Investigada pelo serviço secreto britânico, pioneira do surfe na Inglaterra e condecorada Dama pela Rainha Elizabeth II: não faltam mistérios e aventuras na vida pessoal de Agatha Christie, famosa graças à sua bem-sucedida e prolífera carreira como autora de romances policiais — foram 78 títulos, sem contar seus contos ou peças.
Nascida há 130 anos, em 15 de setembro de 1890, na pequena Torquay, às margens do Canal da Mancha, no Reino Unido, ela se tornaria a escritora de ficção mais popular da história, com mais de 2 bilhões de volumes vendidos. Só as peças de William Shakespeare e a Bíblia alcançaram patamares maiores até hoje.
A partir de seus livros — de crimes, romances, viagem e até mesmo biografias — e com alguma ajuda das "pequenas células cinzentas", como colocaria Poirot, é possível ter uma ideia quem era a Dama por trás da máquina de escrever.
A seguir, confira 10 livros que podem ajudar a desvendar a Rainha do Mistério.
1. O Misterioso Caso de Styles (1920)
Há um século, o pequeno detetive belga de bigodes enrolados Hercule Poirot nascia nas páginas de O Misterioso Caso de Styles. Foi o romance de estreia de Agatha Christie, e reza a lenda que o livro só existiu por causa de uma aposta com sua irmã, Madge. Agatha foi desafiada a escrever uma obra em que o leitor recebesse as mesmas pistas que o detetive, mas não fosse capaz de descobrir o assassino sozinho. Eis que foi criado um dos maiores fascínios em ler a autora britânica: tentar resolver o mistério antes da cena fatal.
Aqui, uma viúva rica, que herdou a propriedade de Styles, seu antigo marido, morre em um quarto trancado por dentro. Surge a dúvida: ela cometeu suicídio ou foi envenenada? Hospedado na casa, o Sr. Hastings acredita que só seu amigo Hercule Poirot será capaz de resolver o caso. A partir dai, surgem suspeitos, pistas contraditórias, mentiras e histórias falsas. Também há a primeira aparição do Inspector Japp, da Scotland Yard, dando início à sua longa carreira de perseguir os suspeitos errados.
A edição da Globo Livros de 2014 conta com o final inédito, originalmente escrito pela autora, mas que precisou ser reescrito por Agatha devido a um pedido editorial nos anos 1920.
2. Assassinato de Roger Ackroyd (1926)
Primeiro grande sucesso de Agatha, o livro é considerado a sua obra-prima por ter um desfecho surpreendente e controverso que desprezou as convenções vigentes do romance policial. Na vila de King's Abbot, o detetive Hercule Poirot conta com a ajuda do Doutor Sheppard (narrador da história) para solucionar o mistério do assassinato de Roger Ackroyd, morto ao tentar descobrir quem havia chantageado sua amante a ponto de fazê-la cometer suicídio.
Se na vida profissional de Agatha Christie as coisas começavam a ir de vento em popa, na sua vida pessoal ela estava a ponto de se desfazer do próprio nome. Seu então marido, Archibald Christie, pediu o divórcio para se casar com outra mulher, Nancy Neele, por quem estava apaixonado. Neste mesmo ano, a mãe da escritora morreu. O estresse e, provavelmente, a depressão, levaram Agatha a sumir por 11 dias. Após seu carro e documentos serem encontrados, foram iniciadas buscas pela escritora, cuja fama apenas cresceu com o caso.
Ela seria encontrada em um hotel, sob o nome Neele, supostamente com amnésia. Os detalhes do caso são um dos mistérios sem solução da autora. Há, no entanto, tentativas de iluminar os acontecimentos daquele dezembro de 1926, como o livro Agatha Christie and The Eleven Missing Days, de Jared Cade; o especial When the World’s Most Famous Mystery Writer Vanished, de Tina Jordan, no New York Times; e até o conto Eleven Days: When Agatha Christie Went Missing, de Kate Mosse, na BBC Culture.
