Numa investida criativa de quem já tem dois romances na bagagem e se permite testar, Julia Dantas foge da narrativa convencional em A Mulher de Dois Esqueletos, seu novo livro recém-lançado pela editora Dublinense. Ela não começa pela construção do perfil da personagem, mas pela voz ficcional dessa mulher, uma escritora de quase 40 anos em dúvida sobre tornar-se mãe.
Entre as romancistas gaúchas mais projetadas na literatura contemporânea nacional, ao lado de Carol Bensimon, radicada nos Estados Unidos, e Natalia Borges Polesso, Julia inicia A Mulher de Dois Esqueletos pelos contos que essa personagem escreve, criando um romance híbrido, que mistura camadas de realidade e pode confundir o leitor mais desatento. Ela vai autografar o livro no dia 31 de agosto, às 17h, na Paralelo 30 (Rua Vieira de Castro, 48), em Porto Alegre.
— A cada livro, a gente vai ganhando um pouco mais de autoconhecimento do processo de criação. A Mulher de Dois Esqueletos nasce de um processo de confiança muito maior, de me permitir jogar com isso e criar um romance híbrido. Algo que eu só fiz depois de dois romances, o primeiro mais tradicional e o segundo com uma narrativa um pouco mais fragmentada — compara.
Aos 39 anos, a autora de Ruína y Leveza (Não Editora, 2015) e Ela se Chama Rodolfo (Editora DBA, 2022) também se vê às voltas com a questão da maternidade e o quanto isso pode afetar sua produção literária. Contudo, A Mulher de Dois Esqueletos não se trata de autoficção, gênero que ganhou uma profusão de adeptos nas últimas duas décadas, permitindo ao autor levar para o papel as experiências pessoais com toques de fabulação. Julia até pescou aqui e ali alguma inspiração na realidade, como a pandemia que isola a personagem, apenas o suficiente para que seja um romance verossímil.
— Ela tem muito a ver comigo nas suas dúvidas e pensamentos. Mas a vida dela se desenrola de um jeito diferente da minha, embora ela também seja escritora. O que ela vive na pandemia, que é um relacionamento ruim, e depois conhece esse que se torna o possível pai de seu filho, tudo isso não tem nada a ver comigo. Compartilhamos apenas dúvidas existenciais, não os fatos concretos da vida — refuta.
Julia traz para o centro da narrativa a maternidade como dúvida, e não como imperativo, indecisão que as mulheres finalmente conquistaram após anos encarando como obrigação. Bastante mental e afeita às palavras, a personagem envereda em questionamentos interessantes, como quando é incentivada por uma amiga a escrever sobre a maternidade para testar, ainda que intelectualmente, a experiência de ser mãe.
"Ora, resolver com palavras um filho imaginário, que ideia mais ridícula. O problema do filho não é seu conceito, mas sua materialidade. Se as palavras da minha língua não são capazes sequer de dar conta do indefinido de que um feto pode gerar um filho tanto quanto uma filha. Caso eu pudesse escrever um filho ou uma filha e depois guardá-los na estante de livros, não haveria problema. Mas uma filha vive, ocupa espaço e demanda cuidado", confabula a personagem.
A Mulher de Dois Esqueletos de Julia Dantas pode ser a mulher dividida entre as duas facetas, a da mãe e a da profissional ambiciosa, mas também pode ser o esqueleto feminino abrigando um segundo esqueleto, experiência fantástica somente possível entre fêmeas.
— Acho que pode ser várias coisas. É a artista e a possível mãe, mas também é a ficção e a vida real. Por fim, a mulher grávida que momentaneamente contém dois esqueletos, algo muito animalesco da maternidade.
Lançamento:
A Mulher de Dois Esqueletos, de Julia Dantas
Dublinense, 160 páginas, R$ 69,90
Dia 31 de agosto, às 17h, na livraria Paralelo 30, em Porto Alegre