O termo MPB claramente abrange significados e expressões muito mais amplas do que a música popular brasileira. Pode rotular formas de arte que vão além da música, aceita manifestações nem sempre populares e é feita, às vezes, por artistas que não necessariamente expressam a raiz nacional. Levando-se tudo isso em conta, talvez a rio-grandina Paola Kirst seja uma das mais completas artistas da atual MPB.
Isso porque a cantora de 29 anos transcende a música, trazendo teatralidade, performance e discurso político-poético a suas performances. Apresenta composições que ficam no extremo oposto do discurso inofensivo de muitos dos artistas da mesma geração. E agrega elementos do jazz, do hip-hop e do rock, sonoridades nada tupiniquins, em sua arte. Nesta sexta-feira (29), no Agulha (Rua Conselheiro Camargo, 300), ela se une aos tradicionais parceiros da Kiai Grupo – banda de jazz formada por músicos da região Sul do Estado que tocam com Paola há dois anos – para abrir o show de lançamento do novo álbum de Juliano Guerra, outro artista recorrente nas apresentações da cantora.
— Sempre tive muita afinidade com o palco. Quando criança, estudei dança e teatro. Minha formação é em artes visuais, e meu trabalho de conclusão foi sobre performance, com uma pesquisa relacionando artistas contemporâneos e minha arte – explica Paola, que, mesmo com a carga cada vez mais constante de shows em Porto Alegre, ainda mora em Rio Grande.
O show de hoje marca a estreia do evento Escápula Records Apresenta, espécie de minifestival que vai ao encontro da tendência recente de reunião de artistas – não necessariamente com semelhanças musicais claras – em projetos e shows conjuntos. Nesse sentido, o selo pelotense Escápula é um dos pilares da ascensão sólida de Paola em uma cena cada vez mais pulsante, que começa a unir artistas de diferentes cidades em um ambiente com público, espaços culturais e produtores em uma mesma sintonia. Juliano Guerra, artista de Canguçu e grande estrela da noite, também faz parte do selo.
— Estamos nos inserindo nesta cena faz pouco tempo – destaca Paola. – Vemos que, aos poucos, vão surgindo espaços que dão visibilidade a outras formas de expressão artística. A grande sacada é fazer esses encontros. Não necessariamente de artistas que toquem o mesmo som, mas que tenham o mesmo objetivo – comemora, ressaltando a importância de temas atuais, como o empoderamento feminino, a democratização e horizontalização de espaços, a luta contra preconceitos arraigados e a valorização da música independente como elementos aglutinadores.
Se a reunião de artistas relevantes na região Sul parece começar a transbordar para a Capital, o volume de produção de Paola também tornou necessários movimentos mais firmes: está prestes a lançar seu primeiro disco. Gravado quase inteiramente ao vivo em estúdio, com a cantora e os membros da Kiai tocando juntos, o registro deve ressaltar a vivacidade, a visceralidade, a espontaneidade e a entrega da artista no palco – com faixas já presentes nas apresentações, como Charlie 04, que fala sobre violência doméstica, e Dois Rios, canção romântica mais suave.
O show desta sexta-feira (29) vai servir para, mais do que antecipar faixas do que deve ser um dos discos gaúchos do ano, assistir ao vivo uma das artistas prestes a subir em palcos ainda maiores e mais distantes.