Márcio Pinheiro (*)
O sonho de todo jornalista é o de ter um jornal. Viver sem patrão, sem imposições ou censuras, sem compromissos com questões comerciais e/ou industriais. Sem limite de espaço para emitir suas opiniões e expressar a sua verdade como ela é vista. Também sem exigências ou regras — exceto as ditadas pela consciência e pela busca do bem comum. As convicções a serviço dos mais elevados interesses.
É utopia. Ser dono de um jornal acarreta uma série de concessões, algumas legítimas, outras nem tanto. Ser livre e independente não combina com aporrinhações de leitores que não entendem o que você quis dizer naquele texto claro, objetivo e tão bem escrito. Tampouco não é impossível desprezar as pressões de anunciantes que querem dar mais destaque a sua marca do que ao trabalho editorial. Ter um jornal traz ainda o peso das decisões — que quase sempre devem ser instantâneas e assertivas — dos gastos (com funcionários — hoje, "colaboradores" — papel, gráfica, internet, luz, transporte, férias, rescisões, direitos trabalhistas...). Toda uma miríade de exigências que causam surpresas a cada momento e que travam ainda mais o jornalista, animal poucas vezes preparado para questões mais práticas e objetivas do cotidiano.
Na verdade, o sonho de todo jornalista era ser dono do Pasquim.
Pelo menos em sua primeira fase, o jornal lançado por meia dúzia de porra-loucas em Ipanema e que eu destrincho no livro Rato de Redação: Sig e a História do Pasquim foi o que mais se aproximou do ideal edênico de todo profissional da imprensa, em especial a brasileira. Não há registro — nem antes nem depois — de um órgão que tenha surgido de forma tão espontânea, ascendido tão rapidamente, inovado a linguagem e o comportamento, revelado profissionais e personagens, dado muito dinheiro (pelo menos a alguns e apenas por algum tempo, dizem os relatos) e divertido tanto a quem lia e a quem escrevia. Ter entrado para a história da imprensa brasileira constituiu-se posteriormente num mero detalhe.
Quatro personagens
Um quarteto gaúcho teve participação decisiva no jornal, alimentando com suas trajetórias ainda mais a lenda. São eles:
Tarso de Castro — Nascido em Passo Fundo, debochado e iconoclasta, tinha um estilo semelhante ao de alguns antecessores (Sérgio Porto, Carlinhos Oliveira) mas levava a extremos o vocabulário cáustico e a agressividade. O ambíguo Tarso era ao mesmo tempo ditatorial e democrático. No formato, por exemplo, prevaleceu sua ideia: o jornal seria tabloide, algo incomum, mas, segundo ele, mais prático e fácil de ler. Na montagem da equipe, Tarso demonstrou ser plural. A exigência era ser de oposição, porém sem ranços partidários ou sectarismos, preferindo sempre o deboche e o escracho.
Luiz Carlos Maciel — Porto-alegrense, estava entre os fundadores, inclusive para a escolha do nome, embora não se lembre quem sugeriu Pasquim. Lembra, sim, que foi contra, explicando que lhe parecia um lugar-comum que a sua indiscutível atração pelo sofisticado, pelo sutil e pelo original, rejeitava com constrangimento. No final da madrugada, esgotado, Maciel resignou-se e Tarso decretou que o nome só poderia ser aquele mesmo.
José Lewgoy — Gaúcho de Veranópolis, foi presença constante no Pasquim desde meados dos anos 70. Culto e bem-preparado intelectualmente, ele transitava como ator de muitas das Pasquim-Novelas e assinava a coluna Psst, com comentários não apenas sobre cinema e teatro, mas contemplando sua ampla gama de interesses: balé, futebol, arquitetura... Numa coluna de 1975, fez uma cobrança pública à cidade-natal. "Chico Anysio vai virar praça em Fortaleza. Milton Moraes, rua na mesma cidade. Lima Duarte será rua em São Paulo. Como é que é, Veranópolis? Sai ou não sai a minha estátua equestre?".
Fausto Wolff — De Santo Ângelo, estava fora do Brasil quando o jornal foi lançado, mas durante 10 anos foi um correspondente informal mandando matérias da Dinamarca, da Itália e até do Vietnã. Voltou ao país em 1978, quase que na mesma leva de tantos brasileiros que retornavam com a anistia, e aproximou-se da patota, trabalhando durante anos na redação.
(*) Jornalista, autor de "Rato de Redação: Sig e a História do Pasquim" (2022)
O livro
Rato de Redação: Sig e a História do Pasquim. De Márcio Pinheiro. Editora Matrix, 192 páginas, R$ 44. Sessão de autógrafos no dia 9 de março, das 18h30min às 21h30min, na Livraria Cultura do shopping Bourbon Country, em Porto Alegre