A escolha da poeta norte-americana Elizabeth Bishop (1911 - 1979) como escritora homenageada da próxima Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, não repercutiu bem entre escritores nacionais. Primeira estrangeira a ser eleita como tema pelo evento, ela também é apenas a quarta mulher a receber o reconhecimento, entre 17 romancistas, poetas e cronistas.
Nas redes sociais, escritores como Marcelo Moutinho, 47 anos, autor do livro de contos Ferrugem, lamentaram a escolha por causa da nacionalidade de Bishop, seu apoio ao Golpe Militar de 1964 e a visão colonialista do Brasil exposta por ela em algumas cartas. "Me pergunto, porém, se nesse momento de loas efusivas à ditadura, e mesmo à tortura, não seria o caso de prestar tributo a quem tenha uma trajetória de compromisso com a democracia sem maiores hesitações?", questionou Moutinho.
Já Alexandra Lucas Coelho, autora de Demorei a Gostar da Elis, 51, escreveu em seu perfil no Facebook que "não compreende" a decisão da Flip. "Não ponho em questão Bishop como poeta, nem ela pode deixar de ser lida por isso, era o que faltava — que isso fique muito claro. Mas escolhê-la como figura da maior festa literária do país justamente quando o Brasil mais precisa de afirmar a potência, a beleza, a liberdade dos seus criadores, logo quando os nostálgicos da ditadura, agora no poder, ameaçam a criação diariamente, parece-me o maior tiro no pé. Insultuoso mesmo."
Por sua vez, Ricardo Lísias, 44, compartilhou uma imagem da correspondência em que Bishop declara que o Golpe Militar foi uma "revolução rápida e bonita". Na legenda, ele declarou que não participará do evento e que achou a decisão "lamentável".
A poeta Angélica Freitas, 46, no entanto, não viu tanto teor político na escolha e defendeu Bishop como uma de suas escritoras preferidas. "Amo a Bishop em toda a sua complexidade. Uma mulher desenraizada, lésbica, alcoólatra. Teve uma vida trágica. Apaixonou-se por uma brasileira e morou aqui (numa bolha de gente rica, que hoje apoiaria 'borsalino'). Uma das maiores poetas do século 20", escreveu, adicionando que ela nunca foi "nenhum símbolo do reacionarismo".
A escritora gaúcha Helena Terra levantou outro ponto sobre a questão, afirmando que o histórico de homenageados da Flip (13 homens desde a primeira edição, em 2003) demonstra como o evento é sistematicamente machista e que a escolha de uma mulher, independente de polêmicas envolvendo seu nome, não deveria ser atacada:
— Eu sei que é uma situação complicada. Mas as mulheres nunca tiveram espaço na Flip, mesmo quando os governos eram outros. Por quê?
GaúchaZH tentou contato com a assessoria de Flip para comentar as críticas, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.