Os tambores do candombe têm ressoado pelas ruas de Porto Alegre. Tradição no Cone Sul, o ritmo tem reunido grupos em locais públicos da Capital. A intenção é que essa batida se propague cada vez mais entre os porto-alegrenses e pelo Estado.
O candombe tem raiz bantu e foi trazido à América do Sul pelos diferentes povos africanos escravizados pelos colonizadores espanhóis. O músico, pesquisador e folclorista uruguaio Rubén Carámbula escreve no livro El Candombe que o ritmo seria, originalmente, uma espécie de pantomima da coroação dos reis do antigo Congo, mas incorporando elementos próprios da realeza europeia. Do ponto de vista religioso, descreve o autor, "constitui um autêntico sincretismo entre a religião bantu e católica".
A palavra "candombe" é um termo em quimbundo (língua originária de Angola) que significa "dança com atabaques", mas que também se referia genericamente a qualquer tipo de dança ou ritual praticado por negros no período da colonização latino-americana. Há registros do candombe em países como Argentina e Brasil, mas foi no Uruguai que a manifestação se estabeleceu como ritmo, além de se integrar à cultura e à história negra.
Com o tempo, o candombe se entrelaçaria com o Carnaval uruguaio. Durante os festejos, as comparsas — agrupamentos musicais equivalentes às escolas de samba do Brasil, com corpo de baile, além de personagens característicos — saem às ruas acompanhadas por multidões de dançarinos e populares.
Em sua sonoridade, o candombe tem como característica principal o uso de três tambores que formam a cuerda (que também pode ser sinônimo de bateria): tambor piano, tambor chico e tambor repique. Ao longo do século 20, o ritmo também foi se fundindo a outros gêneros — candombe beat, candombe jazz, entre outros.
No Rio Grande do Sul, há relatos da presença do candombe desde o século 19. O Código de Posturas de Porto Alegre, de 1858, chegou a proibir explicitamente em seu artigo 114 "os candombes ou batuques e danças de pretos". Na Capital, registros apontam que a manifestação era praticada no terreiro da Mãe Rita de Xangô, nas imediações da atual Rua Avaí, na primeira metade do século 19. Com o passar dos anos, o candombe foi redescoberto esporadicamente, por breves períodos. Um de seus resgastes mais contundentes aconteceu em Bagé, em que a comparsa Grillos Candomberos atua desde 2015.
Tambor Tambora
Surgida em 2019, a comparsa Tambor Tambora homenageia em seu nome a canção homônima de Jorginho Gularte, uruguaio nascido em Porto Alegre e filho de Martha Gularte — figura histórica do candombe de Montevidéu. O projeto surgiu após conversas na porta do bar Guernica, na Cidade Baixa.
O músico e servidor público Marcelo Sikinowski, um dos fundadores da Tambor Tambora, frisa que a comparsa se propõe a ser um grupo de estudo coletivo, gratuito e aberto voltado ao candombe de rua. Um dos objetivos é promover uma cultura de tambor que dialogue com o Estado.
— A Tambor Tambora é fruto dessa inquietação em torno do branqueamento da ideia que se tem do Rio Grande do Sul e de sua cultura. Ao mesmo tempo em que a gente se reconhece como brasileiro e valorizamos a importância dos tambores tropicais, nos ressentimos da falta de disseminação dos tambores do pampa — diz Sikinowski.
A comparsa costuma se reunir no sábado à tarde na Ponte de Pedra (Ponte dos Açores), no Largo dos Açorianos. Até março de 2020, os encontros ocorriam no Quilombo do Sopapo, mas a pandemia interrompeu as atividades, que foram retomadas pelo grupo em agosto deste ano.
No período de quarentena, a Tambor Tambora promoveu uma série de lives intituladas Conversas Candombeiras, com nomes da pesquisa da cultura afro-rio-grandense e do candombe. As conversas estão salvas na página do coletivo no Instagram (@comparsatambortambora ).
No retorno às reuniões, impõe-se o uso obrigatório de máscaras, entre outras precauções. Oscilando entre 10 e 15 participantes, os encontros da Tambor Tambora têm duração de até duas horas e meia. Na primeira parte, há um estudo coletivo e a afinação dos tambores, além de exercícios de aquecimento. Na segunda hora, é toque.
— Todo mundo tentando tocar junto, tentando se encontrar. Como os referentes já diziam: candombe não se ensina, se aprende. Então, se aprende fazendo — arremata Sikinowski.
Com seu núcleo gestor composto por Sikinowski, Matheus Leite, Letícia Osório, Guilherme Ceron e Cleiton Oliveira, a Tambor Tambora almeja expandir o grupo, buscando paridade na presença de mulheres, negros e LGBTQI+, além de investir na formação de um corpo de baile para se consolidar como uma comparsa completa. O coletivo também visa à realização de um Encontro Estadual de Candombe, com oficinas com referências do candombe uruguaio.
— Há pessoas se encontrando informalmente para tocar. A cena vem sendo criada para além do candombe de rua — atesta Sikinowski.
Candombe Porto Alegre
Quem também tem promovido o resgate dessa cultura afro-uruguaia é a agrupação Candombe Porto Alegre, que tem entre seus fundadores dois ex-integrantes da Tambor Tambora — Pepe Martini e Ziza Rabelo. No início de 2021, eles começaram a se reunir na Redenção com mais dois amigos para tocar. A junção foi se repetindo e, a partir da terceira semana, dobraram o número de integrantes. Então, surgiu a ideia de formalizar esses encontros, desenvolvendo também conteúdo sobre a cultura do ritmo em sua página no Instagram (@candombepoa).
Antes realizadas nas sextas, as reuniões da Candombe Porto Alegre agora ocorrem aos domingos na Redenção.
— Sempre tem pessoas chegando que não conhecem o candombe. Só conhecem o nome, não conhecem os toques. A gente usa esse espaço para fazer toques mais básicos, sempre tem iniciantes, que é para a gente ir difundindo a cultura de uma forma geral — relata Pepe. — Numa primeira audição, pode parecer até confuso e entreverado. Mas é um ritmo que causa paixão e curiosidade. Bate bastante fundo no corpo. É difícil ficar indiferente ao candombe.
Além da Redenção, a agrupação costuma realizar, sazonalmente, toques pelas ruas da Capital. Em algumas oportunidades, desfilaram a sonoridade pelas vias da Cidade Baixa.
— A receptividade é sempre boa — afirma Ziza. — Como o tambor de candombe não é exatamente ligado com a religião, as pessoas às vezes olham com ar de curiosidade, chegam para perguntar, e nós apresentamos.
Um dos objetivos principais da Candombe Porto Alegre é difundir essa cultura no Estado. Para que, assim como no Uruguai, a manifestação seja uma cultura popular no Rio Grande do Sul, não restrita a um nicho específico. Entre seus projetos, está promover uma campanha de financiamento coletivo para realizar oficinas de candombe para crianças no Areal da Baronesa.
Outro objetivo da agrupação é promover o espírito de comunidade que o candombe traz, como destaca Ziza:
— O candombe é um modo de viver. Um modo de estar em comunidade. A comparsa é isso, uma grande junção de pessoas que formam uma família.