Neuerkerode é uma vila localizada na Baixa Saxônia, na Alemanha, muito singular. Já nasceu diferente: em 1868, foi fundada pelo pastor evangélico Gustav Stutzer, pelo médico Oswald Berkhan e pela filha de um banqueiro, Luise Löbbecke, para abrigar crianças com algum tipo de deficiência — física ou mental. Hoje, 1,3 mil pessoas vivem e trabalham lá, sendo 800 com deficiência.
O cotidiano delas, ainda que de forma ficcional, está retratado em uma comovente história em quadrinhos lançada há pouco tempo no Brasil. Escrita e desenhada por Mikael Ross, Aprendendo a Cair (editora Nemo, tradução de Renata Silveira, 128 páginas, R$ 59,90) ganhou o principal prêmio da área na Alemanha, o Max und Moritz.
A HQ foi produzida para comemorar os 150 anos da Fundação Evangélica Neuerkerode — o autor passou dois anos imerso na vila, considerada um símbolo de inclusão social. Seus personagens são ficcionais e ilustrados com traços caricaturais, mas é possível enxergar o amor a que se refere Rüdiger Becker, diretor da entidade, em um texto de apoio à obra:
— É claro que às vezes as coisas ficam muito intensas, pois os sentimentos desempenham um papel importante aqui. O amor toca a todos em Neuerkerode de forma arrebatadora, fazendo com que se sintam preciosos, únicos e amados.
O protagonista é Noel, um jovem ou adolescente — a idade nunca é definida — com atraso mental e bastante apegado à mãe, com quem assa marshmallows na sacada de seu apartamento e aguarda, ansiosamente, pelo show que a banda de rock australiana AC/DC vai fazer em Berlim. Certa noite, porém, a mãe sofre um acidente, e Noel acaba sozinho.
Seu destino é Neuerkerode, onde irá conhecer pessoas em situação mais ou menos semelhante. Há, por exemplo, Valentin, habilidoso com números, nomes e datas, mas despreparado para o convívio social e para qualquer forma de fuga do que havia sido planejado, como o horário de ir embora. Há Penelope, a quem Noel elege como sua princesa sem se dar conta de que quem gosta mesmo dele é a epiléptica e aparentemente bipolar Alice.
Mikael Ross narra a história sob a perspectiva por vezes fantasiosa de Noel. Aos poucos, o personagem vai aprendendo sobre o local, que não passou incólume pelos horrores do nazismo, e sobre como lidar com a ausência e o luto. Vai, também, aprendendo a cair — uma lição das aulas de judô válida para todos nós.