões de streams. São mais de 25 milhões de reproduções de Perigosa e Linda no Spotify e mais de 65 milhões de visualizações no YouTube.
— Estamos há quase três anos em alta com Perigosa e Linda, que atingiu vários públicos, até o infantil — comemora o vocalista Wagner Schneider. — Foi surpreendente para nós aonde nossa música chegou. Momento único da nossa carreira, não só para a gente, mas para outras bandas do segmento. É gratificante.
O single Pistoleira virou outro hit do grupo. Lançada em março, a faixa ocupa a 31ª posição no ranking nacional entres músicas mais tocadas nas rádios do Brasil, conforme monitoramento da plataforma Audiency.
Ainda em março, o grupo recebeu na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul a Medalha da 56ª Legislatura — condecoração destinada a pessoas que contribuíram para o desenvolvimento econômico, social e cultural do Estado.
Apesar de integrar o circuito das bandas de baile, o grupo abraçou a sonoridade da katchaka — o que implica até o figurino, com integrantes vestindo blazers vistosos com brilho.
— Nos inspiramos em artistas latinos que tocam esse estilo — explica o vocalista. — Hoje, nosso repertório é 95% katchaka. Podemos nos intitular como uma banda katchakera, que toca cúmbia. Corpo e Alma se diferencia por ter essa pegada latina, mais caliente e envolvente.
A banda está lançando o EP Classe A, faixa a faixa, nas plataformas digitais. Em 18 de outubro, irá gravar o DVD Incomparáveis na Oktoberfest de Santa Cruz do Sul.
Para Schneider, tanto a katchaka quanto o bailão estão furando a bolha do sul do Brasil. Ele ressalta que muitos artistas nacionais que ouvem o grupo tocam canções da Corpo e Alma quando vêm para o Sul. Já Vanderlei garante:
— Katchaka é um ritmo que vai invadir o Brasil inteiro. Aguarde um pouquinho. Já tem sertanejo gravando. Por enquanto, só uma parte do Brasil. Está tocando até no Nordeste. Logo, logo, do Oiapoque ao Chuí.