Max Cavalera compôs e gravou tantos álbuns de sucesso, por bandas e projetos diferentes, que pode ser considerado uma usina criativa da musicalidade extrema. Neste domingo (4), ele e o irmão Iggor voltam a Porto Alegre, contudo, para fazer uma viagem aos primórdios.
Em vez de apresentar o mais recente álbum do Cavalera Conspiracy, lançado no ano passado, farão uma jornada ao passado para executar clássicos dos discos Beneath the Remains e Arise, do Sepultura, ambos gravados à época em que os irmãos Cavalera despontavam para o sucesso mundial com a maior banda de heavy metal da história da América Latina. Max admite que a turnê, batizada 89/91 Era Special Setlist, é a forma encontrada pelos Cavalera para saciar o desejo de tocar Sepultura, diante da cada vez mais improvável reunião da formação clássica da banda, liderada desde as saídas deles pelo guitarrista Andreas Kisser.
Nesta entrevista, Max explica detalhes do show, comenta as suas outras prioridades musicais, como o novo lançamento do Soulfly, analisa a sua relação com a idade — ele está quase com 50 anos — e se diz "com fome" por lançar um "disco perfeito". O poço criativo de Roots Bloody Roots ainda não está satisfeito.
Como surgiu a ideia da turnê e por que escolheram os discos Beneath the Remains e Arise para batizá-la? Por que não, por exemplo, Arise e Chaos A.D. ou ainda Morbid Visions e Schizophrenia?
O Beneath the Remains e o Arise, musicalmente e tecnicamente, são bem parecidos. Uma fase de ouro do Sepultura, de 89 a 91, aquela mistura de trash metal com death metal. Foi o ápice dessa mistura. E resolvemos fazer os dois juntos porque tinham algumas músicas de encher linguiça, como Hungry e Subtraction. Na época do estúdio, a gente estava acabando de fazer o disco e tinha acabado a inspiração, mas tinha de colocar mais música no álbum. Acabamos escrevendo músicas meio de jogar fora...
Eu, particularmente, gosto muito de Subtraction (risos)...
Tem gente que gosta, mas no estúdio, na época, sentimos que era uma música de se jogar fora. A gente resolveu fazer agora uma turnê que teria mais as porradas, com as músicas mais endiabradas. Ficou um setlist forte, com as principais: Beneath the Remains, Innerself, Stronger than Hate. E as rápidas, tipo Primitive Future, Infected Voice. E também as experimentações, caso de Dead Embrionic Sells. Estamos bem afiados. O Iggor, como todo mundo sabe, toca muito rápido. O bagulho é na adrenalina. Eu sigo a bateria dele. Se você ver os vídeos daquela época, da turnê de 89, 90, e era tudo rápido, na energia. Foda. É parecido com isso. A gente queria traduzir para o público essa experiência de como era a gente ao vivo. Rápido, animal, selvagem e muita adrenalina. É Red Bull na veia. Logicamente continuamos com a parte da técnica, tem riffs que são bem difíceis. A gente ensaiou pra caralho pra fazer o bagulho direito.
Em um show no início deste mês na Bielorrússsia, apesar de a turnê ser dedicada aos discos Beneath the Remains e Arise, vocês tocaram três músicas de outros álbuns do Sepultura — Troops of Doom, Refuse/Resist, Roots Bloody Roots —, além de dois covers do Motorhead. Essa estrutura deve se manter nos shows do Brasil?
A gente queria mudar um pouquinho. O Motorhead eu acho que vai continuar porque é a banda que deu o nome Sepultura, isso veio do Motorhead. É uma das bandas mais legais do mundo e todos os três da formação original do Motorhead faleceram, infelizmente. Queremos continuar com essa homenagem a eles. Mas, nas outras músicas, talvez a gente mude um pouquinho. Aí em Porto Alegre poderemos ter músicas diferentes para tocar.