3. Assassinato no Expresso Oriente (1934)
Outro favorito do público á a glamorosa viagem à bordo do Expresso Oriente. Na história, uma nevasca noturna impede o trem de prosseguir ao seu destino. Na manhã seguinte, um dos passageiros, o misterioso Mr. Ratchett, é encontrado morto com diversas facadas. E a neve intocada fora da cabine sugere que o assassino está no trem, o que deixa todos a bordo sob suspeita — de funcionários a duques e astros de Hollywood.
Ao descobrir a verdadeira identidade de Ratchett, o detetive Hercule Poirot passa a desvendar uma trama surpreendente. O desenrolar é tão fascinante que garantiu duas adaptações de peso às telas. Uma em 1974, com Ingrid Bergman, e outra mais recente, de 2017, com Kenneth Branagh.
4. Retrato Inacabado (1934)
Publicado sob o pseudônimo Mary Westmacott (que Agatha usava quando não estava escrevendo mistérios), Retrato Inacabado é visto por muitos leitores como uma história semiautobiográfica. Afinal, após seu divórcio, a perda da mãe e seu desaparecimento inexplicável, ela publicou uma novela sobre uma mulher em seu momento mais vulnerável.
Celia, a protagonista, está à beira do suicídio após perder a mãe, uma filha e o marido. Quando ela encontra um pintor, no entanto, parece que ele seria capaz de salvá-la. Afinal, a mulher admite que não tem coragem de enfrentar a vida sozinha. O problema, no entanto, é que também é incapaz de deixar o passado para trás.
"Em Celia, temos mais do que em qualquer outro lugar um retrato de Agatha", teria dito o segundo marido da escritora, o arqueólogo Max Mallowan, sobre a personagem.
5. Morte no Nilo (1937)
Seria ao lado deste mesmo Mallowan, com quem Agatha se casou em 1930, que a escritora desbravaria o Egito e o Oriente Médio, onde acabou ambientando diversos de seus mistérios. Aqui, durante uma viagem de navio pelo Rio Nilo, Linnet Ridgeway, moça rica acompanhada pelo marido, é assassinada com um tiro. Quase todos a bordo do navio teriam um motivo para querer a morte de Linnet. Como não poderia deixar de ser, Hercule Poirot, um dos passageiros, assume a investigação e descobre que nem tudo é o que parece.
É outro título que já foi adaptado ao cinema, em 1978, com Peter Ustinov e Mia Farrow no elenco. Neste ano, a obra ganha uma nova chance nas telas, com Kenneth Branagh e Gal Gadot.
6. E Não Sobrou Nenhum (1939)
Dez pessoas são convidadas a passar o fim de semana em uma ilha por um anfitrião desconhecido. Uma trama sórdida se desvela quando eles começam a morrer, um a um, conforme os versos de um poema infantil. O pânico e a desconfiança tomam conta quando, presos na ilha, os que restaram percebem o óbvio: um deles é o assassino.
Ora, o argumento pode parecer um clichê atualmente, justamente pela genialidade intrínseca. Nos últimos 80 anos foi apropriado por Hollywood, tornando-se um dos clássicos do suspense e terror. Mas foi Agatha Christie quem o criou.
E não é como se ela tivesse saído sem os louros da vitória: E Não Sobrou Nenhum é um dos livros mais vendidos da história, com aproximadamente 100 milhões de cópias. E, em 2015, foi votado como o World's Favourite Christie, pelas comemorações do 125 anos do nascimento da escritora.
7. M ou N? (1941)
Agatha Christie também se aventurou pela espionagem. Em M ou N?, ambientado em plena Segunda Guerra Mundial, um agente secreto britânico deixa uma mensagem misteriosa ao morrer. Para investigar o que suas últimas palavras podem significar, Tommy e Tuppence Beresford (casal recorrente na obra da autora) voltam à ativa e precisam encontrar quem está espionando para os inimigos nazistas.
