Vivos! O nome da turnê que marca o retorno do 509-E aos palcos é muito mais do que uma referência ao ressurgimento de um dos mais importantes grupos de rap do Brasil. A palavra também celebra um momento especial nas trajetórias dos rappers Cristian de Souza Augusto (Afro-X) e Marcos Fernandes de Omena (Dexter): viver o que não foi possível durante os quatro anos de parceria.
A dupla sobe ao palco do Opinião nesta quinta-feira (10), às 23h, para celebrar os 20 anos de uma ação criada dentro de um cela da antiga Casa de Detenção de São Paulo — o extinto Carandiru — para uma noite em que promete reviver os clássicos dos discos Provérbios 13 e MMII DC (2002 Depois de Cristo), lançado em 2000 e 2002, respectivamente.
Os rappers se conheceram ainda na juventude nas ruas do Jardim Calux, periferia de São Bernardo do Campo (SP), e já haviam integrado grupos de rap. Dexter era membro do coletivo Tribunal Popular, enquanto Afro-X foi vocalista do Suburbanos. Contudo, foi no Carandiru que suas trajetórias se cruzaram de fato. Dexter foi condenado a 17 anos de prisão por sete assaltos à mão armada, e Afro-X cumpriu condenação de 14 anos de reclusão por dois assaltos à mão armada e estelionato. Na prisão, eles encontraram no rap um meio para transpor muros e narrar o cotidiano de violência no presídio.
Na porta da cela onde viveram por alguns anos, a inscrição 509-E foi o nome de batismo da dupla, que não demorou para fazer sucesso nas periferias e no mainstream, participando de premiações e de programas em grandes emissoras de televisão. Em 2003, após desentendimentos, o 509-E chegou ao fim. Já fora da prisão, Afro-X e Dexter seguiram em carreiras solo e ficaram quase 10 anos sem se falar. A reconciliação veio há cerca de dois anos
— Esse projeto vai bem além da música. É um encontro de amigos, tem um caráter familiar. Passamos por crises, acreditamos em uma melhora através dos sentimentos. Nos reencontramos, trocamos ideias, achamos que seria interessante viver o que não vivemos – conta Afro-X.
Os rappers estiveram na Capital no final de setembro para palestras na Cadeia Pública de Porto Alegre (novo nome do Presídio Central) e no campus Restinga do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS). Na pauta, temas como ressocialização, segurança pública, violência e encarceramento. As ações foram promovidas em parceria com o projeto Direito no Cárcere, coordenado pela advogada e jornalista Carmela Grüne. Com objetivo de resinificar a história do presídio, voluntários realizam atividades voltadas ao esporte, à música, à arte e à educação em direitos humanos, entre outros temas. Mais de 800 detentos em tratamento de dependência química na Cadeia Pública já foram atendidos.
Para Dexter, a sociedade estigmatiza o ex-detento ao invés de trabalhar por sua ressocialização. Por este motivo, iniciativas como o Direito no Cárcere são extremamente importantes.
— Passou pelo sistema, você vai carregar esse estigma pro resto da sua vida. E a sociedade obviamente não trabalha para uma suposta ressocialização. Falar de ressocialização em um país onde pessoas nem são socializadas é muito difícil. Pelo contrário, penso que, para o Estado, o sistema carcerário funciona muito bem. Pessoas presas custam dinheiro e se esse dinheiro não chega é porque vai pro bolso de alguém. Então é interessante que esse círculo vicioso perdure por anos. Agora, existem pessoas que trabalham para que o futuro do país seja mais ameno. E conseguem enxergar no sistema carcerário um problema e tentam ajudar de alguma forma. É uma luta desleal, mas ainda bem que é uma luta. Temos pessoas relevantes dentro dessa história que estão fazendo o que o Estado deveria fazer. Mas é óbvio que "ex-detento" será uma marca para sempre em nossas vidas, infelizmente.
Sobre a visita à Cadeia Pública, Afro-X afirma que foi um momento histórico onde as vidas dos rappers e dos detentos do presídio "se entrelaçaram":
— Nosso principal motivo era levar uma mensagem, um dia diferenciado, levar esperança. De repente, através das nossas atitudes a gente pode inspirar as pessoas para que acreditem que é possível, mesmo diante do caos, mesmo sabendo que o sistema não tem interesse em recuperar as pessoas – relata Afro-X. E desabafa: entrando na prisão, a gente começou a sentir o odor, o confinamento. Nem as autoridades conseguem entrar lá dentro (das galerias). É importante a gente ver que os seres humanos são tratados como lixos descartáveis.
509-E — Vivos!
- Quinta-feira, 10 de outubro, às 23h
- Opinião (Rua José do Patrocínio, 834)
- Abertura da casa: 21h30
- Ingressos: pista a R$ 80, R$ 45 (solidário, valor reduzido com a doação de 1 kg de alimento não perecível), e meia-entrada a R$ 40
- Pontos de venda: Multisom Iguatemi (sem taxa), Multisom Andradas (Andradas, 1001), Multisom Praia de Belas e Multisom BarraShoppingSul, Lojas Verse (Andradas, 1444 e Shopping Lindóia)