Você e o Iggor fizeram recentemente a turnê "Return to the Roots" para marcar os 20 anos do álbum mais experimental e conceituado do Sepultura pelo mundo. Já que o Sepultura nunca teve a tão falada reunião entre os irmãos Cavalera e o Andreas Kisser (guitarrista remanescente do Sepultura), vocês estão optando por tocar os clássicos da banda em turnês separadas e lideradas por vocês?
É a maneira que conseguimos fazer para agradar a gente e agradar os fãs também. E isso acaba ajudando a gente muito no nosso trabalho. Por exemplo, o Psychosis (quarto disco de estúdio do Cavalera Conspiracy) foi feito depois da turnê do "Return to Roots". Foi um disco realmente afetado por aquela turnê. O "Ritual" (novo disco de estúdio do Soulfly) foi feito depois da turna do Nailbomb (projeto musical paralelo de Max), também afetado por isso. É aquela coisa legal das turnês, elas acabam tendo uma forte influência nos trabalhos do futuro. O passado da gente é tão forte, tão rico, com tantos discos legais. Eu adoro Morbid Visions, Bestial Devastation e Schizophrenia (três primeiros discos do Sepultura), eu queria até fazer (turnês) (d)eles no futuro. O Chaos A.D. também, logicamente. Por enquanto, estamos mais ligado no Beneath the Remains e no Arise. E no disco novo do Soulfly, o Ritual, que saiu do caralho. São as melhores críticas que recebi há milhões de anos (risos). Tem que aproveitar, isso não é todo dia que acontece. E vamos fazer bastante turnê em cima disso no ano que vem. Os shows que fizemos agora do Beneath the Remains e Arise, que foram na Rússia, e agora na América do Sul, são coisas bem especiais, exóticas, não vão rolar o tempo todo. Acho que nem vamos levar isso aos Estados Unidos.
Quando você e Iggor se reaproximaram (os irmãos Cavalera ficaram brigados por 10 anos após Max deixar o Sepultura), ele estava mais inclinado a fazer coisas novas e viver de outros estilos de música. A volta da parceria entre vocês fez com que ele se mantivesse no heavy metal. Qual o futuro dos irmãos Cavalera na música? O Cavalera Conspiracy e o Soulfly seguem em frente?
Tocar metal com o Iggor, pra mim, é coisa da veia. Começamos juntos há 30 anos. Nunca perdemos nosso amor pelo metal. Eu respeito o Iggor por ter ideias diferentes, experiências em outros tipos de música. Ele faz o MixHell, que é mais eletrônico, tudo mais barulheira eletrônica. O Iggor sempre foi dessa praia de gostar de coisas diferentes. Eu sou mais conservador, sou metal. Gosto das bandas de trash metal, death metal. Gosto muito de coisa nova que está rolando hoje em dia no cenário mundial de metal. Mas, quando nos juntamos para fazer coisas juntos, é muito legal. O Psychosis, para mim, é o disco mais legal que o Cavalera Conspiracy já fez até hoje. Eu colocaria ele pau a pau com o Arise. Acredito muito na força desse disco, só ainda não deu tempo de fazer turnê em cima dele. Ano que vem a gente vai tentar pegar uma turnê americana e europeia do Psychosis. O legal é que a gente continua com tesão em tocar metal. Eu continuo com a minha busca pelo disco mais foda do mundo feito por mim até hoje. Eu acho que esse disco não veio ainda, apesar de ter feito muitos trabalhos legais. Eu estou com fome, na caça desse disco perfeito. Tá pra vir ainda. Eu adoro o que faço. O metal pra mim não é hobby. É estilo de vida.
Você, ao longo da carreira, escreveu diversas letras de cunho político. Mesmo morando nos Estados Unidos, como avalia o momento do país e a eleição de Jair Bolsonaro?
