Potentes vozes femininas tomaram conta do palco na entrega dos prêmios Grammy no domingo (10): Lady Gaga, Dua Lipa, Kacey Musgraves, Brandi Carlile e Cardi B foram premiadas por sua música, de diferentes gêneros, mas com uma missão comum: abrir o caminho para que outras mulheres continuem brilhando na indústria. Também foi uma festa que celebrou o rap, um gênero até então significativamente marginalizado pelo prêmio.
This is America, canção de Childish Gambino, repleta de críticas à violência armada e ao racismo nos Estados Unidos venceu como melhor canção e gravação do ano, a primeira vez que uma música deste gênero ganha nessas categorias. O álbum do ano foi para a cantora country Kacey Musgraves, por Golden Hour. Das quatro categorias principais, duas foram para Gambino, alter ego do ator Danny Glover, que não compareceu à cerimônia, e as outras duas para mulheres.
— As mulheres têm uma perspectiva única para a arte, a música, e é excelente ver que tivemos a oportunidade de sermos incluídas — disse Musgraves a jornalistas após a cerimônia. — É preciso que as mulheres tenham coragem de fazer uma arte que talvez não agrade a todos, mas que também leve outras pessoas a explorar e nos dar uma oportunidade.
Gambino encerrou a noite com quatro prêmios, assim como Musgraves. Lady Gaga e Brandi Carlile ficaram com três cada uma. Mas, para além dos prêmios, o desfile de vozes de mulheres foi para todas uma reivindicação.
— Deixemos que a vagina faça um monólogo — lançou Janelle Monaé em sua impressionante apresentação, tão boa quanto a de H.E.R. e Gaga, ou da anfitriã Alicia Keys, vencedora de 15 Grammys e a primeira mulher a apresentar este evento em 14 anos... e que obviamente não se limitou a apresentar os prêmios. Tocando de uma só vez dois pianos, apresentou um medley de "Canções que eu gostaria de ter escrito" no qual apareceram temas como Unforgettable, de Nat King Cole, e Killing Me Softly, de The Fugees.
Veja os destaques da noite:
Festa latina
A primeira apresentação da noite ficou por conta da cubana Camila Cabello. As origens da cantora foram celebradas no palco como uma homenagem aos imigrantes e também uma crítica aos desejos de deportação de parte dos americanos insuflados pelo discurso de Donald Trump. Para cantar Havana, ela convocou uma vizinhança latino-americana a ocupar o palco: o colombiano J. Balvin, o porto-riquenho Ricky Martin, o trompetista cubano Arturo Sandoval e o rapper americano Young Thug. O cenário parecia um bairro tomado pelos costumes desses imigrantes, onde J. Balvin, confortavelmente sentado em um banco de rua, lia um jornal que exibia a manchete "Construa pontes, não muros". Havana concorria na categoria de melhor performance pop, conquistada pela estrela Lady Gaga (Joanne - Where Do You Think You're Goin'?). Camila também perdeu para Ariana Grande em melhor álbum pop vocal.
A força feminina arranca aplausos
Desde os primeiros momentos da cerimônia, ficou claro que o tom político anti-Trump daria a tônica. Se não nos discursos, na própria valorização das minorias. Após Camila Cabello cantar a latinidade na abertura, a apresentadora Alicia Keys chamou ao palco quatro “irmãs” para ajudá-la a dar início à festa:
— Vocês não pensaram que eu ia fazer isso sozinha, né? — disse Alicia antes de chamar ao palco Lady Gaga, Jada Pinkett Smith, Michelle Obama e Jennifer Lopez.
Michelle foi recebida com uma ovação poderosa e precisou pedir a palavra à plateia entusiasmada:
— Temos um show para apresentar aqui — ela brincou.
O grande ausente
O músico, roteirista e ator Donald Glover fez história no Grammy com o trabalho de sua persona musical, Childish Gambino. This is America, canção que acendeu um debate interno e internacional sobre a violência armada e o racismo nos Estados Unidos venceu como melhor canção e gravação do ano — foi a primeira vez que uma música de rap a ganhar nessas categorias. Gambino encerrou a noite com quatro prêmios, mas não foi à cerimônia. A ausência motivou manifestação de Alicia Keys.
— Childish? Childish? — disse Keys ao sair do palco.
“Childish”, em inglês, significa infantil.
Pró-muro
A diversidade na premiação não ficou por conta apenas da presença de artistas latino-americanos, mas também das opiniões políticas. Divergindo do tom anti-Trump do show de abertura, a cantora Joy Villa "vestiu" sua adesão à sugestão segregacionista do presidente de construir uma divisória do país com o México: desfilou no tapete vermelho com um vestido branco estampado com o desenho de um muro. No pescoço, um colar que imitava arames que dificultam a ultrapassagem e, na mão, uma bolsa com o slogan que elegeu Trump. Houve quem entendeu a performance provocativa da cantora como uma forma de se destacar, já que ela não foi indicada em nenhuma categoria.
