Um boleto emitido pela prefeitura de Porto Alegre cobrando da Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL) um valor de R$ 179.849,60 pela realização da Feira do Livro na Praça da Alfândega causou uma rebuliço no meio artístico. A surpresa, amenizada pelo prefeito Nelson Marchezan nesta sexta-feira (8), quando explicou que o valor, na verdade, foi um cálculo inicial e que a cobrança será mais baixa, não suavizou a reação de nomes envolvidos com o meio literário e artístico.
Em 63 anos — a Feira do Livro teve sua primeira edição em 1955 —, é a primeira vez que a prefeitura cobra para que o evento se realize em um espaço público. Apesar de o decreto municipal 17.986, em vigor desde setembro de 2012, permitir a cobrança de taxa de eventos com fins comerciais realizados em locais públicos da cidade, todos os nomes ouvidos pela reportagem de GaúchaZH consideram que cobrar aluguel de uma atividade tradicional como a Feira do Livro é ajudar a inviabilizar o evento. A opinião é de que a Feira não é um evento comercial, mas sim cultural, com fins de educação e cidadania.
Patrono da Feira do Livro em 2013, o escritor e professor Luis Augusto Fischer propõe, por outro lado, que a prefeitura faça uma parceria no sentido de incentivar ainda mais a diversidade da Feira, permitindo, por exemplo, que pequenas livrarias de Porto Alegre integrem o evento sem que seja necessário associar-se à Câmara Rio-Grandense do Livro.
Leia, abaixo, todos os comentários:
Juarez Fonseca, jornalista e crítico cultural
"O simples fato de ser cogitada a possibilidade de cobrar um aluguel da Feira do Livro é um absurdo. É mais um fato que cria desconforto nas pessoas que estão na área cultural. Se a Câmara Rio-Grandense do Livro vai pagar aluguel pela Feira, vai acabar descontando isso de seus associados. A Feira do Livro tem mais de 50 anos, é o evento mais importante de Porto Alegre. A prefeitura não tem que cobrar nada, tem que se aliar à Câmara Rio-Grandense do Livro para realizar o evento. A feira tem desde uma distribuidora gigante a uma banca que vende livros usados. Como se categoriza os expositores pela dimensão de cada um? Eles vendem livro com desconto durante a feira. É um evento em benefício da cidade, não é um evento mercantil, que vislumbra lucro. O volume de pessoas que circulam na Praça da Alfândega durante a Feira afasta pessoas mal intencionadas. As pessoas se alimentam na região, consomem, movimentam a região, geram aumento de fluxo do transporte coletivo. Tem vários benefícios que não estão sendo considerados. Neste momento, a cidade está tão abandonada que o prefeito deveria considerar isso".
Luis Augusto Fischer, escritor, professor e patrono da Feira do Livro em 2013
"É uma imbecilidade. Pode botar essa palavra. É algo descabido de quem conhece o papel da Feira do Livro na cidade. A feira é uma organização econômica, gerida por uma empresa privada, mas envolve valores que transcendem a questão monetária. O que a feira faz por Porto Alegre acrescenta valores incontáveis para a cidade. É cidadania, a praça pública sendo de todos. É inimaginável que um prefeito cogite isso. E ainda use uma tática de apresentar um valor alto para dizer, depois, que é mais baixo. Uma sugestão minha é que, levando em consideração que a Câmara Rio-Grandense do Livro cobra taxa alto dos associados, o que impede muitas livrarias de participar do evento, o prefeito propusesse uma troca com a organização permitindo que as livrarias pequenas participem gratuitamente em troca de o evento ser realizado sem cobrança de aluguel".
Alcy Cheuiche, escritor e patrono da Feira do Livro em 2006
"Ninguém pode aceitar uma situação dessas. É o mesmo que na área agropecuária você suspender a Expointer. Já fico extremamente desconfiado que o Marchezan não estava em Porto Alegre durante a feira de 2017. Quero deixar claro o meu protesto. A nossa feira não visa lucro. Os escritores trabalham de graça. A única coisa que se vende é o livro. comprei Noite, do Érico Veríssimo, por R$ 2 num balaio. Todos os espetáculos, as palestras, os debates, a música, o teatro, todas as atividades da feira são gratuitas. Feira é o ao ar livre, feira é assim mesmo. Somos a maior feira do livro da América em espaço aberto. Todo mundo lutando para ressuscitar o Centro Histórico de Porto Alegre e o maior evento de todos vai passar a ser cobrado? Qual é a opinião do Luciano Alabarse, secretário de Cultura (veja a opinião de Luciano Alabarse aqui). Ele carrega o prefeito no colo e nessa hora, ele tem que escolher quem ele é. Se ele é do meio cultual ou se é do staff do prefeito e acabou. Não é possível ser um secretário de Cultura e assistir as coisas desse jeito. Quando fui patrono, meu editor, o alemão Christoph Jahn, que participou da feira, disse no microfone para todo mundo ouvir que a Feira de Frankfurt poderia ser a maior feira comercial do mundo, mas que a maior feira cultural era a de Porto Alegre. Ele disse: 'Olha aí, tem um cachorro caminhando, uma senhora amamentando uma criança no colo e olhando os livros'. É tão democrática que todas as barracas são semelhantes. Não é um evento comercial, é um evento cultural, aberto".
Paula Taitelbaum, escritora de livros infantis
"É uma série de absurdos. Um país, uma cidade, se faz com pessoas leitoras, com pessoas que tenham incentivo a leitura e a educação. Parece que nosso prefeito não está preocupado e interessado com a educação e a cultura da cidade. Isso tem um reflexo futuro. A gente vai colher esses frutos da falta de incentivo atual. Serão menos crianças leitoras, menos pessoas tendo contato com os livros. Isso afeta todo mundo, não só as pessoas envolvidas com a cadeia do livro, a compra e venda de obras, a editora, o autor, o ilustrador. Afeta principalmente as escolas, os estudantes, o público leitor. É uma série de ações que vêm sendo feitas pelo governo municipal de não incentivo, de cortar coisas que já existiam, de não valorizar a leitura e a cultura. Isso vai ter um efeito enorme. Ele (Nelson Marchezan) não percebe que a Feira do Livro não é comercial. É da cidade. Está sendo encarada como um produto".