A renovação musical do Rio Grande do Sul enfrenta desafios com a pandemia de coronavírus. Mas não está parada. Os principais festivais do Estado têm criado alternativas para driblar a impossibilidade de receber público e a diminuição no número de patrocinadores.
A Moenda da Canção, de Santo Antônio da Patrulha, estreia nesta quinta-feira (8) um modelo de evento que deverá ser seguido por outras mostras competitivas. Trata-se de uma alternativa que mantém a mostra presencial, com músicos e jurados no mesmo ambiente, mas sem plateia – o público poderá acompanhar as performances por meio das transmissões nas redes sociais.
Marcado para a última semana de novembro, o Musicanto, em Santa Rosa, deve seguir um esquema parecido. Além disso, a Califórnia da Canção Nativa, mostra mais tradicional do Estado, de 10 a 12 de dezembro, igualmente será realizada de modo virtual.
É uma solução diferente da tomada pela Coxilha Nativista de Cruz Alta, que abdicou de realizar a competição musical. Montada no final de julho, a Coxilha teve como foco a comemoração de 40 anos de história, com interpretações de clássicos dos festivais gaúchos
Por conta disso, o modelo lançado pela Moenda está sendo chamado de "híbrido".
– Estamos conseguindo manter a transmissão ao vivo, mas o público acompanha a distância. A sonorização no local será pequena, apenas para os jurados – explica Luciano Peixoto, presidente do festival.
A 34ª edição da Moenda da Canção começa às 21h. Para minimizar custos e reforçar a segurança sanitária, também não haverá os tradicionais shows de convidados especiais, que costumam atrair a atenção da comunidade.
A mostra competitiva, no entanto, reúne talentos de diferentes gerações.Nesta quinta, estrelas consolidadas como Luiz Carlos Borges, Sérgio Rojas e Vinícius Brum dividirão espaço com revelações recentes da música gaúcha: Gutcha Ramil, Juliano Barreto, Paola Kirst e Pedro Borghetti, entre outros nomes.
Na sexta, também a partir das 21h, Ângelo Franco, Clóvis Martinez e o grupo Chão de Areia são alguns destaques da programação. A grande final será no sábado, igualmente às 21h, com 12 selecionados dos 20 que se apresentaram nas noites anteriores. As transmissões serão realizadas a partir no canal do YouTube e na página do Facebook.
A premiação será simbólica, já que seria inviável captar os recursos necessários em tempo de pandemia.
– Cortamos custos de todas as partes. A ajuda de custo foi mantida, mas foi preciso cortar da premiação – explica Peixoto.
Como consequência da crise da pandemia, duas importantes empresas calçadistas que patrocinavam o festival foram fechadas em Santo Antônio da Patrulha. Com a debandada dos apoiadores, o evento precisou reduzir seu orçamento de R$ 280 mil para R$ 115 mil.
Para viabilizar as transmissões com o orçamento enxuto, o evento está apostando na mão de obra técnica local.
– Não há como trazer profissionais de fora. Mas essa experiência talvez traga um legado positivo, ao testar a autonomia de uma equipe exclusivamente local. É muito importante que a cidade seja estimulada nesse sentido – avalia Peixoto.
Musicanto
Tradicional palco para artistas inventivos da América do Sul, o Musicanto vem passando por uma remodelação desde a edição mais recente, em 2018. O festival de Santa Rosa passou por algumas descontinuidades na última década – antes da retomada, dois anos atrás, quando passou a integrar a programação oficial da Fenasoja, a última edição competitiva havia sido celebrada em 2012.
Apesar da pandemia de coronavírus ter motivado o cancelamento da Fenasoja, os organizadores afirmam que o 28º Musicanto está garantido. A data já está definida: será realizado entre 26 e 28 de novembro, no Centro Cívico e Cultural Antônio Carlos Borges.
Uma etapa regional estava prevista para ocorrer neste final de semana, mas foi adiada para ser realizada junto com a etapa internacional.