Na largada
Não houve mistério nem espera para que Lady Gaga recebesse sua recompensa. A gigante do pop, agora atriz consagrada, foi premiada logo no início da transmissão (a cerimônia já havia entregue, fora do ar, um bom número de outras categorias): Gaga levou os troféus de melhor performance em dupla por Shallow, de Nasce Uma Estrela, prêmio que divide com Bradley Cooper. Ela apresentou, ao lado de Mark Ronson, uma vibrante interpretação de Shallow ao vivo e também foi reconhecida como melhor performance pop, aumentando ainda mais as apostas para o Oscar, em que concorre como Melhor Atriz e também como Melhor Canção.
Dua Lipa, dupla premiação
A entrega do 61º Grammy serviu para consagrar o ano fenomenal da popstar britânica Dua Lipa. A cantora, compositora e ícone fashion (seu visual se tornou uma febre copiada à exaustão), que se tornou uma sensação primeiramente no YouTube e lançou seu primeiro disco, Dua Lipa, em 2017, foi escolhida revelação do ano, suplantando na categoria Chloe x Halle, Luke Combs, Greta Van Fleet, H.E.R., Margo Price, Bebe Rexha e Jorja Smith. Lipa também também recebeu um Grammy de melhor faixa dançante, por Electricity.
— Quero dizer obrigado a todos os meus fãs, que permitiram que eu fosse a melhor versão de mim mesma — disse a artista de 23 anos ao agradecer.
Cardi B desbrava o Clube do Bolinha
A performer Cardi B sacudiu uma das das áreas da música em que a predominância masculina é quase total: o rap. A jovem de 26 anos, vinda direto do Bronx, bairro de Nova York de demografia negra e latina considerado o berço do hip hop, furou a bolha desse Clube do Bolinha e foi a primeira mulher a ganhar sozinha a categoria de melhor disco de rap pelo álbum Invasion of Privacy.
Ela concorria apenas com homens — os rappers Travis Scott, Pusha T, Nipsey Hussle e o falecido Mac Miller —, o que fez a vitória aumentar sua emoção. Desconcertada ao ser anunciada, fez uma brincadeira com ares de seriedade:
— Acho que tenho que fumar maconha.
A cowgirl feminista
Foi a noite de Kacey Musgraves. Cinco vezes indicada ao Grammy, a cantora deu visibilidade especial ao country ao vencer a principal categoria da noite: levou o troféu de melhor disco do ano por Golden Hour, seu quarto disco de estúdio, concorrendo com Brandi Carlile, Drake, H.E.R., Post Malone, Janelle Monáe e com a trilha de Paterna Negra. A americana do sul dos Estados Unidos mistura elementos pop a um estilo tradicionalmente conservador e aborda temas comportamentais contemporâneos, como machismo e afirmação da mulher. Space Cowboy, que deu à cantora o reconhecimento de melhor música country, fala de uma mulher que não faz questão de ficar com um homem que deseja partir.
O terceiro troféu veio com Butterflies, em que ela se regozija com uma paixão que não aprisiona. No palco, ela participou da homenagem à veterana Dolly Parton e apresentou outra canção de seu álbum, Rainbow.
Fortes emoções nos tributos
Vibração e sentimento foram o centro das homenagens prestadas durante a cerimônia. Um dos episódios mais tocantes foi a aparição da diva da música black Diana Ross, que celebrou seus 75 anos cantando com os olhos marejados, mas a voz intacta.
— Vocês me deram os melhores anos da minha vida – cantava, emocionada, dirigindo-se à plateia, antes de encerrar sua apresentação com um efusivo: “Feliz aniversário para mim!”.
Katy Perry, Kacey Musgraves, Miley Cyrus e Marren Morris se uniram alternadamente no palco a Dolly Parton, 73 anos, para interpretar os hits da estrela country. Andra Day, Fantasia e Yolanda Adams cantaram para a lenda falecida Aretha Franklin, e Jennifer López celebrou em um show de suinge e ritmo o legado da gravadora Motown.
Drake critica o Grammy ao receber o Grammy
Um dos recordistas de indicações na noite, o rapper canadense Drake levou uma única premiação: melhor música de rap do ano para a canção God’s Plan, incluída em seu álbum mais recente, Scorpion. Drake surpreendeu ao aparecer no palco, contrariando a expectativa de que não estivesse presente, e fez um discurso crítico:
— Quero usar a oportunidade para falar com todos os jovens que estão assistindo e querem trabalhar com música. Trabalhamos com algo baseado em opinião, não em fatos. Estamos em um momento em que as pessoas às vezes não entendem o que você quer dizer. O ponto é, se tem pessoas que saem para comprar um ingresso para seu show, você já é um vencedor, você não precisa disso aqui — disse, levantando o troféu que havia recém recebido.
Homenagem a Chris Cornell
Chris Cornell, vocalista do Soundgarden morto em 2017, aos 52 anos, recebeu um prêmio Grammy póstumo por sua canção When Bad Does Good, do disco de mesmo nome lançado pela Universal no ano passado. Foi o terceiro prêmio Grammy entregue ao artista.
Cornell disputava o Grammy de melhor performance de rock com Arctic Monkeys, The Fever 333, Greta Van Fleet e Halestorm. Toni e Christopher, filhos do músico, receberam o prêmio. A viúva de Cornell, Vicky, também foi à cerimônia. Mais cedo, durante a chegada dos artistas ao tapete vermelho, Toni foi fotografada vestindo uma camiseta com o rosto do pai.