2019 foi um ano e tanto para as mulheres na música: elas estão no topo de quase todas as listas de melhores discos da imprensa internacional. A revista Paste colocou mulheres nas 10 primeiras posições da sua lista de 50 melhores álbuns. Ariana Grande foi a melhor do ano para Billboard e Rolling Stone; Billie Eilish, da NME e do New York Times; Brittany Howard (do grupo Alabama Shakes), da NPR.
Entretanto, um nome pairou acima de todos: Lana Del Rey. Seu disco Norman Fucking Rockwell, abocanhou o primeiro lugar em pelo menos cinco dos rankings mais respeitados: The Guardian, Pitchfork, Q Magazine, Slant e Stereogum, além de figurar no top 10 de NME e New York Times, entre outros. Um levantamento da BBC com os 30 veículos especializados em música “mais influentes do mundo” revelou que Lana foi a artista favorita dos críticos em 2019. Para o Pitchfork, o novo disco a consolida como uma das maiores compositoras norte-americanas vivas.
Aproveitando o bom momento, Lana já anunciou o lançamento de um disco falado para o próximo sábado (4 de janeiro). E logo os fãs brasileiros vão poder vê-la ao vivo, como uma das principais atrações do Lollapalooza, que ocorre de 3 a 5 de abril.
No entanto, quando estourou em 2011, Lana del Rey – pseudônimo de Elizabeth Grant – foi rotulada como um personagem fabricado que não merecia seu sucesso, mera patricinha com uma obsessão fingida pela morte. A terrível performance no programa Saturday Night Live, antes de lançar o primeiro disco, cimentou a tese de fraude. E a imagem de mulher submissa que romantizava a violência parecia desconectada com a nova onda feminista.
Hoje, depois de oito anos e cinco álbuns, o consenso é de que Lana del Rey está no auge. Mas o curioso é que ela não mudou muito, continuou cantando baladas sensuais ambientadas em um universo visual que remete aos filmes de David Lynch: aquele território decadente americano de tédio suburbano e bailes de formatura – tudo visto através de um filtro retrô do Instagram. Coerente com suas obsessões, a cantora parece ter convencido a todos de que aquele personagem, no fim das contas, sempre foi ela mesma.
O álbum Norman Fucking Rockwell (Polydor, 2019, 14 faixas) foi o argumento final. Em seu quinto disco, Lana escreve e canta melhor do que nunca canções folk melancólicas e baladas ao piano. Ao longo do álbum, dá dicas de onde veio a inspiração: Crosby, Stills and Nash, Beach Boys, Joni Mitchell, Led Zeppellin, John Lennon e Eagles são citados.
Álbum de baladas
A primeira pista de que Norman Fucking Rockwell seria o disco do ano foi o single Doin’ Time. Trata-se de um cover de uma música do Sublime que usa como sample a clássica Summertime, de George Gershwin e DuBose Heyward. Na voz lânguida de Lana, a canção soa atual e empolga até quem já enjoou do refrão “summertime and the livin’ is easy”. Apesar de calma, é a música mais agitada e solar do disco.
Com mais de uma hora de baladas, o ritmo lento do álbum chega a cansar, especialmente nas músicas mais longas – Venice Bitch não precisava durar mais de nove minutos –, mas os ouvidos que insistem são recompensados com melodias tão sombrias quanto belas. A produção, mais sutil do que nos discos anteriores de Lana, é assinada pelo músico Jack Antonoff, da banda Fun.
Nas letras, há espaço para criticas ao sonho americano, como em The Greatest, que comenta sobre o aquecimento global e o culto às celebridades. Ao mesmo tempo, Lana não esconde seu fascínio pelo estilo de vida americano e, especialmente, pela Califórnia – estado que a novaiorquina adotou como lar. O disco é recheado de referências a locais como Laurel Canyon, Malibu, Long Beach e Venice Beach.
O assunto principal, entretanto, continua sendo relacionamentos com homens pouco recomendáveis. Em Happiness is a Butterfly Lana chega a perguntar qual o problema de sair com um serial killer. É uma fantasia estúpida, mas os versos funcionam tão bem que dá para relevar: Happiness is a butterfly/Try to catch it like every night/It escapes from my hands into moonlight (“A felicidade é uma borboleta/ Tento capturá-la toda noite/ Escapa das minhas mãos para a luz da lua”). Em Fuck it I Love You, Lana interpreta com total vulnerabilidade letras sobre drogas e sexo.
Um dos pontos altos é a faixa-título, que compara o artista Norman Rockwell, autor de pinturas que idealizam os Estados Unidos, a um ex-namorado com síndrome de Peter Pan: Goddam man-child/ You act like a kid even though you stand six foot two (“Maldito crianção/Você age como uma criança embora tenha 6,2 pés de altura”). Lana del Rey ainda tem um fraco por homens que a fazem sofrer, mas aqui ela encara o sujeito com condescendência e humor: Cause you’re just a man/It’s just what you do (“Porque você é apenas um homem/ É isso que faz”).
O folk Mariners Apartment Complex parece uma resposta para quem rotulou a artista de donzela em apuros: “Você tirou minha tristeza de contexto”, canta ela, antes de aludir ao clássico de Elton John sobre a princesa Diana: I ain’t no candle in the wind/I’m the board, the lightning, the thunder /Kind of girl who’s gonna make you wonder/ Who you are and who you’ve been (“Eu não sou uma vela ao vento/ Sou a prancha, o raio, o trovão/O tipo de garota que vai te fazer pensar/Quem você é e quem você foi”).
Lana intriga por transitar tão bem entre o mundo alternativo e o mainstream, bancando a lolita enquanto critica o status quo. Para ficar no imaginário dos filmes americanos de que ela tanto gosta, Lana del Rey é, ao mesmo tempo, a menina popular da escola e a esquisitona intelectual. É também a drogada da turma e aquela que está pegando todo mundo. Talvez seja hora de aceitar que alguém pode ser tudo isso ao mesmo tempo (e outras coisas mais).