Não haverá marchas neste 8 de março, mas o Dia Internacional da Mulher não precisa passar esquecido. Uma forma simples, porém efetiva, de homenagear a data é dando espaço para escritoras mulheres em nossas estantes.
Elas formam, afinal, a maior parte do público leitor nacional: de acordo com a 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2019, as mulheres correspondem a 54% dos leitores brasileiros. Mais do que isso: depois de professores, as mães ou responsáveis do sexo feminino são indicadas como as pessoas que mais influenciaram leitores a desenvolver o gosto pelos livros.
Ao mesmo tempo, o papel das mulheres segue marginalizado no mercado editorial. Como afirmou a italiana Elena Ferrante, autora best-seller de Amiga Genial, a maioria dos homens sequer tenta ler livros de autoria feminina. "Eles escrevem livros para homens e mulheres, nós, em contrapartida, conseguimos escrever apenas para mulheres", declarou em entrevista ao Estadão.
Para incentivar uma mudança neste cenário, GZH convidou uma série de vozes importantes na discussão para deixarem suas indicações de leitura para o Dia da Mulher. Aproveite!
Cíntia Moscovich
Escritora, foi Patrona da 62ª Feira do Livro de Porto Alegre
Indico A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, publicado pela Rocco. É um clássico, último livro escrito pela autora antes de morrer, precocemente, de câncer. É, como ela mesma diz, um livro escrito em estado de urgência, como estamos todos nós.
- A Hora da Estrela, de Clarice Lispector (Editora Rocco, 88 páginas)
Maria Carpi
Poeta, foi Patrona da 64ª Feira do Livro de Porto Alegre
Recomendo A metáfora do Coração. De Maria Zambrano, que une a razão à poesia, denominada razão poética. Mais do que nunca, a razão não basta. Precisamos exercer a ética do cuidado que só a poesia oferece.
- A metáfora do Coração, de Maria Zambrano (Editora Assirio & Alvim, 153 páginas)
Lya Luft
Natural de Santa Cruz do Sul, é uma das mais prestigiadas escritoras brasileiras
Indico Mulheres Que Correm Com Os Lobos, de Clarissa Pinkola Estes e Paula, de Isabel Allende. Os dois falam de certa força, uma aura, um segredo qualquer que nos torna especiais, frágeis e fortes, anjos e bruxas.
- Mulheres Que Correm Com Os Lobos, de Clarissa Pinkola Estes (Editora Rocco, 576 páginas)
- Paula, de Isabel Allende (Editora Bertrand Brasil, 378 páginas)
Martha Medeiros
Uma das principais cronistas do Estado, com mais de 25 anos de carreira
Indico De Quem é Esta História, de Rebecca Solnit. "Estamos construindo algo imenso juntos" é a frase de abertura do excelente livro de ensaios desta historiadora californiana, colunista do The Guardian, que escreve com clareza e argúcia sobre os principais temas em debate no mundo contemporâneo. Se você nem cogita ficar à margem da história, vai sair da leitura com entusiasmo renovado.
- De Quem é Esta História, de Rebecca Solnit (Companhia das Letras, 216 páginas)
Winnie Bueno
Criadora da Winnieteca, projeto que combate o racismo com a doação de livros
Recomendo Olhos D'água, de Conceição Evaristo, pois é um livro que expressa múltiplas subjetividades de mulheres a partir de uma escrita potente que mobiliza vivências femininas para além do padrão. Conceição aplica uma forma de falar de nós a partir de contos em que podemos nos sentir e nos ver.
- Olhos D'água, de Conceição Evaristo (Editora Pallas, 116 páginas)
Ana dos Santos
Poeta e professora de Literatura, é mestranda em Estudos Literários
Indico a leitura do livro de contos de Conceição Evaristo, Insubmissas Lágrimas de Mulheres. São histórias contadas por mulheres negras que a narradora compõe com a sua própria "escrevivência". Nesses contos, a água é o elemento presente tanto nas lágrimas quanto no sangue menstrual, unindo as trajetórias de resistência e superação da mulher negra num país colonizado. A "dororidade", que é a sororidade negra na dor do racismo e do machismo, revela que a mulher quando usa o seu lugar de fala é vista como insubmissa. É uma leitura que humaniza as mulheres negras escrita com maestria por uma das mais importantes escritoras da contemporaneidade.
- Insubmissas Lágrimas de Mulheres, de Conceição Evaristo (Editora Malê, 140 páginas)
Lilian Rocha
Poeta porto-alegrense, membro da coordenação do Sarau Sopapo Poético
Indico o livro Visite o Decorado da escritora Taiasmin Ohnmacht, que foi publicado pela Editora Figura de Linguagem. É uma novela com um desfecho surpreendente e que busca uma reflexão muito atual: o quanto desejamos estar seguros e o quanto amamos a nossa liberdade? Os nossos sonhos não precisam ter um custo tão alto. Surpreenda-se com essa bela narrativa.
