Por Tania Vernet
Professora de Língua Portuguesa e revisora
A estreia de Rosane da Veiga Faria, com Árvore de Família, é ousada e ambiciosa. Trata-se do primeiro volume de uma trilogia, mas que já corresponde às expectativas.
No livro, um homem congela em um dos verões mais quentes de Porto Alegre. Encaminhado ao hospital, ninguém entende o que se passa: “O cara está com hipotermia, a temperatura não sobe... Num verão desses, muito estranho”. Em outra parte da cidade, um ourives examina um diamante negro, principal adorno de um colar, mas não lembra de tê-lo retirado do engaste e se vê diante de um mistério. A partir desses fatos inusitados, a autora incursiona pelo universo do povo pomerano, seus seres fantásticos, suas crenças e cultura, desenvolvendo uma narrativa instigante, que prende o leitor.
A ação transcorre entre Porto Alegre, Viamão, o templo budista em Três Coroas e Santa Catarina, da Praia da Daniela à região habitada pelos imigrantes. A história da chegada do povo da antiga Pomerânia perpassa todo o livro, inserida de tal forma que assimilamos sem esforço.
Narrada em terceira pessoa, empreitada não muito fácil para um autor estreante. Cada personagem tem sua vez e um complementa o que outro viu/viveu. A trama vai se desenrolando à medida que eles expõem seus conflitos, medos e desejos, que por vezes os levam ao encontro de entidades sobrenaturais, de acordo com a energia emanada por cada um, enredando todos em suas teias, boas ou más.
Há rituais, invocações de seres da luz ou das trevas, porque, como diz a personagem Biba, “essas deidades da lua negra são muito antigas, elas são sábias, elas pertencem à natureza, pertencem à escuridão da noite. Assim como existe o dia, existe a noite, é natural”. Mas não é bem assim, e ela vai descobrir isso em sua busca incessante pelo espiritual e pelo amor. Sua prima Naara, médica intensivista, com sua mente muito bem assentada no palpável, naquilo que por esforço próprio consegue realizar, é totalmente refratária ao imaterial e a qualquer coisa que sugira magia. No entanto, como explicar o que ela vê? Valentine, a terceira da irmandade de protagonistas, é sentimental e influenciável. Ela encontra a resposta para curar suas carências nos mistérios desvendados por Theodor, o pomerano/australiano que aparece subitamente para delas.
Árvore de Família tem como subtítulo “A morte de um é a herança de outro”. Que herança é essa? A cultura, a língua, os costumes, as tradições, mas também objetos que passam de um a outro, levando a energia impregnada de quem os possuía. Ler o livro é enveredar pelas sendas do realismo fantástico, e não se pode ficar indiferente às culpas e feridas da alma ainda abertas, além das maldições supostamente hereditárias, que cada um carrega.
O livro é fruto de uma extensa pesquisa levada à frente pela autora, inclusive in loco, nos locais habitados pelos imigrantes pomeranos no sul do Brasil.
Ela ainda esteve na Alemanha, na antiga Pomerânia, recolhendo a ambientação cultural que muito bem soube transmitir em sua obra.