Antes de chegar ao local combinado para esta entrevista, Projota levou o que chama de "enquadro" da Polícia Militar de São Paulo na marginal Pinheiros. Oficiais pediram sua Carteira de Habilitação, perguntaram se não encontrariam nada de suspeito no veículo e sua profissão. Músico, ele disse.
Depois, como quem liga o rosto à pessoa, questionaram:
— Você tem nome artístico, né?
Reconheceram José Tiago Sabino Pereira como Projota. Estava liberado para seguir em frente.
— Quando eu era moleque, esses "enquadros" aconteciam pelo menos uma vez por semana — lembra o paulistano de 33 anos.
Lembranças, aliás, perpassam seu mais recente álbum, Tributo aos sonhadores I, com oito músicas inéditas. Já com clipe filmado sob direção de Gustavo Tissot, a faixa Celta Vermelho é totalmente autobiográfica e lineariza sua vida: Projota canta a saída do pai do Piauí, os estudos na escola pública, a perda de sua mãe, o abandono da faculdade para ser MC, a repulsa às drogas e ao álcool. E festeja sua conquista de 2005, quando comprou parcelado em 60 vezes o veículo que batiza a canção.
— Quando você vem da periferia, as pretensões não são absurdas. Você quer casar, ter filho, alugar um apartamento e comprar um carro. E tem gente que não consegue nem isso. Era minha ambição desde moleque. Cantar isso é dizer: "venci!"
Projota tinha uma pretensão mais nobre com a música - está nos versos "se esse som bateu forte no seu coração, sabe o que eu passei".
— Queria identificação com todo mundo. Essa música é para quem conseguiu, como eu, festejar. E para quem não conseguiu, ter esperança.
— Mas nosso país está mudando muito, as coisas vão ficando mais difíceis, né? Em 2005 era mais fácil financiar um carro, por exemplo. Era uma coisa meio pão e circo de facilitar para o povo e gerar felicidade. Mas dependendo da pessoa o celta vermelho é um curso, uma faculdade, uma viagem — compara, pontuando: — Mas o Brasil de hoje é mais desesperançoso para o jovem negro.
Esperança, para Projota, é um sentimento do passado, que remete aos idos da gestão do PT (Partido dos Trabalhadores).
— A esperança veio absurda com Lula. Tanto que eu apoiava antes. Hoje já é uma decepção. Fiz faculdade pelo Prouni (Programa Universidade para Todos), fiz muitos shows nos CEUs (Centros Educacionais Unificados), mas agora a palavra é decepção. Eles não podiam vacilar. Mas hoje, não tenho nem esperança. Fudeu mesmo. Está tudo muito confuso — reclama.
Eleitor de Ciro Gomes no último pleito, o músico criado no bairro de Lauzane Paulista, na zona norte de São Paulo, se incomoda com o extremismo entre esquerda e direita.
— O atual governo legitima atitudes contra os negros. É muito doido isso. Já vivi o racismo na pele. A minha negritude, eu vivi na rua. Agora, acham que podem falar o que quiser. Atacam da forma como querem. Tem gente morrendo! Estamos, com certeza, beirando o absurdo. Se essas pessoas fossem punidas...mas a Justiça no Brasil, como é? — pergunta, sem precisar de resposta.
O atual governo legitima atitudes contra os negros. É muito doido isso. Já vivi o racismo na pele. A minha negritude, eu vivi na rua. Agora, acham que podem falar o que quiser. Atacam da forma como querem. Tem gente morrendo!"
PROJOTA
Dia desses, Projota passou quase uma hora conversando com uma tia tentando convencê-la sobre o racismo estrutural. Seu próprio passado já serve de argumento.
— Estudava longe de casa no ensino médio e voltava de ônibus. O banco ao meu lado era sempre o último a ser preenchido. Isso é um absurdo. É triste. Você se sente mal. Nunca roubei nem experimentei maconha na vida. Eu pensava: 'eu sou um moleque tão bonzinho. Por que esse medo?
É aí que suas rimas ganham destinatários. Projota afirma que pensa na representatividade, porque precisa contar essas histórias para que outros meninos e meninas se identifiquem. Ele que diz que quer abrir um diálogo para que os preconceituosos escutem isso e reflitam que já agiram assim um dia:
— Todos podem crescer, amadurecer e corrigir os erros.
Nessa toada, ele divide seu repertório com faixas mais melódicas, com perfume romântico, e composições que remetem ao rap tradicional, que ele gosta de chamar de mensagem. Em Tributo aos sonhadores I, cinco são dessa linhagem.
As rádios, no entanto, não as digerem bem. Ele afirma que elas preferem as românticas.
— Tentei tocar Senhor presidente no ano passado e não consegui. Acho que o público não aceita bem. Mas é uma coisa que tem que ser colocada. Se não, nunca vai rolar mesmo. Consegui uma vez emplacar com O homem que não tinha nada, que é uma crítica social — conta ele, que tem Foco, Força e Fé (2014) e A Milenar Arte de Meter o Louco (2017) no currículo fonográfico.
Para Projota, aí está uma das explicações para o fato de que o rap sofre mais que os outros gêneros. Ele afirma que durante um tempo somente o seu rap romântico tocava nas rádios. Com o passar dos anos, lembra o músico, chegaram Rael e Emicida.
— A minha vantagem que isso é natural do meu trabalho, porque eu sempre fiz isso. Já ouvi muito que tinha me vendido pelo sucesso, mas já passou. Quando tinha 16 anos, eu falava que fulano tinha se vendido para o rádio.