A cantora Elza Soares morreu aos 91 anos nesta quinta-feira (20). De acordo com nota publicada nas redes sociais da artista, foi informado que ela faleceu em sua casa, no Rio de Janeiro, por causas naturais, às 15h45min.
O comunicado enaltece a trajetória da cantora: "Ícone da música brasileira, considerada uma das maiores artistas do mundo, a cantora eleita como a Voz do Milênio teve uma vida apoteótica, intensa, que emocionou o mundo com sua voz, sua força e sua determinação".
A nota também destaca que Elza é "eterna" e que "descansou", mas reforça que ela "estará para sempre na história da música e em nossos corações e dos milhares fãs por todo o mundo". "Feita a vontade de Elza Soares, ela cantou até o fim", finaliza o comunicado assinado por Pedro Loureiro, Vanessa Soares, familiares e Equipe Elza.
Veja a postagem:
A morte de Elza Soares, coincidentemente, acontece no mesmo dia da de Garrincha, com quem teve um relacionamento por 17 anos. Considerado craque do Botafogo, o jogador de futebol morreu também no dia 20 de janeiro, 39 anos antes dela: em 1983.
A cantora, em entrevista ao programa Conversa Com Bial, em 2018, comentou sobre a relação dela com Garrincha, que terminou em 1982, ano anterior à morte do craque:
— Eu sonho muito com o Mané. O maior amor da minha vida foi ele.
Ainda não há informações sobre o velório da cantora.
A voz do milênio
Em uma votação de 1999 realizada pela rádio BBC, de Londres, Elza Soares foi considerada a "voz do milênio". Porém, para chegar neste patamar, a artista trilhou um longo caminho. Ela começou cantando sambalanço com Se Acaso Você Chegasse, em 1959.
Ela se dedicou ao samba nos anos 1960, mas, com 34 discos lançados, Elza se aproximou também do jazz, da música eletrônica, do hip hop, do funk e sempre enfatizou que a mistura é proposital. O último disco lançado por ela foi Planeta Fome, em 2019.
Há seis anos, ela se definiu como "a mulher do fim do mundo", lançando um álbum que levava justamente este nome. Com esta obra, a cantora viveu o seu mais recente renascimento artístico. Inclusive, em um verso da música que batiza o disco, a artista bradou: "Me deixem cantar até o fim". E foi o que aconteceu, uma vez que a artista, mesmo já nonagenária, seguia com uma agenda de shows ativa.
Apesar de brilhante, a década de 1980 foi difícil para Elza, que amargou um período de ostracismo. Na época, ela chegou a pensar em desistir de sua carreira musical. Felizmente, buscou ajuda de Caetano Veloso, que a convidou para participar da gravação do samba-rap Língua, faixa de álbum pop do cantor chamado Velô, de 1984. Com essa música, Elza foi catapultada para uma nova geração.
— A música é o combustível da alma. Não adianta você ficar parada, meu amor. A vida continua. O caminho fica aberto. Você não pode parar no tempo. Não pode retroceder. O negócio é você seguir. Levanta a cabeça. Deixa as tuas lágrimas molharem o chão, não tem problema, mas sempre de cabeça erguida. E vai embora. A vida continua, a luta continua. Nunca parei para dizer: "Eu sou uma infeliz". Nunca fiz isso na minha vida. Nunca — disse a artista em entrevista para GZH.
Elza estava produzindo um novo álbum de estúdio, que pode ter lançamento póstumo. Nesta semana, ela se apresentou em shows no Theatro Municipal de São Paulo. Os espetáculos foram gravados para o lançamento de um DVD.
91 anos de Elza
Elza Gomes da Conceição nasceu em 23 de junho de 1930, no Rio de Janeiro. Ela foi criada na favela de Moça Bonita e, aos 12 anos, foi obrigada pelo pai a se casar com Antonio Soares, conhecido como Alaúde, de quem pegou o sobrenome que usava artisticamente até os dias de hoje.
Ela foi mãe pela primeira vez aos 13 anos. De um total de oito filhos que teve durante a vida, Elza chorou a morte de quatro deles. O primeiro, quando a artista tinha apenas 15 anos. A criança, recém-nascida, morreu por conta da desnutrição. Destino que também se abateu sobre outro filho seu.
Além dos dois, ela perdeu Garrinchinha, seu único filho com o jogador Mané Garrincha, em um acidente de carro em 1986. O último filho que Elza perdeu foi Gilson, aos 59 anos, por complicações decorrentes de uma infecção urinária.
A vida de Elza foi uma sucessão de superações. Sofreu violência doméstica de homens com quem se relacionou — ela, por sinal, canta sobre esses episódios em Maria da Vila Matilde.
— Eu sou mulher. Costumo ver muito o sofrimento das mulheres, entende? Muitas mulheres ainda sofrem caladas e não têm coragem de denunciar o sofrimento. Ficam caladas. É triste. Então, é maravilhoso quando você vê uma mulher tomando a frente, não aceitando desaforos. Você sabe: ser mulher é difícil. Negra, ainda muito mais. Mas, se você parar porque é negra e é mulher, não chega a lugar nenhum. Você não tem defeito, muito pelo contrário. Tenha orgulho do que você é — disse Elza em entrevista para GZH em 2017.
Na década de 1950, em busca de dinheiro para cuidar da família, a artista acabou se inscrevendo em um dos concursos da Rádio Tupi, uma das mais populares da época. Ela apareceu por lá com roupas humildes vestindo seu corpo com 38 quilos. Ary Barroso, apresentador do programa, tentando ridicularizar a artista, perguntou de que planeta a garota esquálida vinha.
— Do planeta fome — respondeu Elza, sem titubear. A icônica resposta da artista, por sinal, foi o nome do seu último álbum lançado, em 2019.
Os risos que se ouvia da plateia cessaram assim que ela entoou os primeiros versos de Lama, de Paulo Marques e Alice Chaves ("Se o meu passado foi lama, hoje quem me difama viveu na lama também"). Acabou levando o prêmio principal e muitos elogios.