Los Angeles – Um convite para visitar Pink em Venice, a poucas quadras da praia, para um jantar caseiro em plena noite de segunda, pode parecer uma jogada forçada de autenticidade, mas é difícil se manter cético de cara para um bebê sorridente.
Intimidade fingida ou não, a cena doméstica que presenciei, no mês passado, ao lado da rebelde que há tempos reina nas paradas de sucesso, me pareceu desconcertantemente autêntica: a entrada da casa atravancada por patins, bichos de pelúcia, pipas e capacetes para bicicleta; o frango no forno; o segundo filho da cantora, Jameson, de nove meses, fazendo uma meleca moderada com a papinha que recebia na boca. Willow, de seis anos, estava em algum lugar da casa com o pai, o ex-corredor de motocross Carey Hart.
Pink, que passou quase duas décadas vendendo sua vanguarda relativa e honestidade através da máquina do pop, não é exatamente uma Martha Stewart: tatuada, usava macacão e brincos de diamantes; entregou o bebê para a babá e só depois começou a temperar a salada com a incerteza de uma menina de 20 anos que vai oferecer seu primeiro jantar. Um par de chinelos onde se lia "Piranha Frígida" estava ali ao lado.
Essa é a vida de uma estrela veterana e bem-ajustada, que não sabe bem como sobreviveu e continua sã. Vestígio da geração Y2K, do CD, e do Total Request Live da MTV, Pink, hoje aos 38 anos, não surtou nem caiu no esquecimento, o que ela atribui ao fato de nunca ter sido "a" estrela.
- Nunca ganhei concurso de popularidade; nunca fiz tanto sucesso como Britney Spears ou Christina Aguilera. Se você ler qualquer parágrafo escrito sobre a música pop, nem mencionam meu nome, nem falam sobre mim. Apesar disso, lá vou eu de novo, debaixo da onda, só no mergulho de bico - afirma.
Não é nem que ela seja ignorada, ou tenha sido "empurrada" para um nicho. Desde que estreou com Can't Take Me Home, em 2000, Pink já vendeu mais de 16 milhões de álbuns e cerca de 45 milhões de canções digitais nos EUA, de acordo com a Nielsen Music; emplacou 23 músicas no Top 40 da Billboard (incluindo o single atual, What About Us), com quatro primeiros lugares e onze vezes chegando ao Top 10.
- Mesmo assim, comecei a ouvir avisos do tipo: "Vai se preparando, ninguém toca cantora com mais de 35 no Top 40". Há exceções, claro, mas de músicas, não de artistas, a menos que você seja a Beyoncé - constata.
No entanto, olha ela aí de novo – com o sétimo álbum, Beautiful Trauma, nas paradas das rádios pop, verdadeiro símbolo de longevidade em um ramo obcecado pela novidade e pela juventude. Um bocadinho mais arrojada, mais agressiva e mais andrógina que suas contemporâneas, Pink conseguiu se tornar um sucesso sólido, mais conhecida pelos hinos à autoestima (Raise Your Glass, F**kin' Perfect e Just Like Fire) e baladas fortes e modernas (Just Give Me a Reason e Try) do que pelas briguinhas dentro do pop e outros dramas de tabloide que dominaram os primeiros anos de carreira.
Ao mesmo tempo, manteve a reputação de ser progressista e dizer a verdade, dissecando os padrões de beleza em um discurso para a filha na cerimônia do Video Music Awards da MTV que se transformou em viral, e desdenhando abertamente de Donald Trump.
- Pode parecer que What About Us fala de um relacionamento, mas é sobre o momento político atual - garante.
A carreira de Pink também serviu de modelo para o arquétipo da cantora pop meio subversiva, incorporado hoje por Halsey, Kesha, Alessia Cara e tantas outras, papel que assumiu explicitamente, em 2001, ao cantar: "Cansada de ser comparada com a maldita Britney Spears/Ela é tão bonita/Eu não sou assim".
No mundo de Pink, porém, essas preocupações nunca desaparecem.
- Não consigo ganhar o jogo do "quero estar em todas as capas de revista como a mais bonita, a melhor cantora e melhor dançarina" e tal. Não tem nada de divertido e não me faz sentir bem - diz.
