A trajetória do Racionais MC's, prestes a completar três décadas de existência, pode ser narrada a partir de várias facetas: das letras contundentes da banda, das polêmicas em que o grupo paulistano se envolveu ao longo desses quase 30 anos de existência ou dos objetos e fotografias que contam histórias do quarteto mais importante do rap nacional. A terceira opção é a que prevalece em Racionais MC's: 3 Décadas de História em Exposição, com curadoria de Fernando Velázques. A mostra faz parte do Red Bull Music Academy Festival São Paulo, que promove, na capital paulista, conversas, exposições e shows com mais de 50 artistas a partir desta sexta-feira, com destaque para o show que os Racionais MC's fazem na próxima terça-feira (6/6), no Audio Club.
– Vendo hoje que é um grupo que faz parte da história do Brasil, uma banda de resistência, me sinto, nesse pontinho da minha vida, realizada, recompensada. Porque existe um negro antes dos Racionais e um negro depois dos Racionais – afirma a advogada Eliane Dias, mulher de Mano Brown, que está ao lado do rapper desde quando ele tinha 18 anos e se juntou a Edi Rock, Ice Blue e KL Jay para formar os Racionais. – O legado que o grupo deixa para o povo negro brasileiro é incontestável. A gente aprendeu com eles a dizer não.
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Até 2012, Eliane era conhecida apenas como a esposa do líder dos Racionais. Hoje ocupa papel central na banda: lidera a Boogie Naipe, produtora que agencia o grupo e a carreira solo de Brown.
A primeira-dama do rap brasileiro é advogada e uma das principais defensoras dos direitos das mulheres negras no Brasil. Sempre preferiu viver longe dos holofotes. Há cerca de dois anos concedeu sua primeira entrevista. Não parou de ser procurada por jornais e revistas e, no mês passado, foi uma das convidadas do Conversa com Bial, na TV Globo.
No comando da Boogie Naipe, vai, aos poucos, conquistando seu espaço. Rejeitada em 2004, quando se ofereceu para trabalhar com o grupo, hoje ela imprime seu estilo, com destaque para o espaço que conquistou para as artistas mulheres, que passaram a abrir os shows dos Racionais – uma exigência dela.
– Quando comecei a trabalhar com o grupo, tive a responsabilidade de organizar esses 25 anos de carreira em que eles ficaram sem uma assessoria. Eu já tinha uma vida de enfrentamento, agitada. Mas, antes, decidia tudo sozinha – lembra.
Eliane também teve de lidar com o machismo, muito presente na cena musical. Além disso, inicialmente, o grupo não aceitou pagar o que ela pediu para gerenciar a banda.
– O preconceito não é uma particularidade dos Racionais. A mulher ganha menos em qualquer setor. A mulher negra, menos ainda. Eles não fugiram à regra. Falaram: "Você está aprendendo. Você trabalha e mostra que tem qualificação e depois a gente paga o que você quer". Encarei o desafio, e taí, pronto.
Alguns problemas Eliane parece tirar de letra. Mas relembrar obstáculos do passado ainda incomoda a advogada. Um momento marcante foi a repercussão da música Racistas Otários.
– A gente teve que enfrentar muita intolerância. Essa música nos trouxe muita dor de cabeça, a gente sofreu muito com ela. Foram anos de tristeza e tensão. É uma música que pede para deixar a gente em paz, e foi aí que a gente não teve paz mesmo.
Do palco, Eliane também presenciou o quebra-quebra entre a Polícia Militar e fãs do grupo na Praça da Sé durante a Virada Cultural de 2007.
– A banda não teve nenhuma responsabilidade naquilo tudo, parou o show três, quatro vezes e pediu para que todo mundo ficasse em paz. Tem imagens da banda pedindo para o público ficar calmo. Mas é uma banda de resistência, que diz não. Não teve chance, não deu certo – recorda ela.
Essas histórias, sob certo aspecto, estão todas expostas na Red Bull Station. Eliane dá detalhes:
– Essa exposição apresenta 30% do acervo que o Racionais possui. Tem o primeiro equipamento (mixer) usado, uma tábua de Brown para escrever algumas músicas, roupas, recortes de jornal e revista, presentes dos fãs. Uma parte da história dos Racionais bem bonita. Tem imagens, tem som, tem tudo lá. Só de fotos tem mais de cem – descreve ela.
A primeira-dama do rap brasileiro diz estar feliz com a repercussão de seu trabalho. Mas não quer permanecer muito tempo sob os holofotes:
– É legal ver as meninas seguindo em frente, se inspirando. Mas eu não sou artista, não nasci para isso. Daqui a pouco saio de cena.
RACIONAIS MC'S: 3 DÉCADAS DE HISTÓRIA EM EXPOSIÇÃO
Red Bull Station: Praça da Bandeira, 137, Centro, São Paulo.
De 2 a 10 de junho. Terça a sexta, das 11h às 20h; aos sábados, das 11h às 19h.
Entrada gratuita.