Lançado em 2001, Rebirth foi uma obra redentora para o Angra, icônica banda brasileira de power metal. Após traumática separação de seus membros, os remanescentes do grupo estavam desacreditados, mas conseguiram encontrar outros músicos de excelência e fundar uma nova era com um disco de grande impacto.
Agora, o Angra está em turnê comemorativa para celebrar os 20 anos de Rebirth - celebrados com um pouco de atraso por causa da pandemia. Em Porto Alegre, o show ocorre neste sábado (25), no Bar Opinião. Todos os 1,4 mil ingressos colocados à venda foram esgotados 19 dias antes do espetáculo.
Nesta entrevista a GZH, o líder e guitarrista Rafael Bittencourt fala sobre Rebirth, a relação com o público e o futuro do Angra. Confira:
Após a cisão que houve na primeira formação do Angra, qual a relevância do álbum Rebirth e seu posterior sucesso para a longevidade da banda?
Primeiramente, mostrou a força da banda, independente da formação. Hoje nós já estamos na terceira formação e a banda tem um carinho muito grande dos fãs. A maioria das pessoas entende que é importante a permanência do Angra no cenário. Na época, provamos que, mesmo sem boa parte da banda, conseguimos sobreviver a essas intempéries. Foi também uma injeção de confiança para mim e o Kiko (Loureiro, ex-guitarrista do Angra) à época. Nós estávamos muito desanimados. E, quando houve a aceitação do público, pudemos ter motivação para continuar. Teve toda essa história de superação, mas também o Rebirth foi um resgate da ideia original da banda. Um álbum antes, o Fireworks, a gente estava experimentando outras coisas. No Rebirth, resgatamos a ideia original do power metal com influências das músicas erudita e brasileira.
O Fireworks, talvez, tenha sido uma coisa mais rápida e pesada, não?
O Fireworks foi, na verdade, uma celebração aos nossos próprios ídolos. Fizemos um resgate das nossas influências. Uma celebração ao Led Zeppelin, The Who, Pink Floyd, Iron Maiden. Bandas que foram importantes na nossa formação e a gente procurou homenagear da nossa maneira, se inspirando num rock mais clássico para fazer o álbum.
Como vai ser o show? A ideia é tocar o álbum de ponta a ponta, contemplando todas as 10 faixas?
O show tem dois grandes momentos. O momento em que a gente toca o Rebirth na íntegra e o momento em que a gente toca grandes clássicos da banda. Primeiro, vem o Rebirth. E vamos tocar na mesma ordem do álbum, do começo ao fim.
Vocês lançaram o EP Hunters and Prey logo depois de Rebirth, com estética semelhante. Alguma música desse disco pode aparecer nos shows? Bleeding Heart chegou a ser faixa-bônus de Rebirth na versão japonesa, certo?
É possível que ela (Bleeding Heart) apareça, sim. Ela foi composta na mesma época do Rebirth e fez parte do mesmo processo criativo. É uma música que acabou não entrando porque queríamos um álbum que fosse forte. A gente achava que muitas baladas talvez mostrassem a banda enfraquecida. Às vezes, o público de heavy metal, quando você passa muito tempo sem fazer um álbum, quer um álbum só com músicas mais pancadas. Mas essa composição faz parte do processo e pretendemos tocá-la.
Em 2013, o Angra fez uma turnê de comemoração de 20 anos do seu disco de estreia, Angels Cry. Como foi a experiência? As pessoas gostam de voltar ao passado?
Foi bem legal e, daquela experiência, conseguimos entender melhor o perfil do público. Hoje o nosso público tem dois perfis principais. O nostálgico, que espera celebrar e reviver o passado, e o público que entende que o Angra é uma banda de inovação e formadora de tendências. A gente precisa equilibrar as duas coisas. Pretendemos atender os dois públicos, tocando a celebração de um passado de pouco mais de 20 anos atrás. E tocamos músicas da carreira toda, mas com certa ênfase em algumas mais recentes. Isso é o que o público espera da gente.
Na terceira formação do Angra, rola alguma rivalidade na hora de montar o setlist entre os membros mais antigos e mais novos para privilegiar alguma das fases da banda?
Não, está tranquilo. É um privilégio poder, hoje em dia, entender o público de maneira transparente, por conta da relação tão próxima das redes sociais. E privilégio, também, por ter dois grandes caminhos para seguir, e não um só. Isso é muito bom porque dá alternativa.
Naquela turnê comemorativa do disco Angels Cry, vocês gravaram material ao vivo para posterior lançamento. Isso deve se repetir agora com Rebirth?
Sim, a gente está pensando bastante no assunto. Nós vamos transmitir um show, vamos vender um show online, e possivelmente esse show vai ser gravado. Se houver interesse das pessoas, a gente coloca numa caixinha e comercializa.
Você tem o hábito de escutar músicas que compôs anos atrás e sentir que soa cada vez melhor ou, pelo contrário, que atualmente faria diferente? Como analisa Rebirth e seu legado?
Foi um período iluminado. Estou repassando essas músicas, estudando e tocando para lembrar e ficar à mão. A gente estava em excelente forma, com os caminhos abertos, de maneira até espiritual. Me orgulho muito. Era o que tínhamos a dizer naquela época. Isso é muito importante, saber que a música tem o seu papel. É muito difícil dizer que faria diferente porque, quando a gente assiste de dentro, dos bastidores, a gente sabe que aquele era o melhor possível com os recursos que a gente tinha, com as pessoas que a gente tinha. O Rebirth foi uma vitória atrás da outra, tanto no sucesso quanto no processo criativo.
