Carros-bomba. Disparos de franco-atirador. Mísseis de precisão, lançados de aviões e guiados por sinal telefônico até o alvo. Na guerra contra seus infindáveis inimigos, Israel usou essas táticas, desde quando era apenas um projeto de país até os dias atuais, nos quais se converteu na maior potência militar do Oriente Médio. Quem admite isso e relata tudo em detalhes não é um inimigo da nação, mas um escritor judeu, Ronen Bergman, num livro que acaba de ser publicado no Brasil pela Editora Record. A obra, Levante-se e Mate Primeiro, tem um subtítulo autoexplicativo: A História do Serviço Secreto e dos Assassinatos Seletivos de Israel.
Bergman, repórter que já atuou no New York Times e no Washington Post, sofreu para concluir o livro. Em 10 anos de pesquisa, coletou milhares de documentos reservados e secretos. Foi intimidado por policiais, espionado e processado por espionagem, em ações judiciais que ainda tramitam em Israel. Mas convenceu diversos protagonistas da história israelense a narrar como centenas de inimigos do país foram eliminados. O resultado são intermináveis 854 páginas, embasadas em documentos (checáveis em notas e apêndices).
Apesar do tamanho do cartapácio, Levante-se e Mate Primeiro é fácil de ler, porque escrito em linguagem cinematográfica. Quase um enredo pronto para vários filmes de espionagem. Parte do conteúdo, aliás, embasou uma série da Netflix chamada Por Dentro do Mossad (nome do serviço secreto de Israel).
Hora do spoiler: sabe aquela história de colocar veneno na pasta de dentes, que você já viu em algum filme de Hollywood? Foi assim que Israel eliminou Wadie Haddad, militante da Organização para Libertação da Palestina (OLP), mentor de dezenas de tomadas de reféns em aviões, atentados com bombas e coordenador de um dos maiores ataques já sofridos pelos israelenses: o sequestro de um jato até o aeroporto de Entebbe, em Uganda. A maioria dos reféns foi resgatada numa operação dos serviços secretos de Israel que entrou para a história. Haddad, caçado no mundo inteiro e envenenado, desenvolveu uma infecção causada pelo químico introduzido no creme dental e morreu com dores atrozes, num hospital em Berlim Oriental.
Uma das curiosidades do livro é que o autor foi militar das Forças de Defesa de Israel e serviu no setor de inteligência das Forças Armadas. O que explica muita coisa: ao passar documentos ao jornalista, os espiões tratavam com um ex-colega.
Mas se engana quem pensa que o escritor não faz críticas aos métodos de Israel. Bergman eviscera as eliminações cometidas em nome da soberania judaica, desde antes da criação do país (logo após a Segunda Guerra Mundial) até os dias de hoje. Em alguns casos, deixa claro que concorda. Em outros, demonstra repulsa – sobretudo os que causaram mortes de mulheres, crianças e pessoas que não eram alvos militares.
E não faltam episódios sombrios descritos no livro. O atentado ao hotel Rei David, em Jerusalém, em julho de 1946 é um deles. O local era frequentado pelo oficialato britânico, que governava a Palestina e detinha autoridade sobre judeus e árabes que lá viviam. Membros de uma organização extremista judaica, o Irgun, plantaram 350 quilos de explosivo na garagem. Noventa e uma pessoas morreram e 45 ficaram feridas. A maioria dos mortos era de judeus que trabalhavam no local, o que provocou críticas ferozes de alguns dirigentes judaicos que viriam a fundar Israel.
Os assassinatos de precisão, porém, são o fundamento do livro e, nisso, Bergman não esboça maiores críticas. Deixa claro que grande parte dos mortos eram terroristas responsáveis pelo derramamento de sangue de muitos inocentes. Uma guerra suja, na qual o mais forte (Israel) tem levado vantagem. Pratica um antigo ensinamento do Talmude, o livro-base do judaísmo: “Se alguém vier matá-lo, levante-se e mate primeiro”.
Bergman demonstra que a cúpula de Israel defende a Lei de Talião, aquela do “olho por olho, dente por dente”. Só que o livro deixa claro que os israelenses, com seu poderio militar, retribuem cada dente avariado com uma dentadura inteira arrancada ao inimigo.
Israel fez escola nessa prática de devolver com juros o sofrimento causado por seus inimigos. Norte-americanos e europeus, em suas guerras na Ásia, recorreram à eliminação de chefes adversários para neutralizar ameaças – reais ou supostas. Líderes da Al Qaeda, do Talibã e do Hezbollah foram assassinados por mísseis, bombas e snipers. Incluindo aquele que foi considerado o maior terrorista do mundo, Osama Bin Laden.
O assassinato seletivo funciona? Até certo ponto, demonstra Bergman. Mesmo com o inimigo atemorizado pela possibilidade de vingança, é notório que violência gera violência. E ela atinge Israel em ciclos, como demonstra o autor.