Há 25 anos Augusto Licks não era anunciado em um show em Porto Alegre. Depois de se tornar um dos músicos gaúchos com maior circulação e vendagem de discos ao lado dos Engenheiros do Hawaii, o guitarrista natural de Montenegro deixou as seis cordas de lado, para só agora voltar a dedilhá-las em público mais uma vez.
O rompimento com o trio, com quem lançou sete álbuns e ganhou discos de ouro e platina, ocorreu em 1993, gerando discussão na imprensa e uma batalha judicial. Depois disso, Licks permaneceu morando no Rio, para onde havia se mudado já no final dos anos 1980, voltou a escrever como jornalista, passou a compor trilhas para teatro e, mais recentemente, empreender workshops musicais.
Nesta terça-feira, às 19h, na Biblioteca Pública do Estado, o músico celebra o retorno aos palcos, com o irmão José Rogério, parceiro no show Licks Blues, em apresentação com ingresso mediante contribuição espontânea. Na quarta, às 12h30min, a dupla toca na Sala da Música do Multipalco (Praça Marechal Deodoro, s/nº), como parte do projeto Musical Évora, com entrada franca. O show estreou em Montenegro, na semana passada.
– Eu estava muito impregnado da banda, vivia em função disso. Tocava muitos solos em cada show, e ficava sempre os reciclando, criando variantes para não repetir sempre a mesma coisa. Era muito intenso. No momento em que saí, não tinha como entrar direto em outra história. Já que a banda não existia mais para mim, era o caso de exorcizar isso, o que levou muito tempo – explica Augusto Licks.
No espetáculo, os irmãos tocam composições de domínio público que geraram canções conhecidas, como o Cânone de Johann Pachelbel (1653 – 1706), por exemplo. Como o nome do show promete, há também blues, no entanto, mais que isso, vem dos bluseiros americanos a estrutura do show, um misto de conversa sobre música e performance. No início dos anos 1980, Augusto já havia experimentado essa estrutura na Capital ao lado de Nei Lisboa, de quem foi parceiro musical por alguns anos.
Em Licks Blues, Augusto toca violão de cordas de aço, enquanto José Rogério se reveza entre o violão de nylon e o morgumel, um instrumento criado por ele que remete à calimba africana, mas com grande diversidade de tons.
Apesar de pouco conhecido no Brasil, José Rogério é um violinista de concerto prestigiado na Alemanha, onde se exilou nos anos 1970, para escapar do regime militar. Antes de ir para a Europa, viveu temporadas na Argentina e no Chile, onde conheceu Fernando Gabeira, que se inspirou no instrumentista para compor o personagem Gaúcho, do romance O Crepúsculo do Macho (1980).
Fãs mais dedicados de Engenheiros do Hawaii poderão reconhecer trechos de solos que Augusto costumava tocar nos shows com o trio, mas nenhuma música completa estará no repertório, com exceção de Pra Ser Sincero. A melodia, composta por Augusto, ganhará uma performance instrumental solo de José Rogério. Augusto não participa dessa faixa do show.
O guitarrista não acha provável que volte no futuro a tocar com Humberto Gessinger e Carlos Maltz, colegas que o afastaram contra sua vontade dos Engenheiros em 1993, embora não rechace a ideia.
– Da maneira como foi meu afastamento, não ficou nenhum laço de afetividade. Eu não descarto uma reunião, mas acho improvável – afirma Augusto.
Apesar de não haver amizade entre o trio, o músico lembra de uma "química sonora":
– Nós desenvolvemos uma química sonora, até pelo nosso número reduzido de integrantes, que nos obrigava a nos inventar e reinventar, encontrar soluções que tornassem os shows interessantes. A gente vivia isso intensamente. Não tinha tempo para convívio que não fosse para tocar. Quando havia paradas entre turnês, aí que era uma hora ruim, pois não tínhamos o convívio de amizade, então começavam a fermentar alguns climas esquisitos.