A perda parece ser uma musa cruelmente inspiradora para Nick Cave. Em 1997, logo depois de terminar o casamento com a jornalista brasileira Viviane Carneiro e do posterior fim do relacionamento com a cantora e compositora inglesa PJ Harvey, o músico australiano lançou o pungente The boatman’s call – um dos mais belos discos da música pop nas últimas décadas.
O recém-lançado Skeleton tree, 16º álbum de estúdio da banda Nick Cave and the Bad Seeds, também transforma o luto em obra-prima: as oito canções do trabalho são perpassadas pela dor do desaparecimento de um dos dois filhos gêmeos do cantor e compositor, que morreu em julho do ano passado com 15 anos ao cair acidentalmente de um penhasco em Brighton, na Inglaterra. O processo de gravação do disco e a tragédia da morte do jovem Arthur foram registrados no documentário One more time with feeling, de Andrew Dominik, aclamado no começo do mês no Festival de Veneza.
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A sonoridade de Skeleton tree dá continuidade ao clima do ótimo Push the sky away (2013), em que a formação semiacústica de piano, guitarra, violão, baixo e bateria articula-se com os arranjos de cordas e as camas de sintetizadores. No entanto, diferentemente do trabalho anterior – e da obra de Cave em geral –, o eu lírico das músicas de Skeleton tree parece menos com a voz de um personagem e mais com o discurso direto do autor. “Todas as coisas que amamos, amamos, amamos, nós perdemos / São nossos corpos que caem quando tentam subir”, diz Cave em seu característico canto falado em Anthrocene, em meio a ruídos e à marcação da bateria em tempo acelerado. Já na balada de matriz gospel I need you, o vocalista lamenta em tom de prece: “Nada realmente importa, nada realmente importa / Quando a pessoa que você ama se foi” – a letra refere-se a uma mulher de vestido vermelho avistada em um supermercado, mas não é difícil escutar um pai chorando o filho falecido.
Skeleton tree começa com Jesus alone, uma típica crônica decaída de Cave que mistura epifania com mundanismo: “Você caiu dos céus / Espatifou-se em um campo / (...) / Com minha voz / Eu te chamo / Você é um jovem homem acordando / Coberto em sangue que não é seu”. A seguinte Rings of Saturn soa como uma canção etérea do grupo oitentista Cocteau Twins, com Cave cantando os poéticos versos como se fosse um rap. Entre hino religioso e tema new age, Distant sky conta com a soprano dinamarquesa Else Torp dividindo os vocais em frases de serena resignação, do tipo: “Eles nos disseram que nossos sonhos sobreviverão a nós / Eles nos disseram que nossos deuses sobreviverão a nós, mas eles mentiram”.
Surpreendentemente, Skeleton tree termina de forma luminosa e mesmo esperançosa em sua melancolia. A música título, uma balada folk quase dançante, encerra-se com Cave e um coro cantando até as vozes sumirem: “Gritei, gritei / Que nada é de graça / E está tudo bem agora”. Como um poeta romântico gótico, Nick Cave acredita que o sofrimento molda a grandeza do artista.