É um pouco difícil de comentar, eu sou meio ignorante, não conheço os candidatos. Eu sei que rolou muita coisa ruim. O Lula indo preso, o PT, a roubalheira. Acho que o pessoal tá de saco cheio. Isso acontece no mundo inteiro. Chega um limite em que as pessoas não aguentam mais. E aí precisa de mudança. Para opinar, fico meio como hipócrita, não vivo aqui. Mas eu fiz uma música nesse disco novo do Soulfly que se chama 'Evil empowered' (Mal com poderes), que é sobre a corrupção. Todos os que viram presidentes ou líderes, eles meio que sofrem a doença da corrupção. Eu odeio política, odeio políticos. É muito raro ver um honesto. Ao mesmo tempo, eu quero o melhor para o Brasil. Eu acho que o Brasil mudou muito desde a época em que morei aqui (saiu do Brasil no início dos anos 90). Tá bem mais avançado, as cidades estão maiores, com mais estrutura.
Em Arise, o Sepultura registrou, no início da década de 90, o refrão "Eu vejo o mundo velho/Eu vejo o mundo morto" (Isee the world old/I see the world dead). Essa sentença continua atual?
O tempo passa, mas as coisas continuam as mesmas. A história se repete. As ideias são velhas, antigas, antiquadas. E a gente vê o mundo morto, sem muita possibilidade de esperança. É uma música feita há mais de 20 anos, mas que continua, até de forma meio profética, soando como se tivesse sido feita ontem. Tem música que você faz, você ouve, e diz 'isso aí não tem nada a ver com o hoje em dia'. Mas tem músicas que não são assim. Tem casos em que acontece o contrário. Quanto mais o tempo passa, mais ela fica verdadeira de acordo com o momento que se vive. O mundo inteiro está velho e morto. É muita crise em tudo quanto é lugar.
Como é envelhecer ao longo de décadas na música e se manter como um cara que respira o heavy metal, com todo o estilo típico de ser e vestir da rebeldia? É curioso que você gravou, recentemente, a música "We sold our souls to metal" ("Nós vendemos nossas almas ao metal") no disco Archangel, do Soulfly. A sensação é de que você não quer mudar um milímetro do que você é mesmo com o passar do tempo...
Eu sou inspirado em ídolos como o Lemmy (Kilmister, ex-vocalista e baixista do Motorhead), o Ozzy (Ousbourne, vocalista), que são caras do metal pra sempre. Nunca mudaram. Eu me vejo na praia desse povo. Quero fazer isso pra sempre. Eu não penso muito nesse lance de idade. Eu tenho 49 anos, mas minha alma é de 15, de moleque mesmo, de fã de rock, de fã de metal. Adoro fazer parte do underground. Para mim, o importante é continuar fazendo o que eu amo, do jeito que eu gosto. Tô pouco fodendo para o que as pessoas acham. Essas coisas de que uma pessoa que envelhece deve ficar careta, parar de ouvir música. Não tem isso, não. Coisa de escroto, pessoal sem imaginação.
Na sua autobiografia, você conta sobre a infância em Belo Horizonte, a mudança da família para São Paulo e questões familiares como o falecimento do seu pai. Tudo parece ficar mais emocional quando você aborda o período em que deixou o Sepultura, depois da turnê de Roots. Escrever a autobiografia foi um desabafo?
Foi uma coisa bem terapêutica. E de exorcismo. O primeiro disco do Soulfly (após Max deixar o Sepultura) também foi um ato de exorcismo. Eu tava exorcizando um monte de demônios naquele disco. Por isso que saiu tão legal. O livro serviu pra isso também. Sobre o livro, eu acho que a simples informação as pessoas podem conseguir na internet. Vai no Google e pode ter todos dados a meu respeito. Não era isso que eu queria contar. Eu queria que a pessoa sentisse como estava o Max nessa época do rompimento com o Sepultura. Ou na morte do meu pai, quando eu comecei a gostar de música, quando comecei a escrever música, o sentimento que eu tinha ao vivo. É isso que eu queria passar. E as conquistas que a gente conseguiu. Era a gente contra o mundo praticamente. E as histórias doidas, né: vomitando no Eddie Vedder (Pearl Jam), deixando o Lemmy puto. São histórias de verdade que aconteceram. São histórias que eu queria contar e que você não acha na internet. O livro é mais pro lado do sentimento, de sentir o que eu senti, expressar isso ao fã. Acho que saiu bem honesto, bem feito. É uma leitura boa pra quem quer passar o tempo e saber mais.