Por isso, ela se concentra em melhorar as apresentações ao vivo, incluindo as acrobacias aéreas que se tornaram sua marca registrada, usando turnês regulares, músicas de trilhas sonoras e participações especiais como pontos de toque entre as diferentes fases do pop. Desde 2000, ela lança um single todo ano, com apenas uma exceção.
Nascida Alecia Beth Moore em uma família proletária de Doylestown, na Pensilvânia, Pink assinou primeiro com a LaFace Records, com sede em Atlanta, como parte de uma leva R&B. Embora a música de estreia, There You Go, parecesse resquício do Destiny's Child, foi a injeção do espírito Lilith Fair em seu som – além da provocação ensaiada de ter subvertido as expectativas da gravadora – que fez dela uma estrela.
Em Beautiful Trauma, mais uma vez incorpora a não conformista favorita do pop, cantando as inseguranças e imperfeições dos relacionamentos, com direito a bebedeira e briga, mas com um idealismo que brilha e garante o máximo da viabilidade comercial. Sempre foi uma parceira descolada, como se vê na participação de Linda Perry, do 4 Non Blondes, com quem compôs em Missundaztood, o álbum que a definiu e também o mais popular, lançado um ano antes que Christina Aguilera lançasse Beautiful, composta por Perry. Aqui, ela mistura o trabalho de criadores de sucessos já estabelecidos como Max Martin e Greg Kurstin com novatos como Julia Michaels, Jack Antonoff e Tobias Jesso Jr.
Entretanto, o trabalho não pode ser considerado uma reinvenção; tanto que seu empresário, Roger Davies, o descreve como "a continuação dos álbuns anteriores", isto é, 13 músicas pop (já disponíveis nas plataformas de streaming) bem feitas que podem levá-la de novo à estrada.
Por mais que ela tenha permanecido a mesma, porém, o setor mudou. A ascensão do streaming, maior mudança desde seu álbum anterior, em 2012, representa um novo desafio.
- Não acho que donas de casa de 35 anos andem baixando muita música - comenta sobre seu público.
Embora tivesse emplacado vários sucessos e vendido milhões de discos, Pink continuava abrindo para Justin Timberlake muitos anos depois de estabelecida – e menciona uma apresentação "aérea" e bastante molhada, na cerimônia de entrega do Grammy de 2010, quando cantou a desconhecida Glitter in the Air como divisora de águas, quando o público descobriu sua voz forte e sua habilidade no palco.
Sim, ela já viu os memes que brincam com sua insistência nos recursos voadores.
- Quantas vezes você vê o mesmo artista dançando e se apresentando com playback? E o pessoal implica comigo por fazer algo que nenhum deles faz? Canto ao vivo, pelo menos - rebate.
Mas ser mãe de dois filhos pequenos complica a saída em turnês. Logo depois do nascimento de Willow, em 2011, Pink fez um álbum e voltou para a estrada, com a filha pequenina a tiracolo.
- É, mas a experiência deve ter encurtado minha vida em uns cinco anos, no mínimo - confessa.
Ela pretende repetir a façanha com os dois pequenos – e menos expectativas:
- Tem dia que eu me olho no espelho e dá vontade de chorar. Não posso ter tudo. É uma questão de prioridades.
Em uma indústria conhecida pela falta de sensibilidade com a vida das mulheres, Pink apela para o bom-humor para lidar com os desafios. E gargalha ao contar a história do aborto espontâneo que sofreu antes de engravidar de Jameson.
- Já tinha tido alguns, mas aquele me pegou de jeito. O mais engraçado é que o pessoal da minha gravadora estava superanimado com a minha gravidez, tipo "Ah, isso quer dizer que vamos alcançar nosso objetivo", isto é, um álbum novo. Aí quando souberam do aborto, pediram desculpas. Imagine, um bando de engravatado sem a menor ideia de como agir. Dava até para ouvir o barulho da cabeça deles funcionando. "Então, uh… vocês vão tentar de novo?" e eu: "Sim, nós vamos tentar de novo" - conta.
Foi com a maternidade em mente que Pink escreveu o discurso do Video Music Awards, que fez em agosto, ao receber o Michael Jackson Video Vanguard Award. Motivada pela confissão da filha, que disse se sentir feia, a cantora repete o que disse à menina: "Nós não podemos mudar, mas podemos pegar a pedrinha, colocá-la dentro da concha e esperar por uma pérola. Assim, ajudamos outras pessoas a se transformar para que possam ver outros tipos de beleza."
Por Joe Coscarelli