Mais suave, porém ainda visceral e escrachado, o terceiro disco da banda Carne Doce foi lançado na semana passada. Intitulado Tônus, o álbum foi selecionado pelo projeto Natura Musical – edital 2017 com apoio da Lei Rouanet. Nessa empreitada, o grupo goiano segue embaralhando indie rock com MPB e letras que vão direto ao assunto.
Não há eufemismos ou metáforas para expressar vulnerabilidade, introspecção e desilusão, como em Nova Nova (“Te deixando apaixonado/ Te deixando só a dor/ E aí você vai entender/ E aí, enfim, se vê em mim”), ou abordar o erotismo, caso de Amor Distrai (Durin) (“Porque eu só gozo assim/ Em alto e bom som”).
São relatos íntimos, cavoucados em experiências pessoais.
– Busco muita inspiração em minhas vivências. Às vezes, são momentos que sei falsear, que hoje sei analisá-los criticamente. Mas, às vezes, é justamente a loucura dessa forma como a gente se entrega para um sentimento, às vezes irracional, que tento resgatar para poder tratar disso e emocionar outras pessoas – explica a vocalista Salma Jô, que forma a banda com seu namorado, Macloys Aquino (guitarra), João Victor Santana (guitarra e sintetizadores), Ricardo Machado (bateria) e Anderson Maia (baixo).
Para Salma, a zona de conforto é escrever sobre suas vivências.
– Tenho muita dificuldade em ser poética, trabalhar com metáfora, apesar de admirar isso. Sempre que sento para compor, as letras fluem com mais emoção quando deixo (esse processo)ser mais direto e escrachado. E também isso virou uma marca da Carne Doce, o que acho bonito – destaca a vocalista.
Letras também refletem impasse político do país
Em Tônus, também há espaço para uma reflexão sobre a esquerda com a faixa Golpista (“Andei na história sentindo o vento/ Sangue correu, secou e tal/ Engatilhei meus vinte dedos/ Me espera sentada uma moral”).
– A gente está muito dividido, não está se comunicando mais. Quando recebi críticas sobre meu comportamento como artista ou feminista foi justamente da esquerda. Nunca fomos criticados pela direita por as letras serem escrachadas, mas sofremos da esquerda porque as letras não eram engajadas o suficiente. A esquerda deve estar num momento de crise de representatividade, de identificação entre os grupos. Eu não quis defender exatamente um personagem, quis falar mais desse sentimento de desfalque de representatividade, da falta de sentido, de desmobilização – avalia Salma.
Em Tônus, Salma apresenta uma voz mais suave em comparação com seu vocal gritado dos registros anteriores:
– Nos primeiros discos da Carne Doce, eu gritava mais porque era mais confortável. Sempre gostei de tocar algo mais forte, mais gritado, de músicas mais poderosas. Mas aí fiquei com vontade de aprimorar esse lado de cantar mais suave e trabalhar essa dinâmica.