Poderia ser apenas mais um dos inúmeros romances de Agatha, não fosse um desdobramento pouco usual de eventos no mundo real. Após a publicação da obra, durante a Guerra, a escritora foi alvo de uma investigação do MI5, o serviço secreto britânico.
Aconteceu de um dos personagens de Agatha ser o Major Bletchley, e ele se gabava de saber segredos da Inglaterra. Por acaso, ou nem tanto, o centro secreto de quebra de códigos da Grã-Bretanha era justamente em Bletchley Park e, coincidentemente, um dos amigos da escritora, Dilly Knox, era um dos criptógrafos líderes da operação.
O MI5 fez Knox interrogar Agatha sobre o assunto. Foi na casa dele, durante um chá com bolinhos, que o criptógrafo a questionou. Christie respondeu: "Bletchley? Meu querido, eu estava presa lá no meu caminho de trem de Oxford para Londres e me vinguei dando o nome a um de meus personagens menos adoráveis", narra o jornal The Guardian. Depois isso, o assunto foi encerrado.
8. Viagens Desenterrando o Passado (1946)
Max Mallowan, segundo marido de Agatha Christie, era arqueólogo, como foi dito. Aqui, a escritora narra como foi acompanhá-lo em duas expedições, na Síria e no Iraque, ainda nos anos 1930. De acordo com o site da escritora, o livro de memórias teria sido uma resposta às constantes perguntas de amigos sobre seu tempo no Oriente Médio.
Ainda assim, ela brigou para que se tornasse uma edição impressa. Em sua autobiografia, Agatha revela: “Eles estavam desconfiados e desaprovando, com medo de que eu estivesse ficando completamente fora de controle... No entanto, o livro foi um sucesso, e acho que eles lamentaram que o fosse tão pequeno”. A essa altura ela já era, afinal, a Rainha do Crime.
9. A Ratoeira (1952)
Embaixador brasileiro de Agatha Christie, Tito Prates relembra que o legado da escritora é maior do que a maioria dos leitores imagina:
— Quase todas as técnicas de escrita e campos do romance policial foram inauguradas por ela (count down com E Não Sobrou Nenhum) ou ela se aventurou por elas em algum momento (thriller psicológico com Noite Sem Fim; quarto fechado com O Misterioso Caso de Styles) — afirma o escritor. — O que todos esquecem é que, além de ser a maior escritora de best-sellers, Agatha Christie é também a primeira dama do teatro inglês. Seus feitos nessa área, além de A Ratoeira, envolvem prêmios e o fato dela ser a única mulher, até hoje, a ter tido três peças em cartaz ao mesmo tempo em Londres e, de quebra, uma na Broadway.
A peça A Ratoeira, citada acima, inclusive entrou no Guinness Book of Records em 12 de abril de 1958, quando se tornou o show a ficar mais tempo em cartaz, de forma consecutiva, de qualquer tipo na história do British Theatre. Foram mais de 13 mil performances desde a abertura, em 25 de novembro de 1952.
10. Autobiografia (1977)
Agatha Christie morreu em 12 de janeiro de 1976. No ano seguinte, seguindo seus desejos, sua Autobiografia foi publicada. Ali, a autora reconta sua trajetória, desde a infância até meados de 1966, quando ela terminou de escrever a obra.
Autora que quase uma centena de livros, dezenas de contos, peças de teatro e obras de não-ficção, ela sobreviveu a duas Guerras Mundiais. Teve dois casamentos. Participou de expedições, viajou e, até mesmo surfou durante uma viagem a Honolulu, no Havaí, ainda em meados dos anos 1920, tornando-se uma das inglesas pioneiras na atividade:
"Aprendi a me tornar um especialista — na medida que um europeu pode ser um especialista aqui — com o momento de triunfo completo no dia em que mantive o equilíbrio e cheguei bem à areia em pé na minha prancha!", gabou-se.