Os últimos dias foram de movimentação entre os músicos de Porto Alegre, após o vereador Leonel Radde (PT) levar a conhecimento do público que o projeto de lei que desobriga a abertura de shows internacionais por artistas locais seguia em tramitação pelas comissões da Câmara de Vereadores e que poderia ser votado. A classe artística se reuniu em um evento virtual para pedir que o Legislativo da Capital não levasse adiante a proposta. O encontro online foi organizado pela bancada do PCdoB
O Projeto de Lei 165/19, criado em 2019 por Felipe Camozzato (Novo), buscava revogar a Lei nº 8203/1998, promulgada em setembro de 1998, que determina que a abertura de shows internacionais seja feita por “músicos, cantores ou conjuntos musicais do município”. A proposta, porém, não avançou na época e foi arquivada no final daquele ano. Porém, o projeto foi desarquivado no dia 1º de fevereiro, quando assumiu a bancada eleita em 2020 — o político do Novo e autor do PL foi reeleito.
No encontro online, que aconteceu nesta quinta-feira (17), cerca de 30 artistas se reuniram com os vereadores Daiana Santos (PCdoB), Bruna Rodrigues (PCdoB), Pedro Ruas (PSOL), Karen Santos (PSOL) e o presidente da Câmara, Márcio Bins Ely (PDT), além do próprio Radde. Também estiveram presentes os deputados estaduais Luiz Marenco (PDT), que é músico, e Sofia Cavedon (PT). O grupo, que já havia emitido uma carta de repúdio sobre a proposta, aproveitou a ocasião para emitir novamente opinião contrária ao projeto.
O músico Duca Leindecker, que esteve presente no encontro, reforça que as apresentações locais antes dos shows internacionais são essenciais para a classe artística da Capital em meio a um cenário difícil.
— É importante porque valoriza a produção artística local, que sofre para encontrar espaços num ambiente extremamente monopolizado — destaca Duca.
Pedrinho Figueiredo, instrumentista que abriu, ao lado de Renato Borghetti, os shows de Roger Waters e de Robert Plant, diz que a exposição é uma grande oportunidade para os artistas locais serem vistos por um público maior.
— Normalmente, a gente sempre se comunica com a nossa própria bolha. Quando vem um artista de fora e nos ofertam uma possibilidade de tocar para um público completamente diferente, que normalmente não transita onde a gente transita, é fantástico. Só nos rende coisas boas. Não dá para entender como alguém que é daqui entende como mal a gente divulgar o que é daqui — enfatiza o músico.
Para a vereadora Daiana Santos, é preciso sempre olhar para a cultura e para o cenário local com responsabilidade. Ela afirmou, através de sua assessoria, que a reunião abriu um canal importante para a classe artística dialogar com o Legislativo:
— Compreendemos a promoção da cultura, da arte e da educação como formas de promoção e emancipação do nosso povo. Se não valorizarmos o que é nosso, acabamos perdendo grandes potências da nossa cultura.
Projeto não deve seguir
O vereador Felipe Camozzato garante que o projeto não será priorizado e, muito menos, votado. Ele ressalta que a proposta é de 2019 e que já havia sido arquivada. Porém, no seu novo mandato, Camozzato alega ter pedido o desarquivamento de todos os seus projetos por uma questão de praticidade, para avaliar melhor o que seria levado a votação ou não. Segundo o parlamentar, essa prática é usual entre os vereadores e, somente por conta dela, o Projeto de Lei 165/19 voltou a tramitar pelas comissões, mas que não será colocado para votação.
— Por algum motivo, que eu não sei qual, talvez para atrair atenção amedrontando os músicos e a cultura local, o vereador Radde trouxe esse projeto de volta, como se ele fosse ser votado em breve, o que é falso — ressalta Camozzato.
O vereador diz que, em 2019, quando esse projeto foi proposto, a sua equipe se reuniu com vários atores da cena cultural local e, após esse encontro, foi decidido que o PL não seria votado. A desistência se deu por conta das questões de eventuais vendas casadas, o que geraria prejuízo para o setor, que acabou se mostrando diferente da forma como Camozzato havia imaginado.
— Além disso, ninguém estava interessado em levar adiante a proposta, sejam produtoras ou vereadores. Então, não fazia sentido ficar remexendo em um projeto que não se tem interesse de levar para votação e nem de aprovar. No parlamento, é preciso de maioria. E, se não tiver maioria, não faz sentido ficar fazendo essa pressão — pontua o político do Novo.
Ele enfatiza, ainda, que o projeto está seguindo o seu curso natural: foi protocolado, tramitará pelas comissões e, depois, ficará disponível para ser colocado na ordem do dia, para ser votado ou não.
O vereador Leonel Radde, em sua conta no Twitter, destacou que conversou com o vereador do Novo sobre o PL e que recebeu a confirmação, diretamente do autor do projeto, de que a proposta havia sido retirada.
— Conversei com o vereador Felipe Camozzato e ele me informou que retirou o Projeto de Lei que prejudicava os artistas locais de Porto Alegre. Shows internacionais para mais de duas mil pessoas seguirão tendo a abertura de porto-alegrenses! Grande notícia para a nossa cultura — escreveu o petista.
Segundo a legislação atual, as empresas organizadoras de shows internacionais que não contratarem músicos locais para a abertura deverão pagar multa referente a 10% do valor arrecadado pela bilheteria. A lei não se aplica para os espetáculos de fora do país que ocorram em recinto fechado com capacidade menor ou igual a dois mil espectadores.