– Na etapa regional a gente costuma escolher duas músicas de autores da região de Santa Rosa para participar em pé de igualdade com os classificados da etapa latino-americana. Seria um evento para mobilizar a comunidade e realizar divulgação. No entanto, com as duas etapas ocorrendo juntas, otimizamos custos, já que haveria despesas de som e luz também para esse primeiro evento – explica Fernando Kaiber, presidente do Musicanto.
Redução de custos é mesmo uma das tônicas no momento. Esta edição do Musicanto foi projetada tendo em vista a possibilidade de usar a estrutura do parque de exposições da Fenasoja. Os organizadores têm em caixa R$ 240 mil, captados via lei de incentivo, que devem custear premiação e outras despesas dos músicos, e agora estão em busca de apoiadores para despesas de palco e transmissão que não teriam no parque – a estimativa é de que serão necessários entre R$ 100 mil e R$ 150 mil.
Em princípio, o evento deve ser realizado sem público, apenas com músicos e jurados no mesmo ambiente, a exemplo da Moenda da Canção, de Santo Antônio da Patrulha. Porém, se a legislação permitir, a organização considera abrir para o público. A estimativa é de que o espaço possa receber 300 pessoas em condições ideais de distanciamento social.
As músicas classificadas já foram divulgadas e contam com artistas do Rio Grande do Sul, Pará, São Paulo, Minas Gerais, Ceará e Maranhão. De fora do Brasil, há apenas uma composição, de uma autora uruguaia, que provavelmente não estará presente – um time de músicos do Brasil possivelmente representará os colegas uruguaios.
– O caráter sul-americano do Musicanto ficou prejudicado pela pandemia, que dificulta o trânsito de fronteiras. Mas músicos de diferentes regiões do Brasil estão mobilizados para trazer composições ao nosso palco – afirma Kaiber.
Coxilha Nativista
A Coxilha Nativista de Cruz Alta, que chegou à 40ª edição em julho, comemorou suas quatro décadas de atuação ininterrupta por meio de uma série de lives. Foi a maneira que a organização encontrou para não adiar o festival, mas também não colocar em risco músicos e plateia. Além de um show com uma banda fixa e convidados, também foi transmitido um documentário, em quatro partes de 10 minutos, sobre a trajetória do evento.
– A receptividade foi muito boa, conseguimos fazer com que o festival acontecesse nesse período, e marcamos seus 40 anos – avalia Leandro Dal Forno, Secretário de Cultura e Turismo de Cruz Alta.
Nas transmissões, houve releituras de canções que marcaram a história do festival, com intérpretes como Fabi Lamaison e Nando Soares. Além disso, também foram compartilhados vídeos pré-gravados com destaques como Shana Muller, Neto Fagundes e Quarteto Coração de Potro.
– Não acreditamos que seria adequado realizar uma mostra competitiva, pois naquele momento ainda era arriscado fazer com que os músicos viajassem para se apresentar no mesmo local. E seria injusto que competissem a partir de gravações, pois nem todos teriam igualdade em condições técnicas para defender suas músicas – avalia Dal Forno.
Sem a etapa competitiva, os custos se reduziram sensivelmente. Dal Forno estima que foram gastos cerca de R$ 30 mil – uma edição da Coxilha antes da pandemia poderia chegar a R$ 800 mil.
– O festival tomou uma dimensão muito grande nos últimos anos. Isso fez com que se tornasse um dos principais do Rio Grande do Sul. Foi uma conquista realizada com leis de incentivo, pois seria muito difícil que o município arcasse sozinho com esse valor – explica Dal Forno.
A ideia para o próximo ano é retomar a mostra competitiva presencial, dentro das possibilidades de segurança sanitária.
– Como a Coxilha é promovida pela prefeitura, e este é um ano eleitoral, fica difícil realizar previsões. Mas o festival é da comunidade e deve ter continuidade independentemente da administração eleita – diz Dal Forno.