O engenheiro Ismael Solé é diretor-presidente do escritório Solé Associados, responsável pelo projeto da Sala Sinfônica da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) que seria construída no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, na Capital. Iniciada em 2012, a obra não passou da etapa das fundações e foi abandonada pela Ospa, que está adaptando um espaço no Centro Administrativo do Estado para servir de sala de concerto. O novo projeto foi batizado de Casa da Música. Já o terreno no parque dará lugar a uma concha acústica, a um museu e ao projeto social da Escola de Música. Nesta entrevista, Solé critica a decisão da Ospa, argumentando que a Casa da Música não terá a excelência acústica internacional que a Sala Sinfônica exibiria. Leia, a seguir, os principais trechos.
Qual é sua avaliação sobre o abandono do projeto da Sala Sinfônica e sobre a construção da Casa da Música no Centro Administrativo?
O que me causou profundo pesar foi a desistência pura e simplesmente da Sala Sinfônica, que de forma alguma esse novo espaço (no Centro Administrativo) vai substituir. Não é uma troca de endereço. É a desistência de uma sala de alta qualificação para ser a sede permanente da Sinfônica.
O argumento da Ospa é baseado no orçamento. A Sala Sinfônica custaria R$ 40 milhões, enquanto o novo projeto da Casa da Música não chegaria a R$ 5 milhões. Como o senhor analisa essa questão?
Duvido que se faça com R$ 5 milhões qualquer coisa na área artística. O Centro de Eventos do Shopping Canoas custou R$ 15 milhões. Como eles vão fazer a mágica de fazer com R$ 5 milhões?
Como começou o seu envolvimento com o projeto da Sala Sinfônica?
A conversa teve início em 2002, usando como referência a Sala São Paulo (da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo). O Dr. Ivo (Nesralla, presidente da Fundação Ospa) queria aproveitar essa experiência para trazer a Porto Alegre algo de nível internacional. Partiu-se de premissas diferentes do que está se partindo agora. Se queremos um espaço qualificado, temos de obedecer a determinadas características. Não estou reivindicando nada para mim. Fiz o meu trabalho e fui pago por ele. Não estou usando a imprensa para receber fatura atrasada.
O senhor conhece o espaço no Centro Administrativo que abrigará a Casa da Música?
Quando deu o estresse com o Shopping Total (onde a Sala Sinfônica seria instalada primeiramente), esse espaço foi sugerido ao Dr. Ivo, que me chamou para fazer uma avaliação técnica. Fui lá rapidamente, dei uma olhada e disse que precisava trazer um companheiro nosso da equipe de acústica, o José Augusto Nepomuceno, que mora em São Paulo. Fizemos essa avaliação em conjunto e chegamos à conclusão de que não teríamos como preparar aquele lugar para ser uma sala sinfônica dentro do que se pretendia. Esse espaço foi desenhado originalmente para ser o auditório do Centro Administrativo do Estado. Como auditório, é um ótimo espaço. Mas um auditório não é um symphony hall. Nem o volume, nem a geometria dele são parecidos. Tinha vivido a experiência de aproveitamento de espaço. O que é a Sala São Paulo? É uma estação de trem de largo percurso que foi transformada num symphony hall. Por que fizemos lá e não quisemos fazer aqui? Porque a geometria de lá era similar à geometria do Boston Symphony Hall e do Concertgebouw de Amsterdã. Aqui não. Aqui, o shell está pronto. Shell é o esqueleto de concreto. O que precisa fazer é o preenchimento disso. Se tem um problema de volume e geometria, não tem como consertar. Como se aumenta um pé-direito de um prédio que está pronto? Teria que quebrar para baixo ou para cima, mas não era essa a ideia.
O senhor avalia que nenhuma reforma deixará o espaço com acústica de excelência?
Com excelência internacional não. É um espaço aproveitável como lugar de ensaio da Ospa. A Ospa precisa de um espaço de ensaio urgentemente.
Como o senhor avalia a decisão da Ospa de optar por uma obra mais factível?
Acho totalmente razoável partir para o uso desse espaço (no Centro Administrativo) até poder cobrir (o custo da Sala Sinfônica). Belo Horizonte começou depois da Ospa e já fez uma sala sinfônica (a Sala Minas Gerais). Participei daquele projeto. Por que Minas Gerais pode e nós não podemos?
Segundo a Ospa, outro motivo que levou ao abandono do projeto da Sala Sinfônica foi o alto custo de manutenção. No novo projeto da Casa da Música se aproveitará a segurança e o estacionamento do Centro Administrativo. Como o senhor avalia essa questão?
O custo que o Centro Administrativo tem hoje, sem uma movimentação desse tipo, será acrescido. Não se pode dizer que vai fazer com o mesmo custo. Vai ter que ter mais segurança, mais isso e aquilo. Mas na verdade a Sala Sinfônica teria uma dinâmica própria de geração de receita. O problema que vejo é que não teremos uma sala sinfônica (no Centro Administrativo). Teremos um auditório onde a Ospa vai tocar.