A escola do violão popular brasileiro ganha sotaque latino pelas mãos e cordas de Yamandu Costa e Alessandro Penezzi no disco Quebranto. O título remete ao sortilégio que se lança pelo olhar para enfeitiçar alguém na cultura cigana – mas aqui a magia se insinua é pela audição: nas 13 faixas do álbum, os dois virtuosos violonistas literalmente entrelaçam as sonoridades de seus instrumentos para tecer uma malha melódica harmônica, que encanta pela fluência de sua musicalidade. Seis das composições são assinadas pela dupla, além de cinco temas escritos individualmente. O CD inclui ainda a Valsa Seresta Nº 1, de Sergio Napoleão Belluco – professor de violão em Piracicaba e mestre de Alessandro –, e uma parceria de Yamandu com seu mentor Lucio Yanel: Meus Gurizinhos. Quebranto também homenageia dois grandes instrumentistas que enlutaram o violão brasileiro cedo demais: Amigo Bonilha, dedicada ao gaúcho Arthur Bonilla (1982 – 2015), e Samba pro Rafa, que lembra o fluminense Raphael Rabello (1962 – 1995).
– Há muito tempo tínhamos a ideia de gravar um disco juntos, reunindo a raiz do violão brasileiro com a influência mais jovial da música flamenca e cigana. Compusemos juntos umas 10 músicas, mas não gravamos todas – disse o paulista Alessandro Penezzi, 43 anos, em entrevista a Zero Hora.
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O resultado é um passeio por gêneros como o samba, o choro e a seresta, ao lado de estilos e ritmos que circulam pelo continente latino-americano, aqui porém com sotaque brasileiro – caso do bolero, do chamamé e da milonga –, além da referência do violão flamenco.
– Foi tudo muito intuitivo, seguindo o coração mesmo. Algumas músicas saíam muito rapidamente, outras necessitavam de mais zelo, porque há coisas muito rebuscadas ali. Valsa Morena, por exemplo, tem muitos detalhes e exigiu muito de nós. A gravação foi feita em cinco dias, no estúdio do Vinicius Araujo, em Curitiba – explicou Alessandro.
Além do disco Quebranto, outro projeto aproxima por coincidência os solistas: tanto Alessandro quanto Yamandu estão compondo canções em parceria com o letrista carioca Paulo César Pinheiro, que ambos pretendem gravar em discos, nos quais vão cantar além de tocar. Alessandro diz ter 13 dessas músicas prontas e quer gravar ainda neste ano. Já o gaúcho Yamandu, 37 anos, falando a ZH pelo telefone de algum lugar do interior da França, em uma pausa durante recente série de concertos na Europa, também promete seu álbum para breve:
– Estou em processo de gravar esses temas com o Paulinho Pinheiro. Na verdade, as músicas já estão sendo finalizadas. Devo lançar esse disco até o final do ano ou no começo do ano que vem. O álbum vai se chamar Vento Sul e tem algumas músicas que falam da temática gaúcha. O Paulinho disse que sempre tinha vontade de falar sobre o pampa, mas do jeito dele, sem coisas regionais. Ele é uma máquina de trabalho, é natural que esteja também fazendo um projeto assim com o Alessandro.
Quebranto
De Yamandu Costa e Alessandro Penezzi
CD com 13 faixas, Biscoito Fino, R$ 32,90.
Disponível nas plataformas digitais.
Cotação: muito bom
Entrevista com Yamandu Costa
Como você conheceu Alessandro Penezzi?
Eu o conheci pela TV, vi o Alessandro tocando com o Trio Quintessência e fiquei muito impressionado com a virtuosidade dele, de tocar o violão brasileiro dessa forma. Um violão solto, da escola popular. Isso faz uns 15 anos. A gente começou a se aproximar em São Paulo e ficamos como irmãos.
Como foi o processo de composição em parceria com ele?
Convidei o Alessandro para ir na minha casa, no Rio, e ficamos uma semana trabalhando. Ele também me mandava os temas dele separadamente, para eu colocar um segundo violão. Apesar de tocarmos também na base da improvisação, queríamos que ficasse um disco mais trabalhado. Colocamos segundos violões um nas músicas do outro. Nossas composições em duo foram muito espontâneas, ele me mostrava umas partes, eu fazia outras, e vice-versa.
Quais são as principais semelhanças e diferenças entre os estilos de vocês dois?
Acho que temos muito mais semelhanças do que diferenças. Nós temos como guia a mesma escola do violão brasileiro. Estamos falando de João Pernambuco, Dilermando Reis, Baden Powell, Raphael Rabello, Dino 7 Cordas. A semelhança maior é essa paixão pela música latina, o Alessandro é muito ligado à cultura do flamenco, e eu conheço essa música por meio do Lucio Yanel, da música de fronteira feita no Rio Grande do Sul.
Como a música latina se manifesta no disco?
Ela está muito presente. Quando escutei, por exemplo, o Alessandro tocando Quebranto, ela não se chamava assim. Mas ali eu enxerguei uma roda de ciganos, aquele flerte do violão com o corpo da mulher, que tem o formato do violão, o quebranto de olho, a conquista. Esse universo latino está dentro da nossa formação. Quando eu dei o nome do disco de Quebranto, automaticamente tudo se ligou como um fio por esse mundo latino.