Apesar de carregar a reputação de ser um dos eventos literários mais antigos e democráticos do Brasil, a Feira do Livro de Porto Alegre precisa superar dificuldades. Entre elas, o orçamento enxuto, estruturado basicamente por leis de incentivo, sem qualquer financiamento direto do governo e do município, a não ser quando surge um sufoco, como ocorreu neste ano.
Em seu último mandato à frente da Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL), Maximiliano Ledur considera uma vitória que a Feira tenha sido realizada mesmo sem recursos da Lei de Incentivo à Cultura (LIC). Embora o evento tenha enxugado nos últimos 15 anos, sofrendo queda tanto nas vendas quanto no número de bancas participantes, espera-se que a edição deste ano repita a do ano passado, quando houve leve recuperação. O balanço será divulgado nesta quinta-feira (16).
Para 2024, existe a esperança de alcançar um orçamento que garanta melhorias à altura da comemoração de sete décadas.
— Já que a edição do ano que vem é comemorativa, até o fim do ano vamos submeter o projeto da Feira de 2024 às leis de incentivo. A gente quer melhorar tudo, só que tudo tem custo. Espero que, para o próximo ano, a gente não tenha problemas com recursos. É lamentável todo ano termos que partir do zero e correr atrás — desabafa Ledur.
A inédita unificação do horário de funcionamento, que fez tanto a área geral quanto infantil e juvenil operarem juntas, das 10h às 20h, foi o que mais agradou Rodrigo Rosp, sócio fundador da editora Dublinense, banca que participa da Feira desde 2016. Ele diz que o fato de as barracas já estarem abertas ao meio-dia fisga o público que se movimenta pela Praça da Alfândega em direção ao almoço.
— Desde sempre a área geral abria às 12h30min, sendo que neste ano passou abrir às 10h. Acho uma mudança positiva, porque pega o horário do almoço, quando há movimento no Centro. Antes, a gente abria ao meio-dia, e era algo meio atropelado para quem se deslocava para almoçar — diz Rosp.
Mas ele acredita que é importante que as bancas associadas da Câmara elaborem uma estratégia de descontos que volte a tornar a Feira mais competitiva.
— A escritora portuguesa Joana Bértholo esteve aqui na Feira e contou que, na Feira do Livro de Lisboa, há um horário onde acontecem as promoções. Se demos esse passo para abrir a Feira duas horas e meia mais cedo, podemos pensar em um horário para todas as bancas darem promoção. Isso incentivaria as pessoas a estarem lá na Praça em horário diferenciado. Porque as bancas enchem muito no final de semana, mas durante a semana o fluxo é menor.
Incentivo à leitura e à aquisição de obras
Participante da área infantil e juvenil desde 2016, o escritor e livreiro Antonio Schimeneck, proprietário da Ama Livros e autor de 7 Histórias de Gelar o Sangue (2015) e Horas Mortas (2018), considera urgente que as autoridades criem políticas públicas de incentivo à leitura e à aquisição de obras literárias, como vales-livros repassados a estudantes que forem visitar a Feira.
— Nós temos uma população que não lê. Os alunos que vão à Feira - e temos escolas que gostariam de ir, mas não têm dinheiro para ônibus - chegam ao evento sem um real sequer para comprar um livro. Isso é uma lástima. Isso deveria ser pensado seriamente para a edição de 70 anos. O estudante que vier à Feira tem que ter condições de comprar um livro — reforça.
Em São Leopoldo, no Vale do Sinos, a prefeitura criou uma lei que garante a oferta de vales-livros a estudantes, professores e funcionários da rede pública municipal. Os vouchers devem ser usados durante a Feira do Livro do município. Neste ano, foram distribuídas 30 mil unidades no valor de R$ 60.
De forma tímida, a Feira de Porto Alegre também implementou o benefício. O governo do Estado repassou R$ 30 mil para a Câmara Rio-Grandense do Livro produzir mil vouchers no valor de R$ 30 cada, distribuídos a estudantes e adolescentes cumprindo medida sócio-educativa na Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase).
— Vejo como uma ferramenta barata para o objetivo de fomentar a leitura. Na Bienal do Livro do Rio de Janeiro deste ano, eles dispuseram de um orçamento de R$ 13 milhões em vales-livros para as escolas, algo infinitamente maior que o valor que nós dispusemos, e a verba para isso vem tanto do município quanto do Estado e de leis de incentivo - conta Ledur, que esteve presencialmente na Bienal do Livro Rio, cuja 40ª edição bateu o recorde de 5,5 milhões de exemplares comercializados.
Retorno para escritores
Habituada a circular por eventos literários pelo Brasil, a escritora Natalia Borges Polesso, autora de Controle (2019) e do recém-lançado Foi um Péssimo Dia (2023), vê no formato com estandes de livros à venda e sessão de autógrafos com escritores o que há de mais valioso na Feira de Porto Alegre. Mas acha fundamental que os autores convidados para os bate-papos sejam pagos por isso.
— A profissão de escritores se modificou. Não é mais algo de diplomatas e médicos. São pessoas que vivem do ofício de escrever. Acho justo pagar um valor para um autor que está nesse ofício. É preciso prospectar esse valor para os autores já nos editais — considera.
Por outro lado, celebra o investimento em uma programação com nomes de ampla repercussão midiática, como Itamar Vieira Jr, Jeferson Tenório e Nelson Motta.
— A programação foi maravilhosa. Estava chovendo muito no dia do encontro entre o Jeferson Tenório e o Itamar, e mesmo assim formaram-se filas gigantes. Até mesmo as oficinas de escrita ficaram cheias durante a Feira. Então eu acho que a programação está agradando ao público. As pessoas estão indo e estão participando.
E a acessibilidade na Feira do Livro?
Este ano, a reportagem de GZH esteve na Praça da Alfândega para avaliar como estava as questões relacionadas à acessibilidade na Feira do Livro, após mapear os problemas da edição anterior. Entre as particularidades observadas, existem apenas dois banheiros químicos com sanitários reservados para pessoas com deficiência (PCD) em condições precárias, além da dificuldade de subir na rampa da praça de autógrafos.
Obstáculos à parte, a Estação Acessibilidade segue como uma iniciativa imprescindível para facilitar o acesso de pessoas com deficiência à Feira do Livro.