Nesta quinta-feira (30), estreia no circuito comercial o longa metragem Yonlu - O Filme, baseado na história do jovem músico porto-alegrense Vinicius Gageiro Marques (1990 – 2006). Yoñlu, pseudônimo que o adolescente de 16 anos usava na internet, cometeu suicídio ajudado por outras pessoas via chat virtual.
Veja a matéria que Zero Hora publicou sobre o disco póstumo do músico.
De Gabriel Brust
Yoñlu passou os primeiros anos da adolescência fechado em seu quarto, em um apartamento da Zona Norte de Porto Alegre. Diante do computador, fez, ao redor do mundo, os amigos que não tinha no cotidiano. O garoto quieto, filho de uma família de classe média, tirou a própria vida numa tarde do inverno de 2006.
Seria apenas uma história triste, não tivesse Yoñlu deixado, além da carta de despedida, uma vasta e intrigante produção artística. Complexa demais para um garoto de 16 anos.
Produção que inclui fotografias, desenhos e – a descoberta mais recente – cerca de 60 músicas gravadas em seu computador. Os anos fechado no quarto, encarnando diante do mundo virtual o pseudônimo Yoñlu, renderam bem mais do que até mesmo as pessoas que conheciam o talento nato de Vinicius Gageiro Marques poderiam imaginar. Com a carta, ficou também um CD. A partir dele, em uma busca no computador do garoto, seu pai descobriu não apenas outras dezenas de canções como também o mundo paralelo de Vinicius, o mundo de Yoñlu, que era personagem conhecido em sites que reúnem artistas do mundo todo, mentindo ter 26 anos. Ali ele mostrava suas músicas, fotos e desenhos e trocava experiências. Uma das trocas rendeu a parceria com um DJ escocês. Juntos, mas pela internet, compuseram a canção Deskjet Remix – a faixa número 10 do disco de 23 músicas que deve chegar às lojas em fevereiro, lançamento do selo goiano Allegro Discos.
Deskjet Remix, pelas mãos do escocês, chegou a tocar em festas eletrônicas de Londres e demonstra um dos lados mais fascinantes da música de Yoñlu: a universalidade. Canções que integram o álbum, como The Albatross, Tiger e Waterfall, remetem ao que de mais vanguardista e experimental se faz em termos de rock no mundo hoje.
As referências às vezes ficam mais escancaradas do que deveriam — Radiohead é a que mais salta ao ouvido —, o que é compreensível para alguém de 16 anos.
— Apesar das referências, ele tem uma assinatura. E é uma coisa que a gente passa a vida tentando fazer e não consegue — afirma o músico Arthur de Faria, uma das primeiras pessoas a ouvir as canções de Yoñlu e quem intermediou o lançamento do disco pela gravadora.
O experimentalismo dá o tom na maior parte das canções, mas o disco também revela um músico conhecedor de formas tradicionais, de voz e violão em alguns momentos, de valsa ao piano em outras. Vinicius aprendeu a tocar bateria aos quatro anos. Depois violão, piano. Foi alfabetizado em francês — durante viagem dos pais para fazer mestrado na Europa — e aos 12 estava lendo Kafka. Fluente em várias línguas, era em inglês que preferia se expressar — tanto nas conversas na internet quanto em suas letras.
Apenas uma das canções, Mecânica Celeste Aplicada, é em português, escrita para uma amiga do interior do Estado que não chegou a virar namorada.
— Você vai ouvindo o disco e fica difícil acreditar que um garoto de 15, 16 anos, sozinho no quarto, possa ter feito tudo isso — afirma o crítico musical Juarez Fonseca, no texto de apresentação do CD.
Não era fácil penetrar no mundo particular de Yoñlu. A maioria só conhecia o Vinicius que colocava um cartaz na porta do quarto, onde se lia “gravando”. Uma vez chamou a mãe para ajudar em uma das canções. O aparelho nos dentes o impedia de gravar o assobio melancólico da melodia de Tiger. A tristeza de sua música, segundo o pai, advém de uma capacidade de catalisar as "influências inconscientes da nossa época".
— Nos anos 1960, a música se reinventou num mundo de fé, utópico, carnavalesco. A diferença, 40 anos depois, que vamos encontrar nele e em outros artistas, é que é outro tom. É melancólico — afirma Luiz Marques, professor universitário e ex-secretário de Estado da Cultura.
O desconforto de Yoñlu em relação ao mundo, exposto em fóruns de discussão pela internet, parecia não afetar Vinicius no cotidiano.
— Passei a vida toda lendo humanismo. Mas se teve alguém que encarnou o humanismo foi ele, que nunca falava mal de ninguém, sendo absolutamente solidário e sensível — descreve o pai.
Em 26 de julho de 2006, Yoñlu e Vinicius se encontraram. Deixaram as músicas "quase como um consolo", segundo o pai. Foram coerentes com a definição que Yoñlu dava sobre o poder da música:
— A cadência e a harmonia certas no momento certo podem despertar qualquer sentimento, inclusive o de felicidade nos momentos mais sombrios.
* Matéria publicada em 24 de janeiro de 2008