Fabrício Carpinejar, patrono da 67ª Feira do Livro de Porto Alegre, é conhecedor na arte do autógrafo. Seu primeiro veio antes mesmo de seu primeiro mês de vida, como ele conta na crônica a seguir. Cinquenta anos depois do autógrafo inaugural, contudo, será ele quem distribuirá dedicatórias na Feira: a sessão, especialmente para seu lançamento Depois é Nunca, está marcada para este domingo (7), a partir das 17h30min, na Praça de Autógrafos da Feira do Livro.
Meu primeiro autógrafo
Dez dias após nascer, eu já tinha o meu primeiro autógrafo da Feira do Livro: do grande poeta Mario Quintana. Talvez tenha sido uma das dedicatórias mais rápidas de uma existência. Como um gol-relâmpago logo no início do jogo.
Meu pai foi buscar a assinatura do poeta no pavilhão de autógrafos em 6 de novembro de 1972, e aproveitou para celebrar o seu terceiro filho. Virou o meu primeiro e inesquecível livro: a sua antologia Poesias, da editora Globo. Já vim ao mundo vestido pelo verso.
Todo amor é profético. Eu terminaria sendo patrono da Feira, assim como o Quintana, cinco décadas depois da homenagem. Será que me tornei um dos milagres do anjo Malaquias?
"... E então, pra disfarçar, a gente faz literatura... e diz aos amigos
que foi apenas uma folha morta que se desprendeu... ou que um
pneu estourou, longe... na estrela Aldebaran..."
Aquele rabisco elevou a minha estima em relação aos livros. Era como uma carta de recomendação para ler cada vez mais. Já me esperavam na estante outros olhos, outras paisagens mentais, outros deslocamentos interiores antes mesmo de aprender a ler e escrever.
A obra é uma das minhas favoritas, ainda mais porque ele se colocou no papel protetor de tio. Meu tio. Meu padrinho de batismo. Minha sede benta pelo conhecimento.
O autógrafo faz essa mágica: depois dele, o escritor passa a ser parte da família, dos afetos, do círculo formal das referências.
Não se fica numa fila impunemente para colher uma mensagem sem mudar o jeito que se enxerga o criador. Ele ganha uma nova estatura: é humanizado ("de carne e osso") e, ao mesmo tempo, torna-se mais próximo ("ele colocou o meu nome ali").
O leitor percebe que o conteúdo vem de alguém tátil, possível de ser encontrado na rua, abraçado, elogiado, acessível a um café ou a um chimarrão. São minutos na frente dele que servem como um prefácio vivo da cordialidade entre dores e alegrias escritas.
Mais do que materializar o seu escritor predileto com a dedicatória, você, leitor, começa a existir para ele. Ele vê que você também é real.
Rompe-se a solidão da experiência. Você pode dizer tudo o que pensa sobre o que leu, sobre o que sentiu, mudando o entendimento pelo autor do seu próprio livro. É um retorno incalculável para quem escreve, pois, no momento da inspiração, não se tem a fisionomia daquele que vai lê-lo, não se tem nem ideia de quem será, de como será. A gravidez literária dispensa a ecografia e as informações sobre o sexo da criança. Descobre-se a vida ao vivo.