A capa do livro Máfia, Poder e Antimáfia é um retrato de época. Na foto, um grupo de senhores com ternos, boinas e bengalas caminha de braços dados por uma rua empedrada. Parece um grupo de animados “nonos” (avôs) italianos. Na realidade, é um flagrante de Charles “Lucky” Luciano, chefão da máfia, caminhando com seus colegas mafiosos na Sicília, em 1948. O que discutiriam? O molho da macarronada do almoço ou a morte de alguém?
O certo é que braços dados e beijos no rosto fazem parte do ritual mafioso. Os criminosos se enxergam como uma irmandade, fundada por proprietários de terra na Sicília – inicialmente, para enfrentar a voracidade fiscal dos governos; depois, para lutar contra a reforma agrária; e, por fim, para unificar os interesses do submundo. Nem sempre dá certo. Quando não dá, ocorrem os banhos de sangue.
Luciano não era originalmente da Cosa Nostra, a primeira máfia, criada na Sicília. Ele apenas nasceu na Itália e emigrou ainda criança, com seus pais, para os Estados Unidos. Radicado em Nova York, logo aderiu a gangues de rua. Virou assaltante, contrabandista de bebidas e logo se tornou mafioso. Mandou matar dois chefes que disputavam o poder e virou Capo di Tutti Capi (“chefe dos chefes”).
Mas esse é apenas um dos personagens de Máfia, Poder e Antimáfia, livro mais recente do juiz paulista Wálter Fanganiello Maierovitch. É obra de especialista. Além de um conhecimento enciclopédico sobre o assunto, o magistrado brasileiro vivenciou alguns dos episódios retratados na obra. Ele atuava na área de presídios quando foi capturado no Brasil um dos maiores líderes da Cosa Nostra, Tomaso Buscetta, o “chefe de dois mundos”, envolvido numa sangrenta disputa interna na Sicília. A perspectiva é de que ele fosse assassinado ainda na prisão, no Brasil.
Maierovitch recebeu em São Paulo o juiz italiano Giovanni Falcone, que veio para interrogar Buscetta. Com intermediação do magistrado brasileiro, conseguiu convencer o mafioso a delatar seus inimigos na Cosa Nostra. Não foi muito difícil, porque, além de jurado de morte, Buscetta a essas alturas colecionava mais de 20 familiares assassinados pelos inimigos. Detalhou os crimes de centenas de mafiosos, inclusive políticos de renome na Itália. Trocou de identidade e morreu de doença, escapando do destino de grande parte dos criminosos do seu naipe.
Falcone, marcado para morrer, não durou muito. Foi explodido, junto com a esposa e três guarda-costas, numa estrada da Sicília, em 1992. Era amigo e mantinha contato regular com o juiz Maierovich, que acabou criando no Brasil o Instituto Giovanni Falcone, dedicado a estudar e combater máfias planeta afora.
E como elas proliferam. Maierovitch mostra que umas copiam as estratégias das outras, independentemente do continente em que atuam ou do idioma que falam. Isso não ocorre só por mimetismo, mas porque elas se associam na exploração da prostituição, na venda de drogas, no contrabando de veículos e, suprassumo dos crimes, na cobrança de propina em troca de proteção. É nesse último delito que se aproximam dos engravatados empresários e políticos notórios.
Assim acontece com as milícias cariocas, por exemplo, ressalta Maierovitch no livro. A sistemática é a mesma das máfias: mescla de negócios ilegais e legalizados. Compra de influência política. Chantagem de governantes. Amedrontamento de rivais.
O juiz repassa alguns dos mafiosos mais notórios do século 20. Só isso já valeria o livro. Quitutes literários de quem conhece o assunto em seus meandros mais recônditos.