Aos 10 anos, Raquel entra em conflito consigo mesma e passa a carregar em sua bolsa três grandes vontades: ser menino, crescer e se tornar escritora, o que a conduz a uma jornada para descobrir novas formas de estar no mundo.
Essa é a premissa de A Bolsa Amarela (editora Casa Lygia Bojunga), premiado livro infantojuvenil da autora gaúcha Lygia Bojunga. Publicada pela primeira vez em 1976 (em meio à repressão da ditadura militar), a obra tem repercutido nas redes sociais nos últimos meses. No X e no TikTok, internautas relembram a leitura como a primeira da infância e a consideram "aquele livro infantil que todos deveriam ler".
Ninfa Parreiras, vice-presidente da Fundação Cultura Lygia Bojunga, com sede no Rio de Janeiro (RJ), avalia com entusiasmo o interesse da nova geração pela autora.
— A partir de inúmeras demandas do público para conhecer mais a obra de Lygia, criamos um clube de leitura, que é o grupo Encontros Literários na Casa Lygia Bojunga. Temos 20 integrantes que são de diferentes cidades, inclusive do Rio Grande do Sul — conta.
Em 2024, o grupo discute Tchau, único livro de contos da pelotense, que completa 40 anos.
Qual é a história de A Bolsa Amarela?
Raquel é uma menina que vê seus sonhos e desejos ignorados pelos adultos dentro de casa. Por isso, ela sonha em crescer logo e ter a liberdade para ser quem quiser. A menina tem vontade de ser escritora, mas ainda não sabe o porquê. Só sabe que quer escrever.
Durante a sua jornada de amadurecimento, a garota divide as suas angústias e desejos com um guarda-chuva quebrado, um galo falante e um alfinete de fralda. É nessas fabulações criadas por Raquel que ela percebe, pouco a pouco, que seus desejos são impossíveis de serem mantidos escondidos.
Para Ângela Hofmann, escritora gaúcha especialista em literatura infantil e membro dos Estudos Literários da Casa Lygia Bojunga, A Bolsa Amarela conquista pela reflexão existencial de Raquel.
— Pondo à prova a certeza e os limites do mundo adulto, a protagonista esconde em sua bolsa as vontades de liberdade, de independência e criatividade, salvaguardando-as da aridez e das relações tóxicas do mundo externo — explica Ângela.
Lygia Bojunga
Nascida em Pelotas no dia 26 de agosto de 1932, Lygia Bojunga escreveu mais de 22 livros, traduzidos em mais de 25 países. Em 2002, a autora fundou uma editora no bairro Santa Teresa, no Rio de Janeiro, para publicar as suas próprias obras. Já em junho de 2006, criou a Fundação Casa Lygia Bojunga, destinada a desenvolver ações para popularizar a literatura.
Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, Lygia trabalhou como atriz, tradutora e autora de rádio, televisão e teatro, integrando a companhia de teatro Os Artistas Unidos, na qual chegou a encenar peças ao lado de Fernanda Montenegro e Henriette Morineau.
A estreia literária foi com Os Colegas, em 1972. Nos anos seguintes, lançou Angélica (1975), A Bolsa Amarela (1976), A Casa da Madrinha (1978), Corda Bamba (1979) e O Sofá Estampado (1980).
Foi por esses livros que Lygia recebeu o Prêmio Hans Christian Andersen, conferido pela International Board on Book for Young People. A gaúcha foi a primeira brasileira a receber a honraria, que é considerada o Prêmio Nobel da literatura para jovens e crianças. Ela também recebeu, em 2004, o Prêmio Alma (Astrid Lindgren Memorial Award).
Aos 92 anos, Lygia não concede mais entrevistas. Em uma das poucas vezes em que falou com a imprensa, durante o programa Entrelinhas, da TV Cultura, em 2012, compartilhou como se comunica com as crianças por meio da sua escrita:
— É só escolher a maneira. E nem estou falando só de literatura, mas a própria conversa com crianças. É um ser que está se formando, que precisa saber das coisas e, no mundo em que nós vivemos, sabe cada vez mais. Encontre a sua linguagem.
Atualmente, Lygia vive em um sítio no interior do Rio de Janeiro, onde segue escrevendo. Em conversa com Zero Hora, Ninfa conta que "ela escreve à lápis sobre memórias e tem se dedicado a diferentes projetos da sua fundação".
Obra segue atual
Na maior parte dos casos, a escola é o ambiente em que crianças e adolescentes têm o primeiro contato com a literatura. Não seria diferente com a obra da autora gaúcha, que é frequentemente trabalhada por professores em sala de aula.
Com narrativas que vão para além da imaginação, as obras de Lygia abordam, com uma linguagem simples, questões de gênero, sociais e familiares. Ainda de acordo com a escritora Ângela Hofmann, elas também promovem "o encontro do leitor com seu próprio mundo interno, o das emoções, dos sonhos e desejos humanos".
— Lygia permanece atual, fascinando as novas gerações de crianças e também de adultos que procuram compreender seus dramas pessoais — afirma Ângela.
Alvo de polêmica
Apesar de formar uma geração de leitores, A Bolsa Amarela já foi alvo de controvérsias. Em agosto de 2019, o vereador Clayton Silva (PSC) da cidade de Limeira, no interior de São Paulo, tentou retirá-lo das bibliotecas escolares, sob a alegação de que a obra abordava "ideologia de gênero".
A Secretaria de Educação da cidade, no entanto, negou o pedido após uma carta da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil (AEILIJ) defender o livro.
"Como entidade que congrega Autores de texto e imagem, a AEILIJ vê com grande preocupação a tentativa de censura e intimidação desses educadores quanto ao exemplar trabalho realizado com a obra A Bolsa Amarela, de Lygia Bojunga Nunes", declararam à época.
Confira abaixo alguns comentários de internautas sobre o livro A Bolsa Amarela.
*Produção: Rayne Sá