A música de Demétrio Xavier tem um ponto de partida muito bem definido. Basta ao ouvinte prestar atenção por alguns instantes nas vidalas, chacareiras ou milongas interpretadas pelo cantor para ser remetido às paisagens do Prata e outras regiões da América Latina. O Sul fundamenta a obra trabalhada por Demétrio, mas seu canto se expande também por outras direções.
Depois de um ano com shows frequentes em Porto Alegre e um disco elogiado pela crítica, o músico retoma neste final de ano sua carreira como apresentador de rádio e viaja pela primeira vez à Europa, onde pretende lançar as primeiras bases para uma carreira fora da América do Sul.
– Estarei em Madri, Andaluzia e Paris. Tenho conversado com alguns amigos músicos de lá, buscando espaço para me apresentar em alguns palcos. Não há nada muito estruturado, mas é um primeiro contato – avalia Demétrio, que partiu de Porto Alegre na semana passada e retorna em janeiro.
Há mais de três décadas, o músico iniciou sua trajetória em nível local de modo parecido, tocando em bares da Capital a partir dos 19 anos. Com três discos lançados, é reconhecido atualmente como um dos principais intérpretes do argentino Atahualpa Yupanqui. Demétrio canta em português, mas suas interpretações em espanhol, sem qualquer sotaque, já conquistaram audiências nos países vizinhos e também no Chile.
– Andei mais pelo Uruguai e pela Argentina do que pelo meu bairro – brinca o cantor, que cresceu na Cidade Baixa.
Programa de rádio voltou ao ar na internet
Mais do que representar o cancioneiro platino com seu canto, Demétrio se tornou também um divulgador de seus mestres e companheiros como apresentador de rádio. Em 2011, passou a integrar a grade da FM Cultura com o programa Cantos do Sul da Terra. Descontente com a extinção da Fundação Piratini, Demétrio decidiu tirar Cantos... do ar em junho deste ano. Mas já é possível continuar ouvindo indicações e comentários musicais do apresentador. O programa voltou, desta vez pela internet: de segunda a sexta, às 13h, no coletivo de radialistas Salve Sintonia.
Cantos do Sul da Terra também se tornou disco. Lançado em setembro, conta com 14 faixas, reunindo composições de Atahualpa Yupanqui, Victor Jara e Cuchi Laguizamon, entre outros, além de canções do próprio Demétrio. Também há participações dos argentinos Golondrina Ruiz (recitado), Laura Peralta (voz e percussão) e Raúl Noriega (percussão); da uruguaia Maria Elena Melo (voz); e dos brasileiros Marcelo Delacroix (voz), Marco Aurélio Vasconcellos (voz) e Daniel Wolff (violão). Na sua coluna em Zero Hora, o professor Luís Augusto Fischer considerou o disco “impressionante”. O jornalista e crítico Juarez Fonseca, por sua vez, elogiou sua “consistência”. O show de lançamento encheu o Theatro São Pedro, e a primeira tiragem do álbum, bancada pelo Fumproarte, está quase esgotada.
Demétrio costuma lotar a cada mês o Café Fon Fon, um dos espaço musicais mais tradicionais da Capital, com shows de voz e violão, ou melhor, de “gaucho y guitarra”, como gosta de dizer. Na plateia, há desde argentinos e uruguaios que moram há décadas no Brasil até adolescentes que mal sabem pronunciar duas ou três frases em castelhano, passando por casais de diferentes idades. Todos ouvem com silêncio respeitoso e mantêm a atenção mesmo quando Demétrio para de tocar para comentar alguma letra ou apontar alguma faceta pouco conhecida da obra de seus mestres. Nas primeiras mesas, há quem conheça todo o repertório e cante todas as canções junto com o músico.
– Muita gente vem me dizer que não ouvia música gaúcha ou que havia se afastado dela, mas foi resgatado pelo programa. Isso acontece também nos recitais. Seja como músico ou comunicador, talvez eu esteja lidando com o conceito do que é ser rio-grandino, que muitas pessoas estão percebendo ser algo mais abrangente do que parece – avalia Demétrio.