Lanny Gordin é conhecido como um influente músico da Tropicália que teve a carreira abreviada por um diagnóstico de esquizofrenia. Os timbres dele, entretanto, são mais conhecidos do que muitas pessoas imaginam.
O músico morreu na madrugada desta terça-feira (28), dia em que completou 72 anos. A causa da morte ainda não foi divulgada.
O contexto da época é importante. Menos de um ano antes da gravação do álbum Tropicália, em 17 de julho de 1967, músicos brasileiros fizeram uma passeata contra o instrumento que Gordin tocava: a guitarra elétrica. Nomes como Elis Regina, Jair Rodrigues, Gilberto Gil e Edu Lobo aderiram à mobilização que pretendia "defender a música nacional" contra a "invasão" de elementos que, em tese, pertenceriam a culturas estrangeiras. Os músicos andaram do Largo São Francisco até a Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo, com o slogan "Defender o que é Nosso".
Um ano depois, em 15 de setembro de 1968, Gilberto Gil defendia uma música no Festival Internacional da Canção, organizado pela TV Globo, repleto de intensas guitarras elétricas tocadas pela banda Beat Boys, em Questão de Ordem. A música era em si uma provocação: o nome remetia ao termo usado para pedir a palavra em assembleias e discursos, e a letra tinha um duplo sentido entre a conotação sexual e o espírito ativista. Gil foi vaiado e agredido com um pedaço de madeira.
Logo depois, Caetano apareceu no palco com mais guitarras elétricas, tocadas pelos Mutantes, e a letra não menos provocativa É Proibido Proibir. Sem condições de terminar a música pelas vaias e pela agressividade da plateia, que levou os Mutantes a tocarem de costas, Caetano proferiu o histórico discurso em que dizia que o público não havia entendido nada.
Nessa época, músicos como Caetano, Gil, Gal Costa e Jards Macalé se aproximam de grandes guitarristas do jazz: entre eles, Lanny Gordin, que tocava no Brazilian Octopus com um certo Hermeto Pascoal na flauta.
Com isso, Gordin chamou atenção de Rogério Duprat, que o convidou para conhecer as pessoas com quem tocava. As portas da música brasileira se abriam definitivamente para o guitarrista.
Confira, abaixo, cinco músicas para conhecer Lanny Gordin:
Gal Costa - Divino Maravilhoso (presente no álbum Gal, 1969)
O álbum de estreia de Gal Costa teve como arranjadores Gilberto Gil, Rogério Duprat — a mente por trás do clássico Tropicália ou Panis et Circensis — e Lanny Gordin. A guitarra agressiva ao estilo Jimi Hendrix presente em Divino Maravilhoso, letra de Caetano Veloso, é um complemento à voz soprano que consagraria Gal Costa.
Atrás do Trio Elétrico - Caetano Veloso (1969)
Aqui há um momento raro: Lanny Gordin, filho de um russo com uma polonesa, nascido na China e imigrante que saiu de Israel com a família, toca as notas da guitarra baiana, o cavaquinho elétrico de cinco cordas criado por Dodô e Osmar nos anos 1940. Nessa época, é clara a influência de Pepeu Gomes, um dos mais influentes músicos da história do Brasil.
Gal Costa - Mal Secreto (1971)
O solo agressivo de Lanny Gordin que abre a soturna introdução de Gal ("Não choro/meu segredo é que sou rapaz esforçado") tem um contexto importante para as carreiras de todos os envolvidos.
A composição é de Jards Macalé, que antes disso havia gravado Transa, com Caetano Veloso, mas teve seu nome excluído da ficha técnica por um erro na edição do álbum, o qual o compositor baiano nunca esqueceu.
Incomodado, Macalé grava um álbum solo em que entoa composições próprias e chama Lanny para tocar. Entre as composições está Mal Secreto. Só que a música em questão havia sido entoada inicialmente em um show gravado no Teatro Tereza Raquel, na Guanabara (Rio de Janeiro), com direção musical de Waly Salomão, do mesmo grupo de Macalé.
Abaixo, a versão do álbum de Macalé, que saiu em março de 1972 — depois, portanto, do álbum de Gal.
É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo - Erasmo Carlos (1971)
O sétimo álbum solo de Erasmo Carlos foi gravado na Phillips, com André Midani, um dos executivos mais importantes da MPB. A Jovem Guarda havia acabado e cada um dos músicos seguira seu caminho, e Erasmo ainda sofria com a ideia de ficar na sombra de Roberto Carlos. Erasmo, então, é levado para a gravadora para somar alguns dos seus singles já lançados, como Maria Joana, em um álbum completo. Caetano, do exílio, manda para o amigo De Noite na Cama, que abre o disco. E Lanny Gordin é um dos músicos que o acompanha. A guitarra em É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo é inconfundível.
Gilberto Gil - Back in Bahia (1972)
O álbum Expresso 2222 abre com a Banda de Pífanos de Caruaru tocando Pipoca Moderna. Na segunda faixa, a guitarra-base de Gilberto Gil emula um pífano, tocando apenas duas notas em quatro tempos. Ela é complementada por uma guitarra solo roqueira de Lanny Gordin que transforma a canção do exílio de Gil, em que ele lembra a depressão de Caetano com Londres, a falta que fazia o mar da Bahia e complementa com a esperança do retorno — "Como se ter ido fosse necessário para voltar".