Um dos principais nomes da nova geração do rap nacional, o rapper Neto, do Síntese, realiza dois shows no final desta semana no Estado. Nesta sexta-feira, o músico apresenta pela primeira vez, em Gravataí, no Embrazado Public House, o seu novo álbum, intitulado Trilha para o Desencanto da Ilusão, Vol. 1: Amem. O show contará com a presença de dois convidados, os MCs Inglês e Nego Max, ambos, assim como Síntese, da paulista São José dos Campos. No sábado, o músico vai a Caxias do Sul, onde canta no Aristos London Eventos.
Lançado no final de 2016, o disco é a segunda produção realizada pelo artista, que surgiu para o hip hop com o elogiado álbum Sem cortesia, em 2012, de onde se destacaram as faixas Se escute e Pro que vier . Na entrevista a seguir, realizada por telefone, Neto, 23 anos, fala da evolução do rap nacional, da eclosão de diversos MCs oriundos do Vale do Paraíba e do seu novo álbum.
Recentemente você afirmou que é o momento do rap deixar de ser grito e virar voz. Essa mudança já está em curso?
Já está virando. Em vários lugares, em várias famílias, vários núcleos e cúpulas em diversos lugares do Brasil. Acho que está amadurecendo cada vez mais a visão de olhar o rap não só com aquele anseio, aquela coisa de incendiário de quando se é jovem, mas algo que acompanha o seu crescimento. A gente fala que o hip hop é algo familiar, onde você conhece os amigos que vão te acompanhar para o resto da vida, e é algo como uma mistura de um partido, uma facção, uma igreja. No sentido de se tornar uma voz, é do nosso discurso se tornar cada vez mais conciso, de estarmos cada vez mais situados na realidade brasileira e global, e, a partir disso, saber como a gente tem de agir localmente. E estruturar tudo em volta da nossa obra. Para que empregue pessoas, movimente dinheiro, traga tecnologia para a nossa quebrada, tá ligado? Acho que é isso, no sentido de um tratar mais maduro, na medida em que a gente vai se fazendo homem no meio desse movimento.
Nos últimos anos se notou o surgimento de diversos MCs no Vale do Paraíba, região onde você nasceu e foi criado. Entre eles, é possível citar os seus amigos Nego Max e Inglês, que inclusive estarão nos shows que você realizará aqui no Rio Grande do Sul. A que se deve essa eclosão de tantos MCs nessa localidade?
À medida que o rap foi virando uma expressão artística e tendo uma liberdade maior, com outros tipos de pessoas fazendo rap também, trazendo muito conhecimento com temas e teores diferentes com as letras, a gente sentiu que o que tínhamos para falar era extremamente relevante. Uma outra história que precisava ser contada também. O Síntese veio com muita força, colocando um teor espiritual no meio de tudo isso. Perguntado ao último nível os porquês, pois eu acredito que no meio de todas essas questões que a gente aborda, social, no âmbito sociológico, de todas as relações humanas, com o capital no meio disso, tudo termina numa noção espiritual das coisas, sabe, mano? O rap do Vale é um ambiente onde floresce muita consciência. A força que o Síntese pôs foi um grande rasgo. Trinta músicas no primeiro álbum foi um marco no rap nacional, e voltou os olhos para cá. A gente começou a abrir um caminho, fazer as pessoas acreditarem nelas. É esse movimento que está acontecendo, e a gente está encabeçando o processo de autoestima para o jovem daqui que é ligado nessa fita da cultura urbana e do movimento hip hop.
Você fala em uma das faixas do seu novo disco que vem "de São José para reacender a sua fé". A que fé você se refere? Você considera que as pessoas andam descrentes?
Acho que a fé nas pessoas, a fé na humanidade, no ser humano. Que a gente pode fazer o melhor, extrair o melhor da gente e passar para o nosso próximo. Isso vem em contrapartida a esse pensamento reacionário que foi implantado no nosso povo através dos anos nos meios de manipulação do pensamento da massa. Acredito que capitalismo é coisa de quem tem capital. A gente só é escravo tentando sobreviver. No meio disso colocaram um contra o outro, a gente perdeu a fé na construção de um mundo melhor que é passado adiante. A fé no ser humano, na relação humana. Tem gente disposta a interagir, dar o melhor de si, querendo chegar a uma solução coletiva, disposta a agir localmente, disposta a mudar a si mesmo para tentar mudar o mundo. A fé de que a gente vai ficar bem e de que vamos começar a tratar as coisas de um jeito menos nocivo a nós mesmos.
"Amem" é uma expressão que você utiliza frequentemente no seu novo disco. Ela é a principal mensagem que você quer passar ao público?
Ela é tipo um lema do Síntese, um slogan. Quando a gente teve essa sacada de que o "amém" é amem, a gente ficou profundamente impactado com isso. Quando eu vi que é um verbo imperativo e que todo mundo esquece que existe essa palavra, até o celular corrige para "amém", que as pessoas leem "amém" mesmo sem o acento. Acho que o Síntese veio também para isso, para reconstruir o conceito, para lembrar as pessoas que a natureza última, a realidade última, é o amor. Não tem como, a linguagem do universo é o sentimento, não tem como você enganar a vida. Acredito que o veículo de toda a mudança é o amor, tá ligado? A revolução tem de abranger todos os setores do ser, se não for com amor, não tem como não.
Ouça:
Meu caminho, primeira faixa de Trilha para o Desencanto da Ilusão, Vol. 1: Amem:
Plano de voo, música do rapper Criolo com participação do Síntese:
Vale das palavras, música do rapper Nego Max com participação do Síntese: