Nesta quinta-feira (30), estreia no circuito comercial o longa metragem Yonlu - O Filme, baseado na história do jovem músico porto-alegrense Vinicius Gageiro Marques (1990 – 2006). Yoñlu, pseudônimo que o adolescente de 16 anos usava na internet, cometeu suicídio ajudado por outras pessoas via chat virtual.
Veja matérias que Zero Hora publicou sobre o caso à época do acontecimento.
Gaúcho tem morte assistida pela Internet
Adolescente de 16 anos é orientado por internautas no momento do suicídio em um apartamento da Capital
* Por Carlos Etchichury. Publicada em 10 de agosto de 2006
Aos 16 anos, um garoto planejou o dia, a hora e o local de sua morte.
Ela ocorreria no dia 26 de julho, a partir das 11h, no banheiro do apartamento onde morava com seus pais, em Porto Alegre.
Durante a execução do plano – anunciado no blog que mantinha na Internet –, o adolescente contou com a ajuda de participantes de um fórum de discussão na rede mundial de computadores. É a primeira vez que se tem notícia no Brasil de um suicídio estimulado, e assistido, por internautas de diversos cantos do mundo.
A morte abalou uma família de classe média da Capital, pôs psicólogos e psiquiatras em alerta e chamou a atenção da Delegacia da Criança Vítima e da Polícia Federal para um fenômeno raro no país.
Tudo aconteceu no interior de uma residência no bairro São Geraldo. A pedido dos pais e até este momento, Zero Hora preserva o nome do adolescente e de sua família, mas revela uma história que serve de alerta.
Considerado genial pelos amigos, o garoto contava com acompanhamento de um psicanalista. Nas suas conversas pela Internet, em especial no blog que alimentava com pequenos textos escritos em um inglês irretocável, o garoto falava sobre músicas, filmes, mulheres, frustrações. A relatividade da vida e dos problemas existenciais também era tema freqüente.
Além do blog, ele participava de fóruns virtuais de discussão. Em um deles, fez amigos e se tornou conhecido pelo talento incomum para compor músicas — uma das paixões de sua vida.
Mas na Internet, como se sabe, há de tudo. E assim como suas habilidades artísticas tinham vazão, o seu lado confuso e depressivo também encontrava abrigo em salas de bate-papo e fóruns que discutem o suícídio.
Em um deles, o adolescente deparou com pessoas que o incentivaram a levar adiante a idéia de suicídio e o abasteceram com dicas sobre a forma considerada eficiente para se matar. Fizeram mais: acompanharam, em tempo real, o momento de sua morte.
ZH teve acesso a trechos das conversas em um site. Um mês antes da morte, o garoto pediu orientações sobre o método mais fácil para cometer o suicídio. Quatro pessoas opinaram.
A troca de informações seguiu até o dia do suicídio. Em seu blog, ele anunciou que se mataria a partir das 11h do dia 26. Três horas mais tarde, às 14h18min, o adolescente escreveu no site que reúne suicidas:
— ... eu tenho duas grelhas queimando no banheiro. Aqui está (uma foto é postada para que os demais usuários da rede visualizem), alguém por favor pode me dizer ... quando eu posso entrar no banheiro e deitar? Por favor, me ajudem, eu não tenho muito tempo.
Ele temia que os pais retornassem e não desse tempo para concluir o plano: morte por intoxicação. As respostas aos seus questionamentos primam pela frieza. Ninguém se dispõe a demovê-lo da idéia — questionável sob qualquer aspecto, ainda mais em se tratando de um garoto de 16 anos... Pelo contrário. As mensagens postadas em seguida têm sentido oposto. Às 14h42min, uma pessoa escreve:
— Como você está se virando? Espero que você consiga o que você quer. Talvez você vá voltar em um momento tossindo.
Dois minutos depois, o garoto retorna ao computador. Ele reclama do calor.
— Eu não suporto esse calor. O que eu devo vestir para tornar isso mais suportável? O QUE EU POSSO FAZER? ? ? Pelo amor de Deus alguém por favor me ajude.
Às 15h11min, o mesmo internauta alerta para os riscos oferecidos a terceiros.
— Isso pode afetar seus vizinhos...
Horas mais tarde, alguém dá uma opinião:
— Acredito que funcionou (o suicídio) já que ele não tem estado em contato...
Uma canadense consegue avisar a polícia do seu país sobre o que se passa no Brasil. A Polícia Federal é informada, mas quando PMs são enviados ao apartamento já é tarde. O adolescente estava sem vida.
Telefonema do Canadá alertou a Polícia Federal
* Publicada em 10 de agosto de 2006
O relógio marca 15h45min quando o telefone toca na assessoria de Comunicação Social da Superintendência da Polícia Federal, na Capital.
