Mais de 20 anos de trajetória, com diferentes formações e fases: a Fresno sempre se virou. Da incerteza se encheria um show na extinta casa Croco, na Plínio Brasil Milano, em Porto Alegre, até a projeção nacional embalada pelo cenário de bandas emo/hardcore nos anos 2000. Apresentações em grandes festivais, parceria com Chitãozinho & Xororó, capas de revistas adolescentes e prêmios. Mesmo em seus momentos mais delicados, o grupo de origem porto-alegrense sempre dava um jeito. Essa resiliência está refletida no título de seu nono disco, Vou Ter que me Virar.
Lançado na última sexta-feira (5), o álbum traz a Fresno se virando no período pandêmico, mas apontando também para o caminho da reconstrução: recolher os cacos e seguir em frente. Antes disso, entender como os fragmentos se formaram.
O novo disco começou a ser desenvolvido logo após Sua Alegria Foi Cancelada (SAFC) ser lançado, em 2019. A ideia original era introduzir algumas faixas inéditas em uma versão deluxe do disco. Porém, a pandemia interrompeu a divulgação do álbum. Ao mesmo tempo, novas canções foram surgindo. Até que a Fresno percebeu ter um novo trabalho em mãos. O plano era lançá-lo em dezembro de 2020, já havia até shows sendo combinados para março deste ano. Só que a pandemia, mais uma vez ela, agravou-se. O jeito foi segurar o projeto.
Ao mesmo tempo, a banda foi esculpindo o disco: mexia nas faixas, tirava música, inseria outras. Em paralelo, a Fresno foi lançando a partir de agosto as faixas do experimental INVentário. O projeto trazia canções guardadas do grupo, que, a princípio, não caberiam em um álbum. Três músicas de INVentário entraram no álbum: Eles Odeiam Gente Como Nós, Agora Deixa e 6h34 (Nem Liga Guria) — esta surgiu como música do projeto Visconde, do vocalista e guitarrista Lucas Silveira.
Vou Ter que me Virar dá continuidade a Sua Alegria Foi Cancelada. O oitavo disco já trazia bastante da amplitude do som da Fresno, explorando diferentes sonoridades. O grupo segue investindo em novas vertentes, podendo ir do eletrônico à balada, do punk rock ao pop. Para o baterista, Thiago Guerra, a banda começou a se desligar de conceitos no disco anterior.
— Não precisamos nos prender a nada. Chegamos a um ponto em que podemos dizer: somos livres! Vamos pisar fundo! Estamos querendo tirar todas as necessidades. A coisa do "tem que ter a bateria, tem que ter o baixo, a guitarra". Não tem que ter nada — explica o instrumentista.
— Estamos tendo esperança, que nos foi dada pelo SAFC. Foi ali que tomamos atitudes para organizar nossa vida de banda. É muito normal que a relação com a divulgação, escritório, gravadora, shows, com não sei o que, faça o grupo tomar caminhos que podem esgotá-lo. Então, passamos a redefinir muitas coisas desde 2019, que trouxeram resultados — complementa Lucas.
Além de Guerra e Lucas, o guitarrista Gustavo "Vavo" Mantovani completa a banda. Em agosto, o tecladista Mario Camelo se desligou da Fresno. Desde então, o grupo assumiu a formação de trio — irá recorrer a mais integrantes nas apresentações ao vivo, que devem ser retomadas em 2022.
Virando-se
A abrangência sonora da banda já pode ser observada na faixa título, que abre o disco: Vou Ter que me Virar é um eletro-rock dançante e, ao mesmo tempo, soturno. A seguir, Fudeu!!! é um punk rock que traz críticas ao presidente Jair Bolsonaro. Tell Me Lover promove parcerias internacionais, com Scarypoolparty (projeto do americano Alejandro Aranda, vice-campeão na 17ª temporada do American Idol) e Yvette Young (vocalista e guitarrista virtuose do Covet).
Empacotada pelo rock dançante, sintetizadores e uma atmosfera oitentista, Já Faz Tanto Tempo traz parceria com Lulu Santos. Para Lucas, o cantor e compositor tem algo que a Fresno almeja:
— Ser um artista que faz músicas que são boas sob qualquer ótica e, ao mesmo tempo, todo mundo gosta. Encontrar uma linguagem universal que qualquer pessoa consiga absorver. Ele super "hackeou" esse código há 30 anos. É também um cara que está muito atento ao que está rolando.
A temática da saúde mental também está presente em Vou Ter que me Virar. Casa Assombrada traz uma autoanálise, em que o eu-lírico reconhece seu fantasmas — traumas e ressentimentos. A música é fruto da terapia que Lucas iniciou pouco antes da pandemia.
— Pensei nessa coisa de casa assombrada, a pessoa entrando na tua vida com uma lanterninha e vendo teus fantasmas, teus traumas, tuas inseguranças. É importante ao longo da vida ir dando uma arrumadinha, pelo menos uma varrida de leve — diz Lucas.
Caminho Não Tem Fim é outra música sobre traumas, mas aqui a questão é seguir em frente apesar dos medos e inseguranças. Já Essa Coisa (Acorda-Trabalha-Repete-Mantém) aborda o sentimento de alguém estar preso na rotina de trabalho, automatizado e definhando. Uma canção sobre burnout.
— Mesmo com trabalhos incríveis que fazemos e gostamos, sempre se pode cair nessa. Uma hora o cara espana assim — adverte Lucas. — Já cheguei perto disso. Ano passado estava desenvolvendo uns quadros de tonteiras, por nada. Tem que respirar. Acalmar. Ir ao psicólogo. Acho que esse é o nome do disco: ainda vai se tratar todo mundo.
— Foi um erro de digitação, Vou Ter que me Tratar era pra ser o nome do disco. Corretor mudou pelo celular — brinca Vavo.
— Nesse momento, isso se comunica com todo mundo. De alguma maneira você teve uma alteração na pandemia — completa Guerra.
Fresno – Vou Ter que me Virar
- 11 faixas, BMG, disponível nas plataformas digitais.
- fresno.lnk.to/VTQMV