A pandemia não mexeu muito com a rotina de Sergio Faraco. De gênio meio taciturno, o escritor de 81 anos chega a ficar um ou dois anos sem caminhar pelas ruas do centro de Porto Alegre, lugar que voltará a visitar nesta sexta-feira (5) para lançar As Noivas Fantasmas & Outros Casos (L&PM), às 17h30min, na Praça da Alfândega.
É a primeira vez que dá autógrafos na Feira do Livro desde 2008, quando lançou O Pão e a Esfinge Seguido de Quintana e Eu (L&PM). Habituado aos afazeres domésticos, Faraco diz que, apesar da tristeza com as mortes e enfermidades, a peste não alterou seu dia a dia.
— Vivo à parte dos lugares que as pessoas usualmente frequentam, exceto livrarias. Nada a fazer, é meu temperamento.
Também diz que não se importa muito com a cobrança sobre não escrever mais ficção, decisão tomada, segundo ele, após tantas traduções em que foi necessário assumir a mão do autor, o que lhe teria feito perder a própria.
Se Faraco investisse nas histórias inventadas, os leitores não poderiam desfrutar as 46 crônicas de As Noivas Fantasmas..., textos concisos, às vezes mordazes, noutras melancólicos e mesmo engraçados, a maioria nunca publicada em livros e outros de obras já esgotadas.
São temas que o escritor gosta de retomar, como a tragédia do Titanic, a admiração pela atriz Marlene Dietrich, a quem viu cantar nos anos 1960, e a amizade com Mario Quintana. A este reserva um dos melhores textos da coleção, Três Vergonhas, em que retrata os últimos instantes ao lado do amigo. Sem constrangimento e sem galhofa, conta como o vício não só lhe privou de ouvir os suspiros de adeus de Quintana, já que desceu ao térreo do hospital para fumar, mas também o levou a pegar uma lembrança deixada ao poeta durante seu velório: Faraco roubou um cigarro póstumo de Quintana.
— Não invento nada nas crônicas — garante.
Em Metamorfoses, vai da perda de audição e de memória ao poeta romano Ovídio para contar um caso engraçado, quando a empregada da irmã de Quintana, Sia Balbina, esquecida do nome de outro Ovídio, o definiu como "aquele que tem nome de orelha" — mostrando que, se a idade já afeta alguns sentidos, a astúcia para conduzir o leitor por fatos aparentemente sem conexão e arrancar-lhe uma risada ao fim do texto está intacta.
E embora use o problema de audição para se esquivar de entrevistas por telefone, usa com destreza o WhatsApp. Ao receber as perguntas de GZH, logo mandou mensagem pedindo se podia pular uma questão, porque não se sentia capaz de responder. Quando leu que, nesse caso, receberia outra no lugar, rapidamente contra-argumentou que ficaria com aquela mesmo, porque a substituta poderia ser mais difícil. O gênio sarcástico.
A questão era sobre o Brasil e como imaginava o país daqui a 20 anos.
— Receio problemas cruciais para a humanidade, como o clima, que serão sobremaneira intensos, agudos, globais, com efeitos certos e deletérios na vida social. Seria muito bom que todos nós pudéssemos viver melhor antes desse enfrentamento decisivo, que pode ser uma longa e triste jornada para o caos e o fim — respondeu.
Prova de que, apesar de abstraído, não está alheio ao mundo. Formado em Ciências Sociais em Moscou na época da União Soviética, com carreira de escritor iniciada quando o Brasil se despedia da ditadura e construía uma volta à democracia, Faraco lamenta quem pede o retorno do regime militar e diz que vê nessas manifestações o sinal de um país doente.
— De resto, não acredito que os militares, exceto os mais rústicos, queiram mandar no Brasil depois de tudo o que aconteceu naqueles anos despiciendos. Os militares brasileiros, hoje em dia, não têm vocação para o fiasco.
Pode parecer rabugento às vezes, mas não é de todo. Em certos momentos, como nas histórias de As Noivas Fantasmas..., surpreende com uma visão delicada da vida, uma sensibilidade escondida em um pensamento mais elaborado.
— A morte, sendo certa, não precisa estar na ordem do dia e, por isso, não atrapalha — diz, sobre o avanço da idade.
Um tipo raro, que embora não se preocupe se sua literatura vai alcançar o futuro, merece ser descoberto pelas novas gerações.