— Alô — diz, em inglês, um agente federal sabendo que o interlocutor é um canadense.
Do outro lado da linha, em tom grave e convincente, um homem se anuncia:
— Aqui é o policial Ken Moore, da Polícia de Toronto, no Canadá. Estou na linha com uma jovem que fez uma denúncia de que um garoto está se suicidando neste momento, em Porto Alegre. Ela me passou alguns dados e números, mas não sei traduzi-los.
Ao ouvir os dados, o policial percebe que se trata do endereço de uma residência, inclusive com CEP, e de um número telefônico.
Para dar mais detalhes, Moore coloca na linha Lindsey, a jovem denunciante. Ela, Moore e o agente federal fazem uma breve teleconferência, na tarde de quarta-feira, dia 26 de julho.
— Eu o conheci em um fórum de discussão de música, pela Internet. Ele anunciou o suicídio no seu blog e agora está se matando — conta a universitária Lindsey, 23 anos.
Em fração de segundos, histórias trágicas de japoneses que se suicidam em grupo pela Internet vêm à mente do agente de 29 anos. E por mais inverossímil que pareça uma ligação da polícia canadense anunciando um suicídio em um apartamento em Porto Alegre, o servidor não hesita.
Antes de desligar, o agente formado em jornalismo e acadêmico de Medicina anota o e-mail e o telefone de Lindsey, em Toronto, e diz:
— Você pode ligar dentro de uma hora para saber o que aconteceu.
Sem perder tempo, ele informa a Brigada Militar, que envia uma equipe ao local, no bairro São Geraldo.
Lá, os PMs encontram um adolescente sem vida. Estudante de um colégio tradicional, o menino se matou no banheiro da casa onde morava com os pais. Cerca de 40 minutos mais tarde, Lindsey, em Toronto, liga para a PF gaúcha. É atendida pelo mesmo agente. Ele agradece o esforço da canadense, mas informa a morte.
Lindsey: jovem que avisou a polícia gaúcha sobre a intenção do adolescente de cometer suicídio
* Publicada em 10 de agosto de 2006
A jovem Lindsey, estudante de Antropologia na Universidade de Toronto, no Canadá, lamenta não ter conseguido avisar as autoridades a tempo. Foi ela quem alertou a Polícia de Toronto, que por sua vez informou a Polícia Federal, na Capital, sobre um suicídio em curso de um garoto de 16 anos, no bairro São Geraldo. Aos 23 anos, ela dialogava com o gaúcho havia dois meses pela Internet. Os dois frequentavam salas de bate-papo onde falavam sobre música e outros assuntos. Ontem, Lindsey deu uma entrevista a Zero Hora pelo MSN, programa de mensagens instantâneas. Confira trechos da conversa:
Quando você o conheceu?
Lindsey – Há alguns meses, não muito. Eu nunca falei diretamente com ele. Escrevíamos no mesmo fórum, apenas. Eu postei no mesmo quadro de mensagens que ele postava, mas nunca falei com ele no MSN.
Como você percebeu que ele pensava em se matar?
Lindsey – Ele começou a fazer comentários sobre como ele planejava se matar. No começo, a maioria de nós (outras pessoas que também frequentavam a mesma sala) pensou: "Bem, é apenas um adolescente".
Quando você o levou a sério?
Lindsey – Ele começou a falar mais sério sobre isso, e aí descobri com alguém na sala de bate-bapo que ele estava postando em outras salas sobre suicídio. Todos nós começamos a nos preocupar e realmente não sabíamos o que fazer.
Havia muito tempo que ele falava nisso?
Lindsey – Um amigo disse que ele estava para baixo em abril passado. Eu acho que nenhum de seus amigos (em Porto Alegre) sabia desta realidade. É muito mais fácil falar sobre seus sentimentos online. Você não fica com vergonha. Mas nem sempre funciona para o bem. Há pessoas que até nas "boas" salas de mensagens podem ser cruéis.
Outras pessoas avisaram a você sobre o que ele estava escrevendo?
Lindsey – Sim. Essas pessoas, que ele não conhecia na vida real, mostraram as ameaças. Nós precisávamos descobrir onde ele morava para dizer à polícia aonde ir.
Como você conseguiu o endereço dele para passar aos policiais?
Lindsey – Um outro amigo certa vez enviou um pacote para o endereço dele, em Porto Alegre. Era um CD. Nós presumimos que ainda seria o mesmo endereço.
O que você achou da ação da polícia?
Lindsey – Estou satisfeita que alguém tenha me levado a sério, mesmo que não tenham conseguido em tempo.
Você leu as mensagens que ele escreveu em um fórum no momento em que estava se matando?
Lindsey – Eu as vi e aí, quando consegui o endereço, chamei a polícia. Ninguém que eu conheça posta aquele tipo de coisa.