No último álbum de estúdio, Omni, o Angra gravou a música Black Widows Web, junto de um videoclipe, com as participações das cantoras Sandy e Alissa White-Gluz. Como foi a ideia de trazer a Sandy para o mundo do heavy metal, que, por vezes, costuma ter alguns fãs conservadores e até grosseiros com artistas de outros gêneros?
A ideia veio da própria música. Ela pedia vozes femininas para representar a viúva negra e as faces, com o lado mais ingênuo, delicado e frágil, e também a força da mulher, o poder de sedução e o poder feminino. Eu queria esses dois tipos de vozes. A Alissa foi direto. A gente sabia que seria a voz ideal e ela aceitou. Eu fiquei imaginando uma voz que fosse singela e delicada. Quando lembrei da Sandy, pensei que era a voz perfeita. O preconceito eu nem ligo. Não entra na minha conta, são coisas que devem ser combatidas. Quando eu falo que o público vê o Angra como nostalgia e inovação, a participação da Sandy vem no campo de você arriscar, botar a música e a ideia na frente dos preconceitos. No fim, foi ótimo, as pessoas gostaram. O respeito veio com o resultado. A música ficou maravilhosa. A crítica foi maior antes de ouvirem. Muitas pessoas estavam achando que a gente estava fazendo aquilo para chamar a atenção. Mas quando a música veio e fez sentido, calou a boca de todo mundo. A própria Sandy havia dito que não participaria se não fizesse sentido. Ela ouviu a música, entendeu a proposta, participou e ficou maravilhoso.
É difícil e perigoso ser inovador no heavy metal, não?
Muito difícil e desafiador. Mas é isso que eu gosto. Gosto de trazer coisas relevantes e mostrar novos caminhos. E ao mesmo tempo honrar o passado. No ponto de vista profissional, é o que eu mais gosto.
O que vem pelo futuro do Angra? Um disco novo está em preparação?
Sim, já estamos pensando em novo disco. Anunciamos recentemente que o produtor do disco será o Dennis Ward, que é o mesmo produtor que fez o disco Temple of Shadows conosco. Já temos o embrião de algumas músicas que estão ficando bem animadoras. A ideia é gravar em novembro e lançar esse álbum em abril ou maio do ano que vem.
Pelo menos nos últimos dois discos do Angra, Omni e Secret Garden, você apareceu fazendo passagens vocais. E isso parece estar cada vez mais presente, até mesmo em shows. O futuro do Angra poderá ter Rafael Bittencourt, em algum momento, assumindo de vez os vocais?
Eu acho difícil. Não se trata só de competência. Cantar as músicas do Angra já é muito difícil. Tocar e cantar, mais ainda. Abrir mão de tocar guitarra é complicado. Eu não faria isso. Hoje em dia, eu não consigo imaginar mudar de vocalista novamente. A adaptação do público para um novo vocalista é muito complicada. O vocalista cria um laço emocional muito forte com o público. Além da competência, o cara tem de criar esse laço. Isso demora e é um esforço da banda toda. Hoje em dia, em caso de uma necessidade de mudança, coisa que eu espero que nunca aconteça, eu pediria um tempo para descansar. É tão complicado você trabalhar a imagem de um novo vocalista que eu preferiria tirar férias e dar aula do que trabalhar tudo de novo.
Desde o Rebirth, a internet, as redes sociais e a tecnologia mudaram a forma de se comunicar. Ao mesmo tempo, o heavy metal tem seu público fiel, mas fica muito pressionado em relação aos gêneros massivos. O que pensa sobre o futuro?
A internet mudou os hábitos e a maneira como as pessoas se relacionam com os artistas. Hoje o artista é mais próximo do público. A internet desmistificou um pouco a distância que existia. O artista era mais mitificado. Hoje se enxerga o artista como uma pessoa. A gente conhece melhor de ver o que ele faz (na rotina). Isso trouxe benefícios porque o fã se sente mais próximo. Ele não tem tanta cerimônia com o artista. O fã se sente no direito de participar muitas vezes das decisões sobre a própria carreira. E temos mais artistas. A internet permite lançar e divulgar sua própria música. Você consegue até produzir sua própria música no computador, em casa. Tudo isso a tecnologia trouxe de mudança. Essa facilidade trouxe muito mais artistas para o cenário. É mais fácil se colocar, não precisa necessariamente de gravadora. Porém, a concorrência é infinitamente maior. Por outro lado, o heavy metal e a música pesada não vão morrer. O gênero já atingiu um patamar de respeito dentro do cenário musical, assim como o jazz e o blues. É possível que o jazz e o blues nunca mais voltem a ser a grande moda na indústria fonográfica, mas eles têm seu espaço e o respeito das pessoas. O heavy metal também é isso.
O que espera de mais um show em Porto Alegre?
Estou muito feliz de poder voltar à ativa. Feliz de ser no Opinião por ser uma casa que já tem história conosco, de poder ver o público de Porto Alegre que sempre nos recebeu tão bem. Vai ser uma celebração não só do Rebirth, mas também do retorno, ou da tentativa de retorno à vida normal. Os números do covid voltaram a subir, isso tudo é preocupante, mas a gente poder fazer um show e assistir um show já dá um alívio em todo o estresse e angústia que todos vivemos nos últimos anos.