Ouvir um livro pode ser a saída para quem vive reclamando da falta de tempo para sentar no sofá e ler. Cada vez mais comuns no Brasil, os audiolivros investem na oralidade para fisgar um público que gosta de literatura, mas foi tragado pela crescente maré dos afazeres cotidianos. Também virou um novo mercado para artistas e para os próprios escritores narrarem suas obras.
Já os que não abrem mão da leitura diária estão explorando a escuta como alternativa para absorver uma história. Atriz, dramaturga, diretora de teatro e editora de livros, Isabel Teixeira é adepta dos audiolivros desde a época em que não levavam esse nome. Nos anos 1990, estudante de Letras em São Paulo, descobriu uma audioteca onde era possível ouvir LP's em que poetas como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto liam seus próprios versos.
Ávida por histórias, acostumou-se a exercer, em vez de um só, dois sentidos capazes de captar a palavra: a visão e a escuta.
— Li Albert Camus no colégio e na faculdade, mas só fui entender a secura de sua escrita quando ele mesmo leu O Estrangeiro (1942) e gravou. Paul Auster também é um autor que costuma ler e gravar todos os livros que publica. Um dos últimos livros dele, o 4321 (2017), eu escutava enquanto lia — diz a atriz.
Não à toa Isabel Teixeira foi convidada a narrar livros de uma das maiores escritoras contemporâneas, a francesa Annie Ernaux, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura em 2022. Pela Supersônica, editora de audiolivros fundada em 2023 em São Paulo, deu voz a O Lugar (1983), O Acontecimento (2000) e O Jovem (2022). Acha que escutar literatura, em vez de somente ler, é uma forma de ampliar a percepção e até ajudar a focar no aqui e agora, algo cada vez mais desafiador diante dos infindáveis estímulos que surgem na tela do celular.
— É muito rico fazer a nossa imaginação vibrar por outro sentido. E quando você tem esse hábito de ler escutando, é incrível como a imaginação se abre. Em um mundo em que tudo tem que ser muito rápido, parar, fechar os olhos e deixar a imaginação te transportar para outra realidade... é muito rico — reforça.
Cineasta, diretora teatral e dramaturga, Daniela Thomas fundou a Supersônica ao lado de Maria Carvalhosa, jovem apaixonada por literatura que perdeu a visão na adolescência. Com 10 audiolivros no catálogo, a produtora investe na proposta de tornar a audição de um livro uma fruição estética de alta qualidade. Os narradores são todos artistas. Além da interpretação de Isabel Teixeira para Annie Ernaux, as pérolas no catálogo contam com Caio Blat narrando Os Mortos (1914), de James Joyce, e a atriz, poeta e MC Roberta Estrela D'Alva lendo As Mulheres de Tijucopapo (1982), de Marilene Felinto.
— A Maria me falava da falta de charme dos audiolivros, que apresentavam uma leitura neutra, não artística. Era como ler Machado Assis em um papel ruim. Ela não queria ficar lendo audiolivro com Inteligência Artificial, aquela coisa modorrenta, que tira a graça da experiência. A Supersônica surgiu fazendo um casting para escolher quem vai transmitir os livros. A pessoa que vai narrar tem que saber transmitir o drama da história. Queremos compor uma audioteca chiquérrima — diz Daniela.
É como se tivesse uma proximidade com o leitor. Além de escrever, o autor está narrando em voz
JEFERSON TENÓRIO
escritor
Autor de O Avesso da Pele (2020), Jeferson Tenório narrou o próprio livro a convite da Companhia das Letras, mesma editora que lançou a obra impressa. Foram necessárias sete sessões de gravação, cada uma com duração média de duas horas, para ler as 198 páginas e transformá-las em um audiolivro de cinco horas. Toda vez que Tenório lia diferente daquilo que havia escrito, escolhendo palavras que considerava mais adequadas para a história oral, precisava repetir e narrar exatamente como estava nas páginas.
— Justamente porque a pessoa, quando compra o audiolivro, quer exatamente o que está no impresso. Segundo a editora, é um atrativo quando o próprio autor ou autora narra o seu livro. É como se tivesse uma proximidade com o leitor. Além de escrever, o autor está narrando em voz — diz.
Tenório acredita que o audiolivro cumpre uma função importante para pessoas com deficiência audiovisual, mas não vê possibilidade de tornar-se um carro-chefe das editoras. De acordo com a pesquisa Nielsen BookData, encomendada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), os audiolivros representaram apenas 12% dos 13 mil títulos digitais lançados no Brasil em 2022 - o restante eram e-books (88%).
— Acho que o audiolivro ainda não pegou como se espera. Talvez, em um futuro próximo, consiga ter mais saída. Ele cumpre um papel social importante para pessoas com deficiência visual, e isso deve ser levado em consideração. Às vezes, a gente pensa que uma coisa substitui a outra. Acredito na concomitância dessas plataformas – diz o escritor.
Há 10 anos no mercado de audiolivros, a Tocalivros funciona como uma produtora e também como plataforma de áudio para executar histórias próprias e produzidas por outras editoras. Já lançou 2,5 mil títulos, entre infantis, clássicos, biografias e auto-ajuda. Oferece a compra individual de cada audiolivro ou assinatura. Diretor editoral da empresa, Fábio Ueara enxerga com esperança o mercado de audiolivros no Brasil, principalmente diante da facilidade que o formato oferece para quem leva uma vida corrida:
– Todo ano, crescemos ao menos 20% na produção de audiolivros. O mercado de audiolivros não é mega conhecido, mas acredito que a tecnologia pode ajudar a levar a leitura para mais pessoas, seja em e-book, seja em áudio. Tendo internet e celular, você pode ouvir o livro em qualquer momento que quiser. O audiolivro também dá praticidade, você pode ouvir em qualquer momento. Andando na rua, lavando a louça, dirigindo carro. É só o começo, mas é um começo animador.