Com mais de cinco décadas de carreira, a escritora Lya Luft, que morreu nesta quinta-feira (30), tem uma extensa e premiada obra que marcou a literatura brasileira em diferentes gêneros. Aos 83 anos, cronista e ensaísta gaúcha havia sido diagnosticada com um melanoma, um câncer de pele agressivo, há sete meses e faleceu em casa, em Porto Alegre, durante o sono.
Colunista de GZH e dona de uma obra premiada que conta com 31 títulos, Lya Luft transitou por vários gêneros: romances, poemas, contos, crônicas, ensaios, infantil, livro de memórias.
A seguir, relembre 10 obras emblemáticas de Lya Luft:
1. As Parceiras (1980)
Este foi o romance de estreia de Lya, quando ela resolve investir na prosa de fôlego – até então, havia publicado apenas coletâneas de poemas e contos. Com pegada melancólica e foco no perfil psicológico de uma família de mulheres, o romance é narrado por Anelise, que parte numa espécie de jornada de autoconhecimento. Em entrevista à GZH, em 2013, Lya refutou o rótulo de "literatura feminina" e definiu o romance como a história de mulheres que amargam o insucesso e precisam aprender a lidar com isso:
— O problema ali não é econômico, social. É um romance intimista com forte tom psicológico sobre dramas que vão existir sempre. É uma família de perdedoras — ressaltou Lya à época.
2. A Asa Esquerda do Anjo (1981)
Elogiado pela crítica, o segundo romance de Lya é centrado na trajetória de Gisela, filha de um alemão e de uma brasileira que cresce numa cidade do sul do Brasil. Mais uma vez, a escritora mostra uma outra faceta possível do núcleo familiar: o lado opressor. Gisela se sente exilada num mundo comandado pela autoritária matriarca Frau Wolf, convive com a sobra da prima perfeita e está em busca de aprovação.
— Coloquei nesse livro como um símbolo de isolamento, de solidão, de rigidez, essa questão da educação. Que foi em parte a minha educação, não com aquele exagero que pus no livro, mas que era: "senta direito", "faz isso", não faz aquilo", "não te queixa". Então, nesse romance, acho que coloquei a minha rebeldia contra isso — definiu Lya à GZH em 2013.
3. Reunião de Família (1982)
Uma das características de Lya ao longo de sua obra é esse olhar melancólico e sem filtros sobre o seio familiar. Neste romance, há a figura de um pai violento e opressor que assombra três personagens: Alice, Evelyn e Renato. Eles crescem marcados pela insegurança, submissão e falta de amor. Quando Evelyn perde seu filho em um trágico acidente, uma reunião familiar é convocada como símbolo de união – mas o desenrolar da história não é o esperado. Alguns críticos entendem que Reunião de Família é o terceiro romance de uma trilogia familiar que inclui também As Parceiras e A Asa Esquerda do Anjo.
4. O Lado Fatal (1989)
Mesmo fazendo sucesso na prosa, Lya não deixou de lado sua veia de poeta. Lançou o livro de poesia Mulher no Palco (1984) e, em seguida, O Lado Fatal. Este último reúne poemas repletos de reflexões sobre a complexidade humana, a força dos sentimentos e também da dor. A escritora lança mão de seu talento de se conectar com o leitor por meio de uma linguagem direta para mergulhar no luto.
5. O Ponto Cego (1999)
O romance versa sobre sonhos e dores a partir da narração de uma criança que conta a história da família do seu ponto de vista. É o menino que constrói tramas e põe em foco os dramas vividos pelos adultos que o cercam. No núcleo familiar, a tragédia está presente – a família perdeu o primogênito, e o menino-narrador se vê esquecido dentro desse contexto. A obra debate a linha entre fantasia e realidade, a busca pelo sentido da vida e a passagem do tempo.
6. Perdas e Ganhos (2003)
Best-seller que marcou a carreira de Lya, o livro é um misto de ensaio e memórias, marcando um outro talento da escritora para além do romance e da poesia. É escrito num tom de diálogo que acerta em cheio principalmente as mulheres e aborda temas como reinvenção, as descobertas da vida e as decepções da caminhada. A obra trata do amadurecimento e da chegada da velhice, com pegada biográfica.
7. Histórias de Bruxa Boa (2004)
Lya nunca escondeu sua relação íntima com a família e sua adoração por estar cercada de sua prole. Pensando nos netos, a escritora se aventurou pela literatura infantil com Histórias de Bruxa Boa. A escritora desenvolve uma história cheia de feitiços, fantasia, fadas e duendes – e até uma avó montada numa vassoura. Depois, Lya retorna ao gênero em A Volta da Bruxa Boa (2007) e Criança Pensa (2009).
8. O Silêncio dos Amantes (2008)
O livro de contos é costurado por uma temática em comum: os conflitos familiares e a complexidade dos relacionamentos. Da história de um casal que supera as dores do passado e encontra um novo caminho ao olhar preconceituoso para o diferente, da mente absorta na rotina que não permite enxergar o drama de quem está ao nosso lado à mágoa e revolta que podem explodir numa libertação violenta. Neste livro, Lya desvenda a dureza e o encantamento que cercam os relacionamentos.
9. O Tigre na Sombra (2012)
Lya retorna ao romance após 12 anos com O Tigre na Sombra, que arrematou o prêmio da Academia Brasileira de Letras (ABL). A personagem central é Dolores, a Dôda, que apresenta sua trajetória da infância à velhice. A protagonista nasceu com uma perna mais curta, cresceu sob o olhar de uma mãe insensível e se rendeu à introspecção. Mais uma vez, Lya joga luz sobre os dramas humanos, as conexões familiares e a perspectiva feminina dos altos e baixos da vida.
10. As Coisas Humanas (2020)
Seu último livro lançado foi uma homenagem ao filho André, que morreu em 2017, aos 52 anos, vítima de uma parada cardiorrespiratória. Na obra, ela mescla um tom de luto e lamentação à ode ao filho, reunindo textos, memórias e reflexões. O volume é uma prosa poética que trata sobre infância, velhice, solidão, amor, mistério, morte e outros temas que cercam a vida humana.