Ao mesmo tempo, a autobiografia lhe trouxe algumas dores de cabeça e dissabores, como processos judiciais e críticas. Há avaliações de que você foi, no mínimo, deselegante com o Paulo Jr. (baixista do Sepultura) e principalmente com a Monica Cavalera (ex-produtora do Sepultura e ex-cunhada de Max, a quem ele proferiu ofensas). Se arrepende de algo? Se estivesse escrevendo agora o livro, faria algo diferente?
Acho que sim. Apesar de ser a verdade, de ser o que eu sinto sobre esses assuntos, se eu tivesse fazendo hoje, eu deixaria de lado. Não colocaria esses lances. Foi muita dor de cabeça que veio à toa. Eu não precisaria ter dito essas coisas. Foi meu único arrependimento. Essas duas coisas, com certeza, hoje eu deixaria de lado.
Com as novas tecnologias, a globalização, o Spotfy e o YouTube, além das características das novas gerações, a sensação é de que a aglomeração em torno de grandes estrelas pop é cada vez maior. E o heavy metal, talvez, esteja se encaminhando para um gueto menor do que o sempre habitou costumeiramente. O surgimento de novas bandas de sucesso é difícil. Qual o futuro do heavy metal? Ele vai sobreviver?
O heavy metal sobrevive a qualquer coisa. O heavy metal não se mata fácil. Enquanto você tiver alguém com raiva, numa garagem e com uma guitarra, o metal vai estar vivo. E isso tem em tudo quanto é lugar do mundo. A gente tá conversando agora e certamente tem um moleque numa garagem ou num quarto, puto da vida com uma guitarra e fazendo alguma coisa legal. Vai ser o futuro Max Cavalera, o futuro James Hetfield, o futuro Ozzy. É uma roda que nunca vai parar. O metal é pra sempre.
Você e o Iggor aprenderam a tocar na marra, sem aulas, por exemplo. Na sua autobiografia, você diz que o Iggor começou a tocar bateria na banda da torcida organizada do Palmeiras. Qual a diferença da tua iniciação musical e da dos teus filhos (Zyon e Igor), que já nasceram dentro do mundo da música?
O Iggor começou tocando bateria lá no Palmeiras. Ele nasceu baterista. Quando Deus fez ele, deu o dom de tocar bateria. Eu sempre achei isso. Ele nunca teve uma aula de bateria na vida inteira. E ele é um baterista dos mais foda do mundo. A gente aprendeu tudo na marra mesmo. Eu peguei aula de violão que durou uma semana. Mandei o cara tomar no cu. Ele queria me ensinar jazz, coisas que eu não queria na época. Eu queria tocar Black Sabbath. Eu disse 'me ensina Black Sabbath'. E o cara me disse que Black Sabbath era porcaria. Porcaria é você, vai se foder, nunca mais quis ter aula com aquele cara. Acabei aprendendo sozinho. E meus filhos até que são bem parecidos. O que difere é a questão da tecnologia, mas eles cresceram comigo na estrada, aprenderam tudo com a gente, vendo a gente tocar ao vivo todo dia. Eles nunca tiveram aula de música. É tudo aquela coisa do sangue, do DNA musical mesmo. O Zyon tá tocando pra caramba, é um grande baterista. É tudo na garra, na paixão e amar a música. A nossa família é metal.
SERVIÇO DO SHOW
Local: Opinião (Rua José do Patrocínio, 834).
Quando: domingo, dia 4 de novembro, às 21h. A partir das 20h, show de abertura com a banda Diokane.
Ingressos
1º lote
Inteira - R$ 150,00
Solidário - R$ 120,00
Meia - R$ 75,00
2º lote
Inteira - R$ 180,00
Solidário - R$ 140,00
Meia - R$ 90,00