
Saem os profissionais, entram os entusiastas. Assim estão as oficinas dos luthiers, técnicos que trabalham com reparos e fabricação artesanal de instrumentos musicais. Com o isolamento social, muita gente resolveu tirar aquele violão ou guitarra do fundo do armário, colocá-lo em dia e se dedicar ao antigo sonho de tocar suas músicas preferidas. É um novo público que vem modificando também o cotidiano de outros profissionais, como afinadores de pianos e professores.
Vinícius Braun, da Lutheria Braun, aponta que a demanda por instrumentos novos não aumentou, já que o público que procura a construção artesanal costuma ser especializado – iniciantes tendem a comprar itens fabricados em escala industrial, consequentemente mais baratos. Porém, a agenda por reparos está bastante disputada.
— O confinamento não está sendo fácil e nessas horas as pessoas estão lembrando daquele violão velho guardado em cima do roupeiro. O que mudou foi a nossa dinâmica de trabalho, estamos trabalhando em locais diferentes e pedindo prazos maiores para entregar os instrumentos — conta Braun.
Carlos Malluk, do Consulado da Guitarra, percebe uma radical mudança na clientela:
— Está aparecendo muita gente que um dia já tocou e agora está voltando, e também muitas pessoas que tentaram no passado aprender, desistiram e agora vão tentar de novo. Em compensação, o público profissional zerou. Não tenho ninguém que toca profissionalmente solicitando serviços no momento.
E não são apenas guitarras e violões que voltaram a chamar atenção nesta quarentena. Person Losekann Fontes, que trabalha com venda e afinação de pianos há mais de 30 anos, afirma que suas vendas estão 20% abaixo do normal, mas a procura por afinações, restaurações e regulagens está lotando sua agenda — e também a do filho Kevin, que presta os mesmos serviços.
— Minha agenda sempre foi cheia. Agora, não há mais os trabalhos para shows, recitais e concertos. Porém, em substituição, retornaram os clientes que há anos não afinavam. E ainda subiu a procura para restaurações, regulagens ou upgrades nos pianos. A maioria dos clientes que retornaram foi motivada pelo isolamento. Nas vendas, também há uma diferença em relação aos meses anteriores, que é a pressa para a entrega. São clientes que querem muita agilidade no prazo — diz Person.
Na semana passada, Person afinou um piano que há nove anos não era revisado, em Caxias do Sul — usualmente, seus clientes realizam afinações de seis em seis meses. Quem requisitou a visita foi Maurício Toscan Brandalise, técnico em tecnologia da informação. Aos 34 anos, jamais estudou música, mas sempre sentia o desejo de tocar piano quando via um instrumento em praças e parques no Exterior. O piano de Maurício já estava no apartamento para o qual sua família se mudou, em 2006. Por motivos pessoais, o antigo dono não quis levá-lo consigo na mudança. Em 2011, o irmão de Maurício começou a praticar música, realizou uma nova afinação, mas não levou adiante e estudo.

— Eu tinha o desejo de um dia praticar, até porque o piano estava ali, à disposição. O problema é que estava desafinado. No passado, um amigo começou a fazer aulas de música. Conversamos bastante, mas deixei de lado a vontade mais uma vez. Agora, com a pandemia, me dei conta de que realmente precisava me dedicar. Consegui um teclado emprestado enquanto esperava pela afinação e comecei a tocar.
Aulas
Maurício tem praticado exercícios a partir de materiais antigos do irmão, partituras encontradas na internet e aplicativos grátis, porém em breve quer começar a ter aulas à distância. Foi o caminho trilhado por Dilson Rosa Humbert, mecânico de 55 anos, que está se desenvolvendo no violão a partir do método à distância desenvolvido pelo instrumentista Marcello Caminha.
— Meu primeiro contato com violão foi aos 25 anos de idade, mais ou menos. O pouco que sabia aprendendo com revistas na época. Depois, com a chegada da internet, a partir de alguns sites. Sempre quis estudar mais, mas não tive oportunidade de ter alguém que ensinasse de verdade. Nunca havia feito nenhum curso online, mas resolvi encarar e me adaptei muito bem. Acho ótimo — avalia Dilson.

Professor de violão há mais de 20 anos, Marcello Caminha oferece aulas exclusivamente pela internet desde 2018, a partir da plataforma Academia do Violão Gaúcho. O músico observa que, desde o início da pandemia, um novo perfil de estudante começou a se destacar:
— O que está chamando atenção é o aumento pela procura do curso e que estão vindo para a Academia pessoas que jamais haviam tido qualquer experiência com o ensino online. Como nossa plataforma é 100% digital, algumas pessoas estão aprendendo duas coisas: além do conteúdo dos cursos, estão também se capacitando a estudar online. Essa fatia de público cresceu muito nos últimos meses.
Para Caminha, além de muita gente ter encontrado tempo livre para tocar por conta da menor demanda de compromissos presenciais, muitos despertaram para o potencial terapêutico da música com a pandemia:
— Quem convive com um instrumento musical está menos propenso à solidão e aos baques da transformação repentina no nosso cotidiano. O instrumento é nosso esteio, um dos nossos pontos de salvação, junto com nossa família e com nossos amigos. É um companheiro para sempre e para todas as horas.