- Visite o Decorado, de Taiasmin Ohnmacht (Editora Figura de Linguagem, 65 páginas)
Leticia Wierzchowski
Escritora gaúcha, autora de A Casa das Sete Mulheres
Estou mergulhada no livro Pra Amanhecer Ontem, da Ana Mariano. Indico porque é a história de quatro irmãs lutando para encontrarem seu espaço na vida num período muito duro do país, a ditadura. Embora sejam de uma família rica, os intrincados nós que as limitam são os mesmos de todas as mulheres. É um livro muito denso e delicado ao mesmo tempo, com momentos de humor ácido, e outros de rara poesia.
- Pra Amanhecer Ontem, da Ana Mariano (Editora L&PM, 336 páginas)
Viviane Juguero
Autora de Lacatumba, dramaturga, mestre e doutora em Artes Cênicas
No Dia da Mulher, indico o trabalho de duas artistas que, além de serem mulheres incríveis, tratam da temática feminina de forma sensível e complexa em seus trabalhos. Da dramaturga Dione Carlos, destaco o texto teatral Ialodês, publicado na antologia Dramaturgia Negra (FUNARTE, 2018), além dos livros Dramaturgias do Front (Editora Primata, 2017) e Black Brecht: e se Brecht fosse negro? (Glacê Edições, 2020).
Para quem lê em inglês, indico as diversas antologias de dramaturgia negra, editadas por Kathy A. Perkins, que sempre enfocam as mulheres negras, com base em distintas realidades e percepções. Que tal alguma editora providenciar a tradução e publicação das antologias? Recomendo muito ao público brasileiro!
- Dramaturgia Negra (FUNARTE, 480 páginas)
- Dramaturgias do Front, de Dione Carlos (Editora Primata, 115 páginas)
- Black Brecht: e se Brecht fosse negro? (Glacê Edições, 72 páginas)
Diana Corso
Escritora e psicanalista, a autora nasceu no Uruguai, mas vive no Brasil desde os seis anos
Neste mês de fevereiro, vi o homem que amo lutar contra a invasão da covid em seu corpo. Ele venceu, mas houve momentos em que estava muito difícil virar o jogo. Nesses episódios, tomada do pânico de ficar viúva, fui assistida por duas escritoras que narram seus lutos. Joan Didion, com seu O Ano do Pensamento Mágico, e Rosa Montero, com A Ridícula Ideia de Nunca Mais Te Ver. Na verdade, o que elas contam é que, ao perder um companheiro de vida, foram elas próprias que ficaram habitando o vazio. É um não sentir-se realmente existindo: o que resta só é sustentado no tanto do outro que se consegue represar em si.
Perder um casal é algo maior do que perder o objeto amoroso, é diferente de uma saudade, de sentir uma falta dilacerante, que tudo isso também há. Você pode considerar essas leituras agourentas, mas eu sentia que elas sabiam sobre o que eu mais temia viver, por isso lhes pedi ajuda. Cedendo à tentação de generalizar, vejo que há formas tipicamente femininas de sentir suas perdas, que parecem ser ligeiramente diferentes das masculinas. Lia-se nelas uma clareza do quanto o casal é sinônimo da própria vida. Não se trata de dependência, mas sim de uma forma de amar, da consciência de estar tecendo a vida a quatro mãos.
- O Ano do Pensamento Mágico, de Joan Didion (Editora HarperCollins, 240 páginas)
- A Ridícula Ideia de Nunca Mais Te Ver, de Rosa Montero (Editora Todavia, 208 páginas)
Marília Floôr Kosby
Poeta gaúcha finalista do Prêmio Jabuti por seu livro Mugido, de 2018
O livro Pensamento Feminista Brasileiro: Formação e Contexto, organizado pela professora e crítica literária Heloísa Buarque de Hollanda (2019), é uma leitura imprescindível para quem quer conhecer os processos de formação e consolidação de teorias feministas no Brasil, a partir dos anos 1970. A obra reúne textos de 19 autoras-ativistas, atentando para a pluralidade de olhares, vozes e pautas dos diferentes feminismos criados e mobilizados pelas intelectuais brasileiras, com seus corpos e vivências singulares. O livro compõe a coleção Pensamento Feminista, da editora Bazar do Tempo, junto com mais três volumes organizados por Heloísa.
Em termos de América Latina, eu gostaria de sugerir a leitura do livro Guerra Contra As Mulheres (La Guerra Contra Las Mujeres, no original), da antropóloga argentina Rita Segato. A edição em português tem publicação prevista ainda para 2021, também pela Bazar do Tempo, que publicará as traduções de mais três títulos da autora. Para quem lê em espanhol, já é possível baixar a versão em PDF, disponibilizada pelo projeto Traficantes de Sueños. O livro reúne textos e conferências realizadas por Rita Segato, entre os anos de 2006 e 2016, tendo como mote a tese de que, nas Américas, a violência contra as mulheres, ou seja, o poder patriarcal, é o eixo primordial a partir do qual se desdobram todas as demais opressões e explorações.
- Pensamento Feminista Brasileiro: Formação e Contexto, organizado por Heloísa Buarque de Hollanda (Editora Bazar do Tempo, 400 páginas)