Protagonista de uma cena de criadores que conquistaram um público para além do jazz, o californiano Kamasi Washington alçou o posto de renovador do gênero com The Epic (2015), um álbum – como dizer? – realmente épico com quase três horas de duração.
Na ocasião, o saxofonista era conhecido por ter colaborado no elogiado álbum To Pimp a Butterfly (2015), do rapper Kendrick Lamar, o que já dava uma dimensão da diversidade da atuação de Washington. Sua estreia como líder de banda chamou a atenção de uma gama de veículos, do New York Times ao site de música indie Pitchfork, para o qual The Epic é uma "carta de amor extravagante" para o soul jazz, John Coltrane e líderes do fusion dos anos 1970 como Miles Davis e Weather Report.
Depois do EP Harmony of Difference (2017), o músico retornou com um segundo e também frondoso álbum, Heaven and Earth (2018), com duas horas e meia de duração (seguido de outro EP, The Choice). Para divulgar o novo trabalho, Washington retorna ao Brasil e se apresenta pela primeira vez em Porto Alegre nesta terça-feira (26), no Opinião, acompanhado por Brandon Coleman (teclado), Miles Mosley (baixo), Patrice Quinn (voz), Ryan Potter (trombone) e dois bateristas: Tony Austin e Ronald Brunner Jr. No repertório, músicas do novo disco e dos anteriores.
Leia, abaixo, a entrevista concedida a Zero Hora.
O jazz tem uma história longa e diversa. Como você lida com essa batalha com a tradição para criar algo novo?
A verdadeira chave para criar algo novo é apenas ser você mesmo, porque nós somos novos (risos). Em todos os aspectos da humanidade fizemos uma ponte com os pilares que vieram antes para elevar cada geração. Estudamos a música que veio antes, e isso nos permite ir a um novo lugar. Ao mesmo tempo, a música vem da sua vida, das suas experiências. Há coisas que as pessoas que vieram antes de mim não experimentaram, como a internet. Se você colocar todas essas coisas na música, ela será diferente. Mas nunca olhei para isso como se estivesse tentando ser diferente, estou tentando ser eu mesmo.
Muitas pessoas hoje ouvem músicas isoladas ou em uma playlist, e não mais álbuns inteiros. O que há de mais fascinante no álbum como uma experiência de audição?
O álbum é como a história inteira. É a diferença entre um episódio e a série completa. Para mim, o álbum é uma declaração. Sei que as pessoas o experimentarão de várias maneiras. Algumas ouvirão uma música; outras, o álbum inteiro. Mas, para mim, sempre se tratou de criar a coisa mais bela que sou capaz de fazer. Ouvir essas músicas em uma certa sequência – esta canção e depois a próxima – faz uma grande diferença. Há pessoas como Kendrick (Lamar) e muitas outras que estão fazendo a mesma coisa. Há milhares e milhares de anos a música faz parte do que é ser humano. Atualmente, temos o negócio da música, que às vezes pressiona as pessoas a fazerem de certa maneira, mas não significa que seja a única maneira. Um grande álbum conta uma história. Sempre tentei fazer isso. As músicas são capítulos, mas o álbum é o livro.
Ao colaborar com Kendrick Lamar e se apresentar em festivais como Coachella e Glastonbury, você atrai um público para além do jazz. Identifica uma variedade de interesses musicais entre seus ouvintes?
Sim. Meu público não está necessariamente ligado a um gênero musical. Eu os chamo de cabeças musicais. Gostam de ir a lojas de discos olhar os vinis e apenas amam boa música. Não se veem ligados a um gênero musical. Conhecem os gêneros, mas apenas amam a música. Vejo essas pessoas em meus shows. Ao mesmo tempo, há fãs de jazz ou de hip-hop que, por qualquer motivo, gostam da minha música. Mas é a forma que o mundo está tomando agora. Lembro que, nos anos 1990 ou no fim dos 1980, as pessoas se ligavam a um estilo de música. Agora, a maioria tem um gosto mais eclético. Meu público é de pessoas que gostam de vários estilos musicais.
Qual é o próximo nível em seu desenvolvimento como músico e artista?
A questão sobre próximos passos é que você nunca sabe como serão (risos). Estou sempre tentando expandir minhas possibilidades. Tenho tentado me colocar em um lugar em que possa lidar com a música em que jamais pensaria. É uma tentativa de expandir minha mente e meus horizontes musicais. O aspecto mais belo da música é sua infinidade. Estou sempre tentando me beneficiar disso.
A tradição afro-americana é uma parte indissociável de sua criação musical. Você procura fazer uma espécie de declaração com seu trabalho?
Faço declarações com a música, mas de modo geral ela é mais um reflexo de mim mesmo e do que tenho feito com as pessoas ao meu redor. Faço música de uma forma muito coletiva, então também é um reflexo delas. Tento usar minha música para fazer o mundo melhor, se eu puder. Mas, no final, a música que faço é porque a acho bela e quero que exista mais do que qualquer coisa (risos). Tento introduzir ideias que aprendi na vida. Temos um ditado em Los Angeles que diz: "Cada um ensina um". Você aprende coisas sobre o mundo, compartilha esse conhecimento com as pessoas ao seu redor e, ao mesmo tempo, aprende com elas. Por causa disso, todos melhoramos.
KAMASI WASHINGTON
Nesta terça-feira (26), às 21h. Abertura da casa às 19h30min. Classificação: 18 anos.
Opinião (Rua José do Patrocínio, 834), em Porto Alegre.
Ingressos (segundo lote): R$ 100 (promocional, com a doação de um quilo de alimento não perecível na entrada do show) e R$ 180 (inteira).
Desconto de 50% para sócios do Clube do Assinante.
Ponto de venda sem taxa: Multisom do Bourbon Wallig.
Pontos de venda com taxa: lojas Multisom (shoppings Praia de Belas, Iguatemi, Bourbon Ipiranga, BarraShoppingSul, Total e Rua dos Andradas, 1.001) e no site blueticket.com.br.