Há um ano, a reportagem do DG esteve na Praça da Alfândega, local que abriga um dos eventos mais tradicionais da Capital. O objetivo era mapear os principais problemas de acessibilidade no local, buscar explicações e apontar possíveis soluções. Passados mais de 365 dias, o reencontro com a Feira foi carregado de expectativas: será que alguma coisa melhorou?
Antes de relatar o que mudou – ou não – na Praça da Alfândega, é preciso voltar alguns meses no tempo. Após mudanças na Lei de Incentivo à Cultura (LIC), projetos de municípios que não receberam verbas nos últimos 12 meses tiveram prioridade, assim, eventos tradicionais do Estado ficaram de fora da arrecadação de recursos. Foi o caso da Feira do Livro que, segundo reportagem de GZH publicada em julho, teria um orçamento com R$ 871.631 a menos. O presidente da Câmara Rio-grandense do Livro (CRL), Maximiliano Ledur, destacou os impactos que esse déficit acarretaria ao evento. Da montagem da estrutura às ações como contações de histórias, passando pelo cachê de autores convidados, o baque seria perceptível.
Polêmica instaurada, teve início uma corrida contra o tempo para tentar suprir o rombo no orçamento da Feira. O governador Eduardo Leite garantiu, via Secretaria Estadual da Cultura (Sedac), o valor de R$ 200 mil, destinado ao pagamento de cachês dos autores convidados. O prefeito Sebastião Melo ampliou em R$ 100 mil o valor destinado à Feira do Livro. A Câmara de Vereadores de Porto Alegre garantiu mais R$ 400 mil. Outros R$ 100 mil, segundo Maximiliano Ledur, chegaram por meio de novos patrocinadores. Com a união de esforços do poder público, iniciativa privada e até pessoas físicas, a realização do evento foi garantida.
O trajeto
Transitar pela Praça da Alfândega é um desafio árduo, principalmente por conta das pedrinhas portuguesas, lembrete da colonização açoriana na Capital. Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a Praça é, desde 1955, sinônimo de Feira do Livro. Devido a sua importância histórica, não é possível executar mudanças mais profundas no local, mas são feitos restauros e manutenção de tempos em tempos. Os últimos reparos aconteceram em 2021, e já é possível visualizar alguns pontos em que a ação do tempo e o trânsito de pedestres causou pequenos estragos.
No local onde ficam os banheiros químicos, há dois sanitários reservados para pessoas com deficiência (PCD), mas ambos em condições precárias. Instalados em uma área onde há falhas no calçamento, chega a formar um aclive justamente na entrada do banheiro. Por conta disso, a porta não fica aberta, sendo necessária ajuda de outra pessoa para segurá-la enquanto o cadeirante tenta acessar o local. Um verdadeiro malabarismo.
Para Maximiliano Ledur, presidente da Câmara Rio-grandense do Livro (CRL), há certas melhorias que estão fora do alcance da organização da Feira do Livro.
– Entendemos e percebemos que a Praça da Alfândega, por ser um local histórico, tem suas particularidades.
Particularidades essas que poderiam ser contornadas, não sem um bom investimento. Miriam Duarte, voluntária da Estação Acessibilidade, comentou que várias sugestões são dadas anualmente aos organizadores. Foi levantada a possibilidade de instalação de esteiras de borracha ao longo da Feira, mas a ideia foi considerada inviável por questões financeiras.
Boas iniciativas
A Estação Acessibilidade, que no ano passado foi instalada em uma área mais central da Feira do Livro, neste ano foi realocada a uma parte mais distante. Como iniciamos nosso trajeto na rua Capitão Montanha, foi necessário transpor um longo trecho pelas pedrinhas portuguesas para que, ironicamente, chegássemos à Estação Acessibilidade.
Logo na entrada, verifiquei que a rampa de acesso havia sido "remendada". Miriam explicou que o acesso colocado era muito íngreme, por isso foi solicitado um reparo.
– Fomos lá, conversamos com eles, mostramos que não estava acessível, eles vieram aqui e fizeram. Mas a gente vê ainda muitos erros, por exemplo, a rampa da praça de autógrafos, ela está muito difícil de conseguir subir.
Obstáculos à parte, a Estação Acessibilidade segue como uma iniciativa imprescindível para facilitar o acesso de pessoas com deficiência à Feira do Livro.
– No local, são oferecidos intérpretes de Libras, empréstimo de cadeiras de rodas e acompanhantes para pessoas com deficiência visual que queiram passear e visitar a Feira – explica Maximiliano Ledur.
O presidente da Câmara Rio-grandense do Livro ressalta que o processo de conscientização e preparo para tornar a Feira mais acessível começa bem antes do evento.
– A gente faz um trabalho com os associados há bastante tempo, mas ano passado a gente veio com um treinamento bem específico, contratamos uma empresa para isso, esse ano de novo falamos da importância, que a feira deve proporcionar um acolhimento às pessoas com qualquer dificuldade – que destaca alguns obstáculos por se tratar de um local histórico:
– Tem uma limitação por estar em uma praça pública, algumas barracas ficam tortas, e a questão da altura prejudica um pouco. As advertências que a gente tá dando para quem não se adequou às exigências, então existe um trabalho bem forte nisso, o pessoal da acessibilidade sempre nos ajudando, na medida do possível.
Torcicolo
Na prática, vimos que a altura das barracas ainda é uma questão a ser superada. Alguns expositores rebaixaram seus locais de atendimento, no entanto, as boas iniciativas são minoria. No geral, os balcões, além de estarem a uma altura que dificulta o acesso de uma pessoa em cadeira de rodas, enfileiram livros, formando uma muralha entre o livreiro e o público. Nesses casos, vale gritar, pedir ajuda a outros visitantes ou, se nada mais der certo, ir embora de mãos vazias e um sentimento de exclusão. Além de um torcicolo por tentar se fazer enxergar.
Ledur garante que antes da abertura oficial da Feira, é feita uma vistoria minuciosa:
– Mantemos dentro da Câmara um setor de infraestrutura que faz vistorias nas bancas. Antes da Feira começar, com as bancas já montadas, se faz uma vistoria e o livreiro e editora tem que cumprir um requisito mínimo, de 85 centímetros de altura das bancas. Após o “ok” da vistoria, as bancas são liberadas para abrirem.
Em um mundo ideal, todas as bancas cumpririam os requisitos solicitados. Não foi o que encontrei, ao tentar falar com atendentes, alcançar livros ao longe e até mesmo nos famosos saldos. Aproveitar as promoções de livros a R$ 10 ou R$ 20 foi uma missão impossível de se cumprir sobre rodas. Em alguns casos, a caixa de ofertas ficava a uma superior à minha testa.
Maximiliano Ledur faz questão de destacar que a fiscalização continua:
– Durante o evento, a Câmara mantém essas vistorias. Finalizamos nesta terça-feira (07) uma nova vistoria, que já apontou que algumas bancas não estão cumprindo o requisito. Os dados e informações serão compilados e as barracas que não estiverem de acordo com a norma receberão uma advertência e a possibilidade de corrigirem o que está errado. O controle é feito periodicamente.
Promessas
De modo geral, ver a Feira do Livro reencontrar o público de Porto Alegre é sempre uma alegria. É uma pena que ainda haja muito a ser feito no que diz respeito à acessibilidade. Como um dos maiores eventos culturais do país, e com certeza o mais democrático, a Feira aproxima os porto-alegrenses da literatura, mas afasta as pessoas com deficiência de um local que deveria estar preparado para todos. Ficamos com a promessa de Maximiliano Ledur de melhorias significativas na próxima edição, que por ser a 70ª , merece ser mais acessível. O presidente da CRL garante:
– Nossa missão é garantir o pleno acesso ao livro, acolhendo todas as pessoas